Novela vertical? Conheça o formato que virou fenômeno no Brasil
Com produções inclusive cearenses, modelo nasce na China, ganha cada vez mais força nas plataformas digitais e acena para vastas possibilidades
Era de se esperar que a hegemonia de vídeos curtos e gravados na vertical fosse mais longe que os virais da internet. Agora eles alcançam um novo patamar, com amplo alcance nas plataformas digitais – no caso do Brasil, na jugular da preferência nacional no que toca ao consumo de massa. Novelas são a nova aposta do formato, e merecem sua atenção.
Idealizadas para serem assistidas diretamente pelo celular, elas primam por episódios curtíssimos – a duração média é de dois minutos – e com ritmo extremamente ágil. A quantidade total de capítulos também não é longa, e há um capricho especial na criação de ganchos de um episódio para outro, na esteira da consagrada lógica do folhetim.
Conhecidas como microdramas, as produções obedecem à lógica de consumo cada vez mais dinâmica da sociedade, e já têm poder de influência. Não à toa, o próprio TikTok lançou recentemente a aba “Novela”, com centenas de conteúdos afins. A plataforma explica que a função ainda está em fase de teste.
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“Os recursos que testamos nem sempre chegam ao produto final e, quando chegam, podem ter aparência e funcionalidade diferentes”, elucidam. Para além da bolha virtual, emissoras como a Globo também estudam possibilidades referentes ao formato. Em nota, a empresa informa que faz parte do desenvolvimento de diferentes projetos de dramaturgia.
“A Globo anuncia o investimento em microdramas, formatos curtos e verticais voltados para o consumo em dispositivos móveis. A iniciativa faz parte da estratégia de inovação da empresa, com lançamentos previstos ainda esse ano na TV Globo e no Globoplay, de acordo com as vocações de cada plataforma: conteúdos abertos e gratuitos nas redes sociais da TV Globo e modelos pagos no Globoplay, com degustação de alguns capítulos gratuitos"
Dois microdramas estão previstos ainda para este ano. O primeiro projeto será “Tudo Por uma Segunda Chance”, escrito por Rodrigo Lassance e dirigido por Adriano Melo.
A obra será ativada e terá uma lógica de publicação nas redes sociais integrada à novela das sete, “Dona de Mim”, na qual personagens acompanharão os episódios do microdrama, enquanto o público poderá assisti-los nas redes sociais. “Tudo Por uma Segunda Chance” terá 50 episódios de dois a três minutos.
Por sua vez, “Cinderela e o Segredo do Pobre Milionário”, produzido pela Formata, será protagonizado pelo cantor sertanejo Gustavo Mioto e terá 50 episódios com duração máxima de dois minutos. O microdrama terá seus seis a sete primeiros episódios disponibilizados gratuitamente para todos os usuários logados no Globoplay e no YouTube, e os demais estarão no Globoplay para assinantes – inicialmente apenas para consumo mobile
Até sabermos das próximas novidades, é importante conhecer quais novelas verticais já são sensação entre espectadores.
Novelas verticais mais assistidas
A mais assistida neste momento é a versão brasileira de “A Vida Secreta do Meu Marido Bilionário”, com mais de 423 milhões de visualizações apenas no ReelShort – plataforma especializada em vídeos curtos, na qual os microdramas ganharam maior fôlego. A produção é estrelada pelo ex-Malhação Victor Sparapane e por Jessika Alves, de “Em Família” (2014).
Na trama, Sebastião Torres é o filho bastardo da família Torres. Ele carrega uma má fama, sobretudo porque acabou de sair da prisão. Isso não impede que Nathália Queiroz se case com o rapaz sem saber que o marido tem um segredo bilionário. São 68 episódios nos quais mistério, amor e intrigas dominam a tela.
Outra história brasileira de sucesso é “De Volta ao Jogo”, com 69 episódios e 15 milhões de visualizações em apenas três dias. A versão nacional de “Quebrando o Gelo” tem no elenco Anna Rita Cerqueira, de “Espelho Da Vida”, e Bruno Guedes, de “Malhação”.
No enredo, Mariana é mãe-solo e terminou o relacionamento com o primeiro amor, Luís, há oito anos, mas nunca contou que estava grávida. Agora, ele é uma estrela do futebol e chefe de Mariana. De repente juntos novamente, precisam lidar com as verdades silenciadas.
“Herdeira Verdadeira vs. Rainha Falsa”, “Substituta Acidental para Alfa” e “Encontrei um Marido Multimilionário Sem-teto para o Natal” são outras produções, desta vez estrangeiras, com audiência estratosférica.
Origem das novelas verticais
Essa febre toda tem contexto. Originou-se na China em meados de 2018, impulsionada sobretudo pelo Douyin, considerado o “irmão chinês” do TikTok. “É um aplicativo que sempre teve um marketing muito agressivo como plataforma de consumo”, explica Thiago Soares, professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, para justificar a rápida amplitude dos microdramas em todo o mundo.
Segundo ele – também coordenador do grupo de pesquisa em Comunicação, Música e Cultura Pop – para além das características já descritas, há outro fator que torna as novelas verticais tão atraentes: elas bebem do melodrama, cuja base de sustentação são reviravoltas. O mesmo fluxo do folhetim, a propósito, desde o século XIX.
“O que a gente percebe nessa disputa das redes é uma atualização de formatos, uma vez que o folhetim é responsável por originar as narrativas seriadas – das quais nasce a telenovela, muito popular aqui no Brasil – e se incorpora a outros formatos nas plataformas digitais”, percebe.
Outra observação apurada dele diz respeito a quando os microdramas de fato começaram a entrar no cotidiano do público.
Foi durante a pandemia de Covid-19, principalmente como forma de atenuar a dura realidade vivida à época. De lá até aqui, pela velocidade e força com as quais atingiram novos espectadores, já podemos falar em fenômeno.
“O sucesso de um formato tem relação direta com o contexto social e econômico que estamos vivendo – de angústias, emergências, crises. Então, essas novelas me parecem uma espécie de antídoto para esse contexto”, diz Thiago.
“Também precisamos considerar o interesse de plataformas consagradas nesse tipo de produção, como Netflix, Prime Video, Globoplay etc. Isso porque o celular se consagra como objeto central de consumo de produções audiovisuais e digitais, e há uma dinâmica de mobilidade urbana, de você assistir a episódios curtos no metrô, no ônibus… Isso parece estar nesse horizonte”, continua o professor.
Novelas verticais x novelas tradicionais
Apesar da ascensão dos microdramas, Thiago Soares prefere não rivalizar o formato com o modelo consagrado de novelas, gravado na horizontal. Isso porque, para ele, estamos diante de um contexto de consumo acelerado e, no momento, ainda nichado – logo, inferir se os microdramas tomarão o lugar das novelas tradicionais pode ser precipitado.
O que se comprova, sim, são diferentes ecossistemas audiovisuais se utilizando de múltiplos artifícios para se sobressair. Cortes, edits e memes assumem a dianteira nesse sentido, haja vista o consumo rápido e fácil.
“A aparição de novos formatos reorganiza o próprio sistema audiovisual. O vertical é um elemento importante, mas ele apenas cria novas oportunidades para imersão em outros contextos – telas maiores, horizontais, com programações mais lentas, também ocupam um importante lugar de fruição do audiovisual”.
Novela vertical cearense
O Ceará também tem a própria novela vertical para chamar de sua. “A Pé Rapada Milionária” é a primeira criação nesse formato do Nas Garras da Patrulha. Os personagens, contudo, não são do Garras. A aposta é em personagens feitos especialmente para esse formato, a exemplo da mocinha Bella Kin, da vilã Dona Kill Gurgel, e de Zé Can Yo e Vamderson Din.
A trama contará a história da Francisbela Kin, deixada no altar por Zé Can Yo. O homem sonha em ser cantor de sucesso do K-forró e vai para os braços da empresária Donna Kill Gurgel, que promete fazer dele o maior artista de todos os tempos.
No meio dessa turbulência, Bella conhece um homem simples e romântico chamado Vamderson Din. Ele passa a ajudá-la em todas as situações, e se apaixona. Uma reviravolta acontece quando Bella recebe uma herança milionária e abre a própria empresa de cosméticos com produtos bem cearenses, como body splash de jambo, protetor labial de pitomba e blush de urucum. Mas um segredo será revelado e tudo pode mudar na vida da heroína.
A novela terá 30 episódios, publicados diariamente no perfil do Nas Garras da Patrulha no Instagram, com duração média de dois minutos cada. “A ideia partiu de Fábio Ambrósio, diretor de programação do Sistema Verdes Mares, vendo que esse modelo de conteúdo está fazendo sucesso nas redes”, explica Fábio Nobre, diretor do Nas Garras da Patrulha.
“Ainda estamos na fase de produção e gravação da novela. Temos 90% gravado, mas ainda fazendo correções e adaptando o que é preciso. Esse processo dura cerca de três meses, entre ideias, gravações, regravações e adaptações”, dimensiona.
É um desafio prazeroso, conforme o profissional, desde a equipe da redação, com Cícero Paulo; vozes de Cleber Fernandes e Ery Soares; produção de Marina Brasil; edição de Felipe Anderson; supervisão de programação de Iarla Carolina; e manipulação dos bonecos de Francisco Duarte, Ivanildo Pereira e Charlony Victor.
“O desempenho da equipe está fazendo com que a novela seja produzida para ser um sucesso”.