Atriz cearense se destaca em filmes pré-indicados ao Oscar e sucessos do streaming
Fátima Macedo compõe elenco de obras de destaque e celebra 20 anos de carreira nas artes cênicas em 2025
Um ano de “colheitas bonitas”. É assim que a atriz cearense Fátima Macedo define o atual momento da carreira, no qual celebra uma série de lançamentos audiovisuais de destaque nacional e internacional.
No elenco dos longas “Manas” e “A Praia do Fim do Mundo” — dois dos habilitados a representar o Brasil no Oscar de 2026 —, da recém-encerrada novela da Globoplay “Guerreiros do Sol” e da recém-lançada série da Netflix “Pssica”, a artista celebra, neste ano, 20 anos de trajetória nas artes cênicas.
Em entrevista por telefone ao Verso, Fátima relembra os primeiros contatos com teatro — ocorridos no escopo do centenário Theatro José de Alencar, onde chegou a trabalhar como “indicadora de poltrona” —, reverbera a importância das mensagens das obras atuais e adianta trabalhos futuros.
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Mergulho teatral no CPBT
O primeiro contato com arte da trajetória da atriz ocorreu na infância, quando viu uma apresentação de reisado na escola pública no Jardim América, bairro onde nasceu e mora até hoje.
“Aquilo me despertou muito pelas cores, por ser inusitado — porque eu não tinha aula de teatro na escola”, recupera. O caminho de Fátima, no entanto, só seguiu de fato neste sentido já na adolescência.
Em 2005, quando tinha 16 anos, ouviu falar a partir de uma amiga da escola sobre o Curso Princípios Básicos de Teatro, realizado no escopo do Theatro José de Alencar (TJA). A formação, que tem diferentes etapas classificatórias, foi a primeira experiência cênica vivida por ela.
“Nunca tinha feito nada. No primeiro módulo, fiquei atravessada por essa experiência, foi forte a vivência, a troca com as pessoas. Nem estava me importando se ia passar pra segunda etapa, porque só aquela primeira semana já mudou alguma coisa dentro de mim”, partilha.
Fato é que deu certo. Ao final do curso, após apresentar o trabalho de conclusão com a turma, montou um grupo teatral “bem amador, bem experimental” com alguns amigos. Apesar das experiências na área, ela lembra, acabou optando por fazer vestibular para História.
De ‘indicadora de poltrona’ a atriz
“Pensei: ‘Ah, isso não vai dar muito futuro, não’. Eu não tinha referência, na minha família não tenho artistas próximos. Achava que não ia dar pé”, explica. Mesmo com a decisão, não se desvencilhou por completo das artes cênicas.
Isso porque, após o CPBT, continuou a frequentar o TJA tanto como público, quanto trabalhando. “Fui bolsista, trabalhava na produção, também como freelancer, e depois eles me efetivaram. Foi minha primeira carteira assinada como, até lembro, indicadora de poltrona”, ri-se.
A permanência em diferentes funções no equipamento cultural foi seguindo e, enquanto recebia o público, avisava da proibição de fotos com flash, cuidava de figurinos e guiava visitas pela estrutura histórica, também seguia como público. “Foi muito rico, tive contato com muitos grupos de artistas do Brasil que iam para lá”, ressalta.
Durante o percurso, repetia em pensamento: “Quero realmente viver da forma que sinto que o meu coração bate mais forte”. Foi em 2010 que o sentimento se tornou ação e Fátima prestou novo vestibular, dessa vez para teatro no Instituto Federal do Ceará.
Início no audiovisual
No começo dos anos 2010, deslanchou em formações e experiências diversas na arte. Além da graduação, se formou também no Curso Técnico em Dança — linguagem para a qual credita uma melhora na própria atuação — e trabalhou em obras de estudantes de audiovisual.
“Conhecia o (cineasta) Leo Mouramateus quando eu trabalhava no TJA e ele estava fazendo CPBT. Ele fazia cinema no UFC e fez a ponte para outras pessoas que também faziam e estavam precisando de atores. Comecei dessa forma despretensiosa, aprendendo a fazer com essa galera que também estava aprendendo a fazer”
Na filmografia de Fátima, despontam obras como os curtas e médias “Multidões” (2013), de Camila Vieira; “História de Uma Pena” (2015), de Leonardo Mouramateus; e “Do Que Se Faz de Conta” (2016), de Michelline Helena e Amanda Pontes; e o filme da TV Verdes Mares “Guerra da Tapioca”, de Luciana Vieira e Wislan Esmeraldo.
Outros destaques são o protagonismo em “Pajeú”, de Pedro Diógenes, e participações em “O Clube dos Canibais”, de Guto Parente, e “Se Arrependimento Matasse”, de Lilia Moema.
“Toda a arte que a gente faz aqui no Ceará é guerrilha”
No teatro, a artista também seguiu compondo trabalhos de grupos como Mimo e Ânima, entre outros, além de ter assinado a dramaturgia e concepção do solo em dança “Mistérios de Fim-Fim”, que também protagoniza.
Todas as experiências citadas se ligam com o cenário pujante de produção artística do Ceará, que segue a despeito de dificuldades. “Toda a arte que a gente faz aqui no Ceará — e falo por mim e meus amigos artistas da dança, do teatro, do cinema — é guerrilha”, considera.
“A gente se doa muito para fazer o que a gente faz e muitas vezes a gente não tem tanto reconhecimento. Cursos de formação da UFC, IFCE, Porto Iracema das Artes, fizeram com que houvesse um crescimento muito positivo de novos artistas, (mas) muitos não estão tendo vazão e produções acabam não encontrando circulação”
“O Ceará tem tido muitos avanços em termos de políticas públicas. Ainda não é o ideal, existem muitas lacunas em aberto, fragilidades. Nunca é território ganho”, avalia Fátima.
Coincidência de lançamentos
Por coincidência, quatro obras que Fátima gravou em anos diferentes chegaram ao público brasileiro ao mesmo tempo em 2025.
“‘Praia (do Fim do Mundo’) foi filmado em 2021; ‘Manas’ a gente filmou em 2022, ‘Guerreiros (do Sol)” em 2023 e ‘Pssica’ (no) ano passado, e eles vieram emergir agora todos esse ano”, contextualiza a atriz.
“É bem novo e muito excitante vivenciar isso esse ano. Tantos trabalhos bons, cinematograficamente com qualidade e com histórias importantes e urgentes”, destaca.
No filme cearense “A Praia do Fim do Mundo”, de Petrus Cariry, Fátima interpreta Alice, uma jovem ambientalista, e contracena com Marcélia Cartaxo. A obra ganhou três prêmios no Cine Ceará de 2021 e estreou nos cinemas na última quinta-feira (4).
Já “Manas”, de Marianna Brennad, estreou mundialmente em 2024. Premiado em mostra paralela do Festival de Veneza, chegou ao Brasil em maio deste ano. Na obra, que denuncia a exploração sexual infantil no Pará, a atriz interpreta Danielle.
Completando a lista, “Guerreiros do Sol” estreou em junho no Globoplay e trouxe diversos nomes do Ceará no elenco, com uma trama que se inspira em histórias do cangaço. Já “Pssica”, da Netflix, chegou à plataforma há duas semanas e também aborda o universo da exploração sexual.
Obras para refletir e sensibilizar
“Esses trabalhos têm reverberado de uma maneira muito forte e positiva, e não estou falando só para mim enquanto artista que fez parte, mas enquanto mensagem”, ressalta. “Todos os quatro, e vou citar ‘Peixe Morto’ também (curta cearense de João Fontenele), trazem o protagonismo feminino”, reforça.
Em especial, Fátima tem se relacionado com a bandeira contra a exploração sexual de crianças.
“Esse tema tem sido cada vez mais caro para mim e comecei a tomar como uma luta minha. Uma das funções que a arte pode ter é trazer temáticas densas, pesadas, e fazer com que as pessoas não só sintam, mas reflitam”, ressalta.
Com “Manas”, por exemplo, a cearense participou de eventos como o 19º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e, no final de setembro, estará em um evento do Congresso, em Brasília. “O filme continua vivo e a gente precisa falar sobre isso”, sustenta.
Viver de arte
Para quem pensou que arte não “daria muito futuro”, o cenário alcançado por Fátima 20 anos após ter encontrado o teatro evidencia os frutos do caminho traçado por ela.
No entanto, a atriz reconhece, só agora consegue afirmar que vive profissionalmente do trabalho como atriz.
“Já fui massoterapeuta, terapeuta reikiana, dei aula de teatro, de yoga. Fui vivenciando outras experiências que, inclusive, só somam na minha carreira enquanto atriz, mas fiz isso não por escolha, e sim por necessidade, porque é muito difícil viver só de arte”
“Atualmente, de fato, eu tenho vivido de atuação, mas isso demorou um tempo. São muitas incertezas, mas também tem o brilho que a gente tem que levar fazendo cada projeto”, acredita.
“A gente que está galgando lugares no audiovisual depende muito da aprovação de outras pessoas, de convite, teste”, aponta a atriz. “Ainda hoje, mesmo esse ano sendo tão interessante e com tantas colheitas bonitas, quando termino um trabalho sempre vem: ‘E agora? Qual vai ser o próximo?’”, partilha.
No momento, o questionamento tem resposta definida.
“A gente tem o lançamento do ‘Praia’ e, recentemente, fiz uma participação em ‘Os Outros’, série da Globoplay, na terceira temporada, e gravei um filme especial de Natal que vai contar com três episódios diferentes, com direção de Déo Cardoso, Leão Neto e do Wagner Nogueira”, adianta.
“Muitos artistas daqui estão conseguindo espaços nacionais e isso é muito legal de ver, com isso todos os nossos ganham projeção, uma coisa vai se somando à outra e a gente vai se fortalecendo na nossa arte e no nosso corre”, celebra Fátima.