Theatro José de Alencar celebra 115 anos com demandas por manutenção e expectativa de restauro

Secretaria da Cultura do Estado prevê iniciar em 2026 os trabalhos de restauro integral e modernização do equipamento centenário

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
Theatro José de Alencar completa 115 anos nesta terça-feira (17)
Legenda: Theatro José de Alencar completa 115 anos nesta terça-feira (17)
Foto: Natinho Rodrigues

“Hoje a grande necessidade do Theatro José de Alencar, de fato, é um restauro integral da sua estrutura e uma modernização”. Quem prioriza é Luisa Cela, secretária da Cultura do Ceará. A afirmação de cuidado com o equipamento, que nesta terça (17) completa 115 anos, ecoa desejos de artistas de diferentes linguagens ouvidos pelo Verso.

O TJA é considerado palco central para o teatro e a dança no Ceará pela classe artística. Por isso, as demandas dos profissionais dizem respeito justamente ao acesso ao equipamento e às questões estruturais desse patrimônio histórico-cultural do Estado e do País.

Há pouco mais de um ano, o TJA — que é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — foi aprovado no edital do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal. 

Isso possibilitou o recebimento de recursos para a elaboração de projetos indispensáveis para o futuro restauro do equipamento. “Nossa meta é conseguir concluir esses projetos todos para avançar no processo de captação e, no próximo ano, licitar e (assinar a) ordem de serviço”, prevê a gestora.

A última obra integral da estrutura do Theatro José de Alencar ocorreu com a então gestora Violeta Arraes (1926-2008). Foi entre 1989 e 1991.

“Da Violeta para cá, foram feitas, obviamente, diversas manutenções, reparos, atualizações de equipamento, mas nada do ponto de vista integral da sua estrutura”, aponta Luisa.

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Demandas por cuidado e manutenção 

Foi no TJA que Silvero Pereira, vindo de Mombaça, teve o primeiro contato com a arte que viraria caminho de vida. O percurso artístico do cearense começou a partir do equipamento. 

“Foi no Morro do Ouro, o anexo do TJA, que assisti pela primeira vez a um espetáculo de teatro”, partilha. Após ver "O Destino a Deus Pertence", obra do Curso de Princípios Básicos de Teatro (CPBT), decidiu-se por cursar artes cênicas. 

“O anexo do Theatro tem enorme potencial na construção de gerações de artistas através de ações formativas e a importância de se pensar no espaço para além da beleza arquitetônica, mas sim como uma casa de espetáculos, um gerador de arte”
Silvero Pereira
ator

“O Theatro José de Alencar é uma joia preciosa do nosso Estado”, define. É por tamanha importância que o ator e colunista do Diário do Nordeste ressalta: “Falta uma política séria de preservação desse patrimônio, de garantia de equipamentos de qualidade, de segurança no entorno”.

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O discurso é ecoado pela bailarina e atriz Silvia Moura, cuja trajetória artística de mais de cinco décadas é vinculada ao TJA. Por isso, o trabalho de gestores e trabalhadores é reconhecido pela cearense.

“O que é positivo em qualquer gestão que esteja no Theatro é a luta que vejo dos gestores, diretores, das pessoas que trabalham no teatro para mantê-lo atuante, vivo, para ver a questão da manutenção — que é sempre muito difícil. Quem está à frente tem esse desafio e essa grande luta”, aponta Silvia.

“É preciso ter vontade e força de trabalho e de equipe para poder conseguir atuar de uma maneira eficaz dentro da gestão, que a gente sabe que tudo é lento, que tudo não corre no ritmo que a gente gostaria e necessita que aconteça”
Silvia Moura
bailarina

As questões são reconhecidas pela atual gestão da Secult.

Registro da fachada do TJA em 1976
Legenda: Registro da fachada do TJA em 1976
Foto: Capibaribe

A atual titular da Secult reforça que o esforço da pasta “é para garantir a viabilidade do restauro”, mas que necessidades de manutenção vem sendo sanadas. “Desde que assumi a Secretaria (em 2023), diversas manutenções no vitral, nas escadarias, no telhado, no sistema de ar-condicionado foram realizadas no teatro”, elenca.

A gestora ainda adianta ao Verso que, nesta semana, após as comemorações do aniversário, será iniciada uma manutenção através da Superintendência de Obras Públicas. O investimento é de quase R$ 1,2 milhão. Estão previstos, entre outros pontos:

  1. trabalho na coberta do Theatro, para agir em áreas de infiltração;
  2. manutenções no anexo incluindo partes hidrossanitárias e elétricas;
  3. pintura de áreas com demanda.

Meta de iniciar obras em 2026

A seleção do TJA ao novo PAC ocorrida em março de 2024, como explica a Secult, “trata do custeamento da contratação de projetos arquitetônicos e complementares para o restauro do Theatro José de Alencar”.

Ou seja, a fase ainda é prévia, ligada à necessidade de conclusão de projetos referentes, por exemplo, à parte cênica, de iluminação, urdimento (estrutura de armações no teto do palco para sustentar e mover cenários e equipamentos) e restauro do jardim, assinado pelo paisagista Burle Marx (1909-1994) e também tombado. 

Jardim Burle Marx, no Theatro José de Alencar, é um dos patrimônios do equipamento
Legenda: Jardim Burle Marx, no Theatro José de Alencar, é um dos patrimônios do equipamento
Foto: Ismael Soares

Outro bloco de projetos, explica Luisa, já vinha em desenvolvimento pela SOP desde a gestão passada da Secult, incluindo de combate a incêndio, acessibilidade e hidráulico. “A maior parte deles já foi desenvolvido, finalizado e aprovado pela SOP e aprovado pelo Iphan”, contextualiza a secretária. 

Ela explica que, no momento, dois dos projetos complementares necessários ainda não estão totalmente aprovados pela superintendência, mas as equipes já estão em processo de finalização deles para serem retornados à SOP. Com eles aprovados, já será possível atuar na captação de recursos para o restauro em si, além do investimento de recursos próprios do Governo. 

“A gente já vai ter o conjunto básico de projetos para ter o orçamento do restauro e aí já consegue, por exemplo, inscrever na (Lei) Rouanet, porque uma das nossas articulações é através da Petrobras, do BNDES, dessas grandes estatais, captar parte desse recurso para a obra direta do restauro”
Luisa Cela
secretária da Cultura do Ceará

A meta, define Luisa, é que a ordem de serviço do restauro do Theatro José de Alencar seja dada até o final da atual gestão, que segue até 2026.

“É um investimento alto, deve ser de mais de R$ 20 milhões, certamente, mas o Theatro José de Alencar merece, a cidade de Fortaleza merece, o estado do Ceará merece. A gente precisa cuidar bem desse nosso patrimônio”, finaliza.

Política de pautas como demanda

Em relação ao acesso da classe artística para apresentações no equipamento, as questões também se avolumam. A ausência de pautas  — modalidade de ocupação da infraestrutura de equipamentos — é demanda recorrente.

“Sinto falta nesse momento, e sempre vou sentir, de proximidade. Por muitos anos nós sonhávamos em poder nos apresentar no teatro. Hoje nós podemos e quase nunca tem pauta”, avalia a bailarina Silvia Moura.

Theatro José de Alencar é patrimônio tombado do Ceará e do Brasil
Legenda: Theatro José de Alencar é patrimônio tombado do Ceará e do Brasil
Foto: Ismael Soares

A artista defende que as pautas sejam distribuídas “de forma a contemplar mais artistas locais” — demanda, ressalta, que vale também para outros locais de espetáculos no Estado: “Uma maneira de pensar a pauta de forma mais ampla, incluindo mais artistas de mais linguagens diversas”.

A demanda é ecoada pelo ator Silvero Pereira. “Todo artista desejava estar nesse palco tão grandioso e emblemático”, atesta. É por essa importância do Theatro que ele defende, principalmente,

“(...) incentivos que facilitem temporadas de artistas locais e, assim, garantam e fortaleçam a existência dos coletivos artísticos, dos artistas independentes e a relação do público da cidade com esse equipamento. O TJA precisa voltar a ser esse lugar de desejo e orgulho da classe artística e da população”
Silvero Pereira
ator

A questão é ecoada por Leandro Serafim, professor da UFC e maestro da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Ceará, fundada em 2015. “Nesses 10 anos realizamos algumas apresentações no TJA — menos do que gostaríamos, mas realizamos cerca de sete ou oito”, contextualiza. 

Ao evidenciar o crescimento da música de concerto no Ceará nesse tempo, inclusive em termos de demanda de público, Leandro observa uma “redução” das pautas para apresentações do tipo. 

A situação, explica, ocorre tanto no Theatro José de Alencar quanto no Cineteatro São Luiz, ambos do Governo do Estado e os únicos equipamentos que têm tamanho para abarcar espetáculos musicais da Osufc e outros grupos afins.

Orquestra Sinfônica da UFC apresentou em maio a ópera ‘Bastião e Bastiana’ no Theatro José de Alencar
Legenda: Orquestra Sinfônica da UFC apresentou em maio a ópera "Bastião e Bastiana" no Theatro José de Alencar
Foto: Felipe Abud / Divulgação

Entre os problemas, cita a falta de acesso de pauta, falta de resposta a tentativas de consegui-la e “extrema dificuldade de viabilizar de fato uma pauta”. O cenário motivou, em maio, que um coletivo de maestros representando 12 grupos sinfônicos cearenses fosse demandar o poder público sobre a questão. 

Por orientação da Secult, os maestros apresentaram a demanda em reunião com o Instituto Dragão do Mar — organização social que faz gestão dos TJA e do Cineteatro — e, em resposta, conseguiram 32 pautas para serem divididas entre eles.

Em entrevista ao Verso, a secretária Luisa Cela destaca a política de pautas como uma forma de apoiar a cena artística, mas reconhece que “a demanda é bem superior”.

“Além de ser um dos nossos únicos e principais teatros, ele tem toda uma simbologia, um teatro centenário, monumento, reconhecido como patrimônio nacional. Então tem um desafio do tamanho da demanda para o horário e para o tempo do calendário”
Luisa Cela
secretária da Cultura do Ceará

Na visão da gestora, o fato demonstra a importância de outra demanda: a ampliação do circuito de salas cênicas. 

As reaberturas em breve do Teatro Carlos Câmara, do Governo, e do Teatro Antonieta Noronha, da Prefeitura de Fortaleza, além do uso de outros espaços, são medidas citadas como importantes por Luisa.

Modernização de equipamentos em consonância com o futuro restauro

“Quando nós estamos falando de viabilizar uma pauta, na maior parte dos casos não estamos pedindo pautas gratuitas, estamos falando de pautas pagas, e mesmo assim temos dificuldade muito grande”, afirma Leandro Serafim, maestro da Osufc.

A orquestra vinculada ao curso de Música da UFC, ressalte-se, não tem recursos próprios de gestão. Ao pagamento das pautas em si para poder se apresentar, somam-se ainda gastos que mostram a situação delicada de falta de equipamentos necessários no Theatro.

“O TJA não tem equipamento de som adequado, de iluminação adequada, então nós acabamos tendo que gastar recursos tentando resolver os problemas com aluguel de iluminação, de som, microfonação adicional”, avança.

Situação dos pianos do TJA foi alvo de denúncias por parte do Sindicato dos Músicos do Ceará no ano passado
Legenda: Situação dos pianos do TJA foi alvo de denúncias por parte do Sindicato dos Músicos do Ceará no ano passado
Foto: Ismael Soares

Além das faltas, itens diversos como os pianos do TJA e até o ar-condicionado são apontadas também como problemas. Os instrumentos, por exemplo, chegaram a ser alvo de denúncia do Sindicato dos Músicos feita há um ano sobre problemas mecânicos e até cupins.

Já o ar-condicionado foi um entrave para uma apresentação recente da Osufc no Theatro. Por um problema no sistema de refrigeração, houve necessidade de limitação de público na plateia.

“Grupos de uma instituição pública, que tem um caráter formativo, se veem obrigados a pagar valores altos de pauta, de complemento de iluminação, enfim. Como a gente viabiliza isso? Através da venda de ingressos. Mas com a limitação no quantitativo de público, isso se dificulta ainda mais”
Leandro Serafim
maestro da Orquestra Sinfônica da UFC

O custo total para ocupar o palco do TJA foi quase o dobro da arrecadação em venda de ingressos e a diferença foi coberta por um patrocínio conseguido pela orquestra. “Só que nem sempre nós conseguimos”, lembra o maestro.

Numa avaliação global, Leandro reforça a necessidade de qualificação do equipamento por conta da importância dele e, ainda, defende a criação de políticas “de incentivo para esses grupos (sinfônicos), nem que seja com a isenção da pauta para os próximos anos”. 

Trabalhos em pintura e coberta do Theatro estão incluídas em manutenção que começa nesta semana no equipamento
Legenda: Trabalhos em pintura e coberta do Theatro estão incluídas em manutenção que começa nesta semana no equipamento
Foto: Fabiane de Paula

Em relação ao problema do ar-condicionado, a secretária Luisa Cela explica que uma peça do sistema quebrou e foi necessária a vinda de fora do Brasil de uma nova para a troca, que foi pedida em dezembro mas só chegou em abril.

O sistema de ar, ressalta a gestora, é antigo e só poderá ser substituído no restauro. Além disso, a modernização dos equipamentos de som e luz é também citada pela titular da Secult como uma ação a ser feita em consonância com o futuro trabalho de restauração.

“A Secretaria já fez o levantamento de necessidade de todos os equipamentos da rede e a gente está nesse momento com a nossa equipe técnica trabalhando na realização de uma ata de registro de preços, para que a gente possa modernizar. A nossa prioridade são os espaços cênicos: Theatro José de Alencar, Teatro Carlos Câmara, teatro do Hub Cultural Porto Dragão, o próprio Teatro do Dragão do Mar”
Luisa Cela
secretária da Cultura do Ceará

Programação comemorativa

Para celebrar 115 anos, o Theatro José de Alencar promove uma programação gratuita. A agenda inclui visitas mediadas, espetáculos de teatro, música, performance e outras ações que compõem a edição especial do projeto “Theatro de Portas Abertas”.

Confira a programação completa

  • 9, 11, 14 e 16 horas - Visitas mediadas gratuitas com o educativo
  • 9 às 12 horas - “CPBT Encena: Palco que Ensina” - Abertura dos processos criativos e formativos de conclusão do Segundo Ato (CPBT Manhã 2025), no Teatro Morro do Ouro (CENA TJA)
  • 14h às 17h - “CPBT Encena: Palco que Ensina” - Abertura dos processos criativos e formativos de conclusão do Segundo Ato (CPBT Tarde 2025), no Teatro Morro do Ouro (CENA TJA)
  • 16 horas - Live Painting dos 115 anos do TJA com a artista Marta Brizeno, no Pátio Nobre
  • 16 horas - Grupo de Tradições Cearenses (GTC) apresenta “No Ceará é Assim”, na calçada do TJA
  • 16h50 - Apresentação do Coral CAIS - Amigos de Izaíra Silvino, na calçada do TJA
  • 17 horas - Performance do Chaplin Cearense, na calçada do TJA
  • 18 horas - Espetáculo "ECOS", da Turma CPBT Noite 2024, na Sala de Teatro Nadir Papi Saboya (CENA TJA); ingressos já esgotados
  • 19 horas - Espetáculo “Macacos”, com Clayton Nascimento, no Palco Principal; ingressos já esgotados
  • 21h30 - Apresentação e performance de Mulher Barbada nos parabéns ao TJA, no Palco Elzenir Colares (Jardim de Burle Marx)
  • 21h40 - O Cheiro do Queijo apresenta show “Sound Circo” (parceria Sesc Ceará), no Palco Elzenir Colares (Jardim de Burle Marx)
  • 22h30 - Show "Jardim do Olhar", com Caio Castelo e Rodger Rogério, Luiza Nobel, Lúcio Ricardo e Gabriel Aragão, no Palco Elzenir Colares (Jardim de Burle Marx)
  • 23h30 - Encerramento

TJA 115 Anos - O passado ecoa. O agora cria

  • Quando: terça-feira, 17, a partir das 9 horas
  • Onde: Theatro José de Alencar (rua Liberato Barroso, 525, Centro)
  • Gratuito, com capacidade máxima variável de cada atividade
  • Mais informações: (85) 99204-8843 (bilheteria) ou pelo Instagram @tja.theatrojosedealencar 
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