Exposição ‘Bloco do Prazer’ celebra a força das festas populares brasileiras
Com 250 obras de diversas manifestações artísticas, a mostra impressiona e inaugura fase do Museu de Arte Contemporânea do Ceará.
Inicialmente inaugurada no ano passado, no Museu de Arte do Rio (MAR), a mostra “Bloco do Prazer” chegou ao Museu de Arte Contemporânea do Ceará (MAC-CE) na semana passada, em versão repaginada e com novas obras em diferentes mídias.
Com curadoria de Marcelo Campos, Amanda Bonan e Bitu Cassundé, a exposição traça um panorama do Brasil a partir de suas festas populares, incluindo manifestações culturais de diferentes regiões do País e criações de 33 artistas cearenses.
Dividida em núcleos, a exposição busca conectar o conceito de festa a uma pulsão de vida que é, também, cotidiana. Compõem a mostra festas juninas, blocos de maracatu, grupos de reisado e os bate-bolas cariocas, mas também festas de aniversário em família, casamentos e outros marcos da micro-história.
Fotografias, máscaras, vestimentas, ilustrações e muito mais contam esses momentos que representam alegria de viver, mas também fé, trabalho e política.
Entre os destaques da exposição estão uma sala dedicada à cantora Gal Costa – para quem a música “Bloco do Prazer” foi escrita –, com rico acervo da fotógrafa Thereza Eugênia; o mural “Cariri Delícia 2”, de Charles Lessa, que também esteve presente na primeira etapa da mostra, no Rio; e um amplo espaço dedicado a tradições afro-brasileiras e à cultura popular.
Exuberante, a mostra exige tempo para ser apreciada e demonstra não só a riqueza das festas populares brasileiras, mas também a diversidade da criação artística nordestina, já que mais de 50 dos cerca de 100 autores são da região Nordeste.
Uma das curadoras da exposição, Amanda Bonan afirma que “Bloco do Prazer” contou, desde o início, com intensa participação cearense, já que, além de ter o olhar de Bitu Cassundé, também se apoiou profundamente na canção homônima, composição de Fausto Nilo e Moraes Moreira.
“A gente entendeu que a música do Fausto Nilo era um divisor de águas, uma espinha dorsal para a gente entender a função da festa”, comenta. Para elaborar a mostra original, Amanda e Bitu fizeram uma entrevista aprofundada com o compositor e arquiteto cearense – que pode ser conferida parcialmente em uma das salas da exposição no MAC –, que os orientou a repensar o significado de festa a partir, também, dos anos 80 e da redemocratização do País.
Realizada pelo Ministério da Cultura e pelo Instituto Dragão do Mar (IDM), a exposição tem patrocínio da Petrobras Cultural e foi executada com recursos oriundos da Lei Rouanet.
Outro elemento norteador foi a obra de Gal Costa, falecida durante a concepção do processo de pesquisa. “Isso nos impulsionou a fazer essa homenagem. [Fizemos] uma espécie de palco para ela, com as fotos que a gente encontrou do acervo da Thereza Eugênia”, explica Amanda.
“Antes era uma exposição muito voltada para a festa popular, aí virou uma exposição dedicada à música ‘Bloco do Prazer’. E a música nos dá várias direções de pesquisa, desde o que é festa em si, a questão da fantasia, das alegorias, a questão da festa como política, como manifestação política”, completa.
Junto a aspectos que tratam da festa como combate à censura e à opressão estão elementos recentes da história do Brasil e do mundo, como o impacto da pandemia de Covid-19 e a luta pela democracia frente ao avanço da extrema direita.
“Foi uma exposição montada em 2023 – isso quer dizer que a gente começou a pesquisa em 2022, muito no pós-Covid, em um momento muito difícil pra cultura. Na verdade, a gente não tinha nem Ministério da Cultura, então [a curadoria] era também uma demonstração de resistência”, afirma Amanda.
Bloco do Prazer e a festa como cura
Lançada no disco “Minha Voz” (1982) e eternizada na voz de Gal Costa, “Bloco do Prazer” foi a segunda composição da prolífica parceria entre Fausto Nilo e Moraes Moreira. A primeira, hino absoluto do Carnaval, foi “Chão da Praça”. Presente na solenidade de abertura da exposição, Fausto Nilo relembrou a relação com Moraes Moreira e a importância que a música teve em sua vida nos anos pós AI-5, decreto que deu início ao período mais duro da ditadura militar.
O arquiteto e compositor cearense lembrou que, ao mudar para o Rio de Janeiro para tentar fugir da dor causada pela ditadura, foi apresentado a diversos artistas que moravam por lá por seus amigos cearenses, Belchior e Fagner. Foi assim que conheceu Moraes Moreira, que tinha acabado de sair do Novos Baianos e procurava novas parcerias musicais.
No começo, o clima de alegria que pairava na cena cultural do Rio de Janeiro assustou Fausto. No Ceará, via amigos sendo presos e mortos. Ao chegar no Rio, se deparava com artistas fazendo samba e músicas celebrativas. Após o estranhamento inicial, percebeu que aquele clima amistoso seria importantíssimo para o momento difícil que enfrentava.
Uniu as letras que considerava melancólicas e atípicas para as festas carnavalescas às melodias de Moraes Moreira e, ao perceber o sucesso de “Chão da Praça” e “Bloco do Prazer”, entendeu-se como “autor de Carnaval”. Com o parceiro baiano, foram pelo menos nove composições pensadas para o período momino – que se tornaram parte essencial da música brasileira e evocam a festa como política.
“Fico muito contente porque essas músicas são permanentes no Carnaval”, comentou Fausto, destacando a presença da música “Bloco do Prazer” nas festas carnavalescas da Bahia.
“Hoje em dia nós estamos vivendo um momento diferente na canção popular. Músicas são feitas para dois meses, três meses, aí vem outra… E nós somos da turma velha ainda, estão todos aí com 80”, brincou. “E a gente fazia as canções pensando em ter mais tempo para as pessoas ouvirem, cantarem.”
Exposição marca novo momento do MAC-CE
A estreia de “Bloco do Prazer”, que ocupa os dois andares do Museu de Arte Contemporânea, também demarca a reabertura do equipamento, que passou sete meses fechado para manutenção. Durante esse período, o espaço também teve mudanças na gestão, com a gestora cultural Aretha Gallego assumindo, em julho, a gerência do museu.
Segundo a superintendente do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), Camila Rodrigues, o retorno do MAC-CE é uma das entregas importantes da nova fase do Dragão do Mar, cuja reforma – que inclui obras internas e externas, na Praça Almirante Saldanha – deve ser finalizada até janeiro de 2026.
A gestora afirma que, durante o período em que o MAC esteve fechado, foram feitos reparos nas infiltrações, pintura, recuperação de paredes e piso e troca da manta, tanto para acondicionar melhor as obras como para proporcionar melhor experiência para o público.
No entanto, as mudanças não foram apenas estruturais, segundo Camila. “O MAC está passando por um momento de transformação no campo da educação museal. A gente abriu novos postos de trabalho. Antes eram estagiários, agora são celetistas – são seis celetistas, isso nos dois museus”, pontua.
“A gente reorganizou a reserva técnica, então o acervo hoje está todo catalogado para que a gente, futuramente, num futuro breve mesmo, possa disponibilizar quais são essas peças do acervo para pesquisa, para consulta pública, porque a função do museu é comunicar o seu acervo, é comunicar qual é o seu patrimônio”, completa.
A superintendente reforçou que, conforme anunciado ao assumir a gestão do CDMAC, os museus do espaço cultural devem ter prioridade no novo momento do Dragão do Mar. Para o ano que vem, por exemplo, estão previstas a contratação de um museólogo e a reformulação dos planos museológicos do MAC e do Museu da Cultura Cearense (MCC).
“Os museus são muito importantes. São museus históricos, formaram muita gente, formaram o campo artístico do Ceará. Então, a ideia é continuar olhando pra dentro, organizando dentro, mas também tornando eles mais porosos, chamando a comunidade, o território. Transformando o museu num lugar de estar, um lugar onde a reflexão e o pensamento vai germinar”, conclui.
Serviço
Exposição “Bloco do Prazer”
Quando: Até maio de 2026
Horário de visitação: Quarta-feira a sábado, das 9h às 19h, e domingos e feriados, das 10h às 20h
Onde: Museu de Arte Contemporânea do Ceará (MAC-CE), no Dragão do Mar (rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)
Acesso gratuito
Mais informações: @maccedragao