Veículos que atendem população em situação de rua em Fortaleza param de rodar por falta de pagamento
Motoristas de seis vans e ambulâncias suspenderam atividades após atraso de três meses de salário
As atividades do Consultório na Rua, iniciativa da Prefeitura de Fortaleza que leva atendimentos de saúde a pessoas em situação de rua num consultório itinerante, foram paralisadas. Os profissionais denunciam que, há uma semana, as seis vans e ambulâncias que prestavam o serviço pararam de rodar por falta de pagamento da gestão municipal.
Como a maioria das pessoas em situação de rua não tem um endereço de referência, as equipes precisavam se deslocar até os territórios onde elas permanecem – serviço agora logisticamente dificultado.
Em vídeos publicados nas redes sociais, a médica de família e comunidade Taís Matos, que já trabalhou com esse público-alvo na Capital, lamentou a paralisação do serviço.
Segundo ela, as atividades foram interrompidas no dia 2 de dezembro, após os motoristas que faziam o transporte das equipes, contratados por um instituto terceirizado pela Prefeitura, ficarem dois meses sem receber salários. Neste fim de semana, eles completaram três meses sem os pagamentos.
“A paralisação é justa. Esses trabalhadores foram meus colegas e não tem como eu não me indignar. Além disso, a população em situação de rua vai ficar desassistida porque não tem como as equipes se deslocarem a campo se não tem van para transportá-las. É triste”, relatou a médica.
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O Diário do Nordeste também conversou com uma fonte ligada ao programa, com identidade preservada, que confirmou o problema. Segundo ela, os profissionais foram avisados na última segunda-feira (2) que as atividades seriam paralisadas. Para não ficarem parados, foram orientados a dar suporte às atividades em postos de saúde.
"Os outros profissionais, desde a última sexta-feira (6), estão com um mês de salário atrasado, e até agora não há previsão de receber, porque a Prefeitura não fez o repasse para a terceirizada responsável", declarou a fonte.
Segundo ela, os equipamentos que recebem pessoas em situação de rua (Centros Pop e outros locais da assistência social) foram informados da paralisação, mas não se sabe como está ocorrendo o direcionamento.
"Infelizmente, há muita resistência dos profissionais dos postos de saúde em atender a população em situação de rua de maneira geral. Acho que podem estar buscando esses locais só quando estão com a situação de saúde muito grave, devido a essas situações de preconceitos que são muito comuns", lamenta.
A fonte ainda se preocupa com o início da pré-estação chuvosa, quando a situação de quem vive sem um teto fica ainda mais complicada. "Estamos iniciando as chuvas e, sem atendimento, os casos de leptospirose, pneumonias, tuberculose e outros tipos de adoecimentos podem ficar descontrolados. Fora a Covid-19".
O que diz a gestão municipal?
A reportagem questionou à Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) o que ocasionou a interrupção do serviço e se há previsão para retorno das atividades. A Pasta informou que, como os consultórios são equipamentos de saúde, a demanda seria respondida pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
Por sua vez, a SMS declarou que “está trabalhando para solucionar as questões administrativas que impactaram o serviço móvel e regularizar a situação o mais breve possível”.
A Secretaria informou que o programa continua atendendo ao público-alvo em suas unidades base, das 7h às 19h, nos seguintes locais:
- Posto de Saúde Airton Monte (Rua Alberto Oliveira, s/n, Jardim Iracema)
- Posto de Saúde Liduina Maria Araújo (Rua Ramos Botelho, 601, Papicu)
- Posto de Saúde Cesar Cals de Oliveira Filho (Rua Pernambuco, 3172, Pici)
- Posto de Saúde Francisco Monteiro (Av. Dos Eucaliptos, s/n, Dendê)
- Posto de Saúde Régis Jucá (Av. I, 618, Mondubim)
- Posto de Saúde Padre Alberto Trombini (Av. Deputado Paulino Rocha, s/n, Cajazeiras)
Segundo a Pasta, entre maio de 2023 e 29 de novembro de 2024, o programa realizou 243.302 atendimentos. Em maio deste ano, houve a ampliação de uma para seis equipes multidisciplinares, totalizando 66 profissionais envolvidos.
Como funciona o Consultório na Rua?
As equipes do programa são compostas por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistentes sociais, psicólogos e agentes sociais.
Além do atendimento de saúde, os beneficiários tinham inclusão em programas sociais e a distribuição de absorventes para pessoas que possuem útero.
O cronograma de atendimentos era realizado a partir do mapeamento das áreas de maior incidência de pessoas em situação de rua na cidade.
A localização das equipes era divulgada semanalmente em outros equipamentos municipais que acolhem população em situação de rua, como os Centros Pop, centros de convivência, pousadas sociais, restaurantes populares e pontos de Higiene Cidadã.
Fechamento de Centro Pop
No fim de novembro, entidades de apoio às pessoas em situação de rua também foram surpreendidas pelo fechamento do Centro Pop do Centro, um dos mais movimentados da Capital. A Prefeitura alegou que a unidade seria transferida para outro local, na Avenida Carapinima.
Após a divulgação do fato, no mesmo dia, a Justiça determinou o retorno das atividades. A unidade atende cerca de 100 usuários por dia. Lá, as pessoas em vulnerabilidade têm acesso à alimentação, higiene pessoal, assistência social e jurídica, além de Cadastro Único para programas sociais.
As falhas nas políticas públicas afetam uma população de mais de 9 mil pessoas, conforme levantamento do Cadastro Único (CadÚnico), em novembro. Fortaleza só dispõe de dois Centros Pop para dar conta desse montante – quantidade insuficiente, segundo movimentos sociais e órgãos de Justiça.