Após 3 meses da nova gestão do IJF, pacientes e profissionais relatam que ainda faltam medicamentos e insumos

A direção do hospital negou a falta de medicamentos e insumos, mas que “itens pontuais” estão nos prazos de análise e logística de entrega. Crise do IJF, iniciada em 2024 na gestão Sarto, foi divulgada pelo Diário do Nordeste

Fachada do IJF mostrando algumas pessoas saindo do hospital
Legenda: Uma equipe do Diário do Nordeste esteve no IJF na última quinta-feira (3) e conversou com acompanhantes de pacientes
Foto: Thiago Gadelha

A situação que, no final de 2024 e início de 2025, era de crise aguda no maior hospital da rede municipal de Fortaleza, o Instituto Dr. José Frota (IJF), no Centro, hoje não tem a mesma intensidade, mas ainda é alarmante e tem gerado impactos para quem é atendido no local. A avaliação é de famílias com pacientes internados e de profissionais da saúde que atuam na unidade.

A situação no maior hospital de traumatologia do Ceará, que é constantemente complicada, foi agravada no fim de 2024, durante a gestão do ex-prefeito José Sarto, como denunciou o Diário do Nordeste, com falta de comida, remédios, insumos, lençóis, inclusive, assim como estrutura precária para pacientes e acompanhantes.

Depois disso, várias medidas foram tomadas, com aporte de recursos estaduais e federais. No entanto, a reportagem recebeu agora novas informações sobre falta de medicação e outros itens.

A direção do IJF nega a falta de remédios e insumos, porém, tanto usuários da unidade quanto profissionais relataram ao Diário do Nordeste, nesta quinta-feira (3), a falta de medicação, como anestésicos opioides (usados para a dor, por exemplo) e antibióticos, além de insumos como materiais para curativos.

Outro ponto, queixam-se os acompanhantes, é o fato de a troca de lençóis não estar regular na unidade, e pacientes chegarem a passar mais de 24 horas com o mesmo material, afetando as condições de higiene.

“(...) Já foi possível reorganizar o fornecimento dos itens que estavam em falta nos estoques do hospital e que, atualmente, não há registro de falta de lençóis, gazes, antibióticos, analgésicos ou mesmo refeições para o devido atendimento aos pacientes. (...) Alguns itens pontuais estão dentro dos prazos administrativos de análise e logística de entrega para os próximos dias”, conforme nota da direção do IJF.

Veja também

Entretanto, um levantamento realizado pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço de Saúde de Fortaleza (Sintsaf) com informações apresentadas por profissionais da área atuantes no Município também aponta falta de diferentes itens, como óleo, álcool 70%, gaze e máscara. Também foi indicada a quantidade insuficiente de toalhas, tanto para paciente quanto para funcionários, e de lençol.

Entre os remédios faltantes, foram citados pelos profissionais de saúde:

  • tramal e pregabalina (analgésicos); 
  • gabapentina (anticonvulsivante); 
  • quetiapina (antipsicótico atípico); 
  • alprazolam comprimido (benzodiazepínico);  
  • fenobarbital comprimido (barbitúricos); 
  • meropenem e vancomicina (antibióticos); 
  • lactulona (tratamento da constipação intestinal), entre outros.

O Diário do Nordeste questionou o IJF por meio da assessoria de imprensa sobre possíveis dificuldades em termos de recursos financeiros ou logísticos para compra de insumos e medicamentos que estejam levando aos problemas relatados à reportagem, além do prazo para regularização dos estoques.

Também foi questionado se os recursos anunciados pelos governos Federal e Estadual para a unidade já estão disponíveis e como está o planejamento para a aplicação desses valores. Também foi perguntado se eles já estão sendo utilizados e, se sim, o que está sendo priorizado pela gestão. Essas indagações não foram respondidas até a publicação desta reportagem.

Em nota, a direção do hospital negou a existência de falta de lençóis, gazes, antibióticos, analgésicos ou de refeições para atendimento aos pacientes e afirma que todos os contratos foram negociados e estão sendo normalizados. “Alguns itens pontuais estão dentro dos prazos administrativos de análise e logística de entrega para os próximos dias”, complementa.

O comunicado também afirma que “situações excepcionais, que refletem o perfil específico de cada paciente, são devidamente acompanhadas pelas equipes multiprofissionais do IJF, que reafirma seu compromisso com a melhoria da qualidade do atendimento à população”.  Leia a nota completa mais abaixo.

Relatos de profissionais e acompanhantes no IJF

Na manhã desta quinta-feira (3), a equipe do Diário do Nordeste esteve no hospital e ouviu acompanhantes de pacientes internados. Uma delas, uma mulher (que preferiu não ser identificada) que está com o filho de 27 anos internado há 35 dias devido a um acidente de moto.

Ela relata que, por conta da ocorrência, o filho precisou amputar a perna direita. Segundo a mulher, o filho fez uma primeira cirurgia para tentar “salvar a perna” assim que deu entrada no hospital há pouco mais de um mês, mas o membro necrosou e foi preciso, dias depois, fazer a retirada completa. Nesse processo, faltou remédio para tentar aliviar a dor, conta.

“De atendimento eu não tenho do que reclamar (no IJF), assim que ele chegou, ele já foi para a cirurgia. Agora, medicação falta muito”, diz. A mulher conta que, após a cirurgia de amputação, não tinha o analgésico necessário e ela precisou comprar. “Mas não pode levar lá pra cima. O paciente tem que ficar com dor”, afirma.

“No caso do meu filho, um médico que conhecemos e trabalha no hospital em outro setor levou remédio e, na condição de médico, disse que ele não podia ficar com dor e conseguimos que ele tomasse. Mas já vi outras pessoas sofrendo”, complementa a mãe.

Além disso, ela diz também que falta lençol para a troca adequada. “Eu tive que trazer de casa, mas, além de não ter, não deixam subir. Passa o dia todo com o lençol sujo.” De acordo com ela, o filho está em uma enfermaria no IJF 1, junto com outros seis pacientes.

Veja também

O motoboy Luís Cláudio Nunes contou ao Diário do Nordeste que a mãe, aposentada de 67 anos, está internada no IJF há 17 dias. A idosa, de acordo com ele, sofreu uma queda e tem um tumor na cabeça. Nos últimos 10 dias, ela precisou de uma medicação para melhorar o aparelho digestivo, mas, embora o médico que a acompanha tenha receitado, logo o acompanhante foi informado de que o hospital não tinha a medicação.

“Ela estava há 10 dias com dificuldades e o médico disse: ‘Precisa tomar o medicamento, mas está em falta’. Deram a receita e a gente comprou aqui fora. Na minha visão, é um medicamento simples, mas não tem no hospital”, afirmou Luís, cuja mãe, de acordo com ele, está internada no prédio do IJF 2.
 
A situação de falta de medicamentos é reiterada pela doméstica Cláudia Lúcia Evangelista, que acompanha o marido, de 63 anos, no hospital. Ele foi diagnosticado com câncer há alguns meses e estava debilitado. Há dois dias, caiu em casa e quebrou o fêmur. 

“Desde o dia que entrou não tinha medicação para tomar. A gente tava até sem dinheiro e eu tive que pedir uma ajuda para comprar. Não tinha profenid (anti-inflamatório), nem tramal (analgésico)”, explica. Ela acrescenta que o marido estava na emergência, depois seguiu para o setor de traumatologia e agora aguarda no corredor da ala cirúrgica, onde, estima ela, estão cerca de 20 pessoas.

Fila de pessoas esperando para entrar no IJF
Legenda: A direção do IJF nega a falta de remédios e insumos, mas usuários da unidade e profissionais relataram à reportagem falta de medicação, como anestésicos opioides e antibióticos, além de insumos como materiais para curativos
Foto: Thiago Gadelha

Os relatos dos acompanhantes foram semelhantes aos depoimentos de profissionais de saúde da unidade ouvidos pelo Diário do Nordeste, também nesta quinta-feira. Uma enfermeira, que não será identificada, reforça que algumas medicações continuam em falta, “incluindo anestésicos opioides”. Além disso, conta: “chegaram alguns materiais de curativos, mas as quantidades não atendem a demanda de todas as unidades”.

Ela também indica que a situação está melhor do que a vivenciada nos últimos meses de 2024, mas aponta que “está longe de ser restabelecida a normalidade”. De acordo com a enfermeira, um dos fatores que comprometem o funcionamento regular do hospital é o fato de não ter material suficiente e a incerteza de quando e se haverá reposição.

Veja também

Um médico que também atua no hospital ressaltou que “a situação não mudou muito do ano passado para cá e, mesmo após a mudança da administração, os insumos ainda faltam bastante, principalmente medicações, como antibióticos”. Questionado se as famílias são orientadas a comprar medicação quando a carência é detectada, ele disse que não. 

Conforme o médico, ao ser constatado que o remédio prescrito não está disponível no hospital, o procedimento regular é “falar sobre as faltas e encaminhar a demanda à ouvidoria (do IJF)”. Questionado se, enquanto isso, o paciente segue sem a medicação, ele disse: “sim, infelizmente”.

Discussões sobre o cenário no IJF

Segundo o Sintsaf, a falta de insumos e medicamentos — entre outros aspectos relacionados ao IJF — será tratada em uma reunião com representantes do hospital na sexta-feira, 11 de abril. O encontro também deve contar com a participação do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos do Município de Fortaleza (Sindifort) e do Sindicato dos Técnicos e Auxiliares em Radiologia do Estado do Ceará (Sintarc).

Esse assunto também será pauta de uma reunião do Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza (CMSF) na próxima terça-feira (8). A titular da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Socorro Martins, e a superintendente do IJF, Riane Azevedo, foram chamadas para participar do debate, segundo representante do órgão consultado pela reportagem.

A fonte afirmou que o Conselho ainda não teve acesso ao plano de ação da Prefeitura para a situação do IJF, que foi posto em sigilo em dezembro do ano passado pela Justiça do Ceará, atendendo a pedido da antiga gestão municipal. A elaboração do documento foi determinada após uma audiência de conciliação realizada entre representantes do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), da Procuradoria Geral do Município e da Prefeitura de Fortaleza em novembro.

Fachada do IJF2
Legenda: O Instituto Doutor José Frota (IJF) 2 foi inaugurado em setembro de 2020
Foto: Thiago Gadelha

‘Crise do lençol’ no IJF e ciência da gestão Sarto sobre o problema

Em novembro de 2024, o Diário do Nordeste publicou matérias com relatos de usuários, sindicatos e profissionais do IJF sobre uma série de problemas na instituição. As principais questões foram falta de estrutura para pacientes, acompanhante e profissionais, atraso salarial e falta medicamentos e insumos médicos.

Diante do cenário, o Ministério Público do Estado ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) e posteriormente abriu uma nova investigação para apurar denúncias de falta de alimentação no Instituto.

Um relatório produzido pelo Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza após visita à unidade apontou, ainda, que a gestão do ex-prefeito José Sarto sabia desde o início de 2024 que o IJF poderia viver uma crise a partir do mês de agosto. O documento também apontou que a unidade estava funcionando com déficit mensal de até R$ 10 milhões.

Essa carência era apontada como o “grande problema de longo prazo” na unidade. A representação da direção do hospital teria alegado, ainda, que SMS negou a possibilidade de aumentar os recursos previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA), norma que dá as diretrizes sobre os principais investimentos a serem feitos no município.

Veja também

Após uma audiência de conciliação realizada para debater a situação, o ex-secretário municipal da saúde, Galeno Taumaturgo, afirmou que a Pasta havia solicitado aporte financeiro ao Ministério da Saúde.

Com a crise, foi feita uma série de anúncios de repasses para a unidade. Em dezembro de 2024, por exemplo, a Câmara Municipal de Fortaleza aprovou o projeto da LOA para 2025, com aumento de R$ 85 milhões no orçamento destinado ao hospital. No mesmo mês, o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), e a senadora Augusta Brito (PT) anunciaram o envio de cerca de R$ 34 milhões em emendas parlamentares para o IJF.

Além disso, no último mês de março, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), informou que o Governo Federal iria “mais do que dobrar” a verba enviada para o funcionamento e a manutenção do IJF. Em entrevista ao Diário do Nordeste, ele informou que o aporte será de R$ 180 milhões “já em abril”.

Veja nota completa da direção do IJF enviada à redação 

A Direção do Instituto Dr. José Frota (IJF) informa que, em apenas três meses de gestão, por meio da articulação da Prefeitura de Fortaleza e dos Governos Estadual e Federal, já foi possível reorganizar o fornecimento dos itens que estavam em falta nos estoques do hospital e que, atualmente, não há registro de falta de lençóis, gazes, antibióticos, analgésicos ou mesmo refeições para o devido atendimento aos pacientes. 

Destacamos ainda que também não há qualquer pendência financeira adquirida pela atual administração. Todos os contratos de aquisição de medicamentos, insumos hospitalares, materiais de limpeza e serviços de alimentação e rouparia foram negociados com os fornecedores e estão sendo normalizados.

Alguns itens pontuais estão dentro dos prazos administrativos de análise e logística de entrega para os próximos dias. Situações excepcionais, que refletem o perfil específico de cada paciente, são devidamente acompanhadas pelas equipes multiprofissionais do IJF, que reafirma seu compromisso com a melhoria da qualidade do atendimento à população.

>> Acesse nosso canal no Whatsapp e fique por dentro das principais notícias.

Newsletter

Escolha suas newsletters favoritas e mantenha-se informado
Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados