7 em cada 10 espécies de peixes do Rio Cocó estão anêmicas, aponta estudo da UFC
Condição foi avaliada por meio de análise de amostras de sangue coletadas dos animais
Mais de 75% das espécies de peixes do Rio Cocó apresentaram anemia de moderada a severa. É o que aponta um estudo recente realizado pelo Laboratório para Avaliação de Contaminantes Orgânicos (LACOr) do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A anemia ocorre quando há uma diminuição nos componentes do sangue essenciais para o transporte de oxigênio, como o hematócrito e a hemoglobina. A condição foi avaliada pelos pesquisadores por meio de análise de amostras de sangue coletadas dos peixes.
Foram analisados 17 peixes de quatro espécies diferentes: Mugil Curema, Centropomus parallelus, Oligoplites saurus e Eugerres brasilianus. Esse último tipo apresentou reduções críticas nos níveis de hematócrito e hemoglobina.
Conforme a pesquisa, a anemia pode ser resultado de fatores como carência nutricional, parasitas e poluição ambiental. Outro estudo realizado pelo Labomar comprovou os elevados níveis de substâncias tóxicas na água e nos sedimentos do rio Cocó.
DADOS DA PESQUISA
Na pesquisa mais recente, foram realizadas análises de 59 poluentes originários de diversas atividades humanas, como Pesticidas Organoclorados (OCPs), Piretroides (PPs) e Triazinas (TPs). Essas substâncias são encontradas em pesticidas, inseticidas e herbicidas, respectivamente. Um total de 48 compostos poluentes foram detectados em peixes, 33 em crustáceos e 43 em moluscos.
Os peixes apresentaram as maiores concentrações, especialmente no fígado e nas brânquias. Uma das hipóteses do estudo é que a presença de contaminantes pode interferir na produção de células vermelhas pelos animais, favorecendo condições anêmicas.
O professor Rivelino Cavalcante, um dos autores do estudo, explica que, devido a dificuldades no tratamento de resíduos sólidos e líquidos, diversas substâncias de medicamentos que podem causar anemia de forma indireta chegam aos rios e acabam influenciando na saúde dos peixes.
“A vida marinha e a saúde do meio ambiente depende muito de uma boa qualidade. No entanto, o Brasil tem muita dificuldade de gerenciar resíduos sólidos e líquidos, então isso acaba indo para o ambiente”, destaca.
Segundo o professor, a pesquisa iniciou no Rio Cocó e está sendo expandida para mais sete estuários do Nordeste. Entre eles estão o do Rio Jaguaribe (CE), o do Delta do Parnaíba (PI) e o do estuário de Recife (PE).
IMPACTOS PARA O MEIO AMBIENTE
A anemia serve como um biomarcador sensível do estresse ambiental, o que pode indicar que poluentes presentes no ecossistema aquático estão afetando a fisiologia dos animais.
Quando o transporte de oxigênio dos peixes fica comprometido, o metabolismo, crescimento e reprodução pode desequilibrar a cadeia alimentar e diminuir a biodiversidade no ecossistema do rio Cocó.
“Se esses peixes continuarem adquirindo a anemia, tem uma diminuição do estoque. Eles podem entrar numa etapa de extinção”, explica Cavalcante.
O professor explica que o principal problema é a dificuldade no gerenciamento de resíduos sólidos e líquidos, o que acaba resultando na contaminação dos ecossistemas aquáticos. “Há décadas se clama por uma gestão de resíduo sólido e líquido. O poder público vem se esforçando, só que a população cresce mais do que os investimentos”, afirma.
Além disso, a pesquisa sugere o monitoramento ambiental mais rigoroso, considerando que a saúde do ecossistema depende de uma boa qualidade, como explica Rivelino.
O QUE DIZ A SEMA
A reportagem procurou a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema), responsável pelo Rio Cocó, para tratar dos resultados da pesquisa e o que tem sido feito pelo Estado para tentar melhorar o cenário. Por meio de nota, a Pasta disse que a responsabilidade com esse cuidado é do poder público e também da população.
"A situação de poluição, não apenas do Cocó, mas de todo e qualquer recurso hídrico, precisa de intervenções não só do Poder Público, mas da participação da população também. Principalmente, no caso do Cocó que corta todo o município de Fortaleza, a quarta maior Capital do País, portanto, mais vulnerável aos poluentes antrópicos", pontuou a nota.
A SEMA relembrou que o Rio está associado uma biodiversidade única, o manguezal, ecossistema litorâneo que ocorre na transição entre a terra firme e o mar, e acrescentou: "Ademais, a poluição de um modo geral, inclusive, está associada a perda da biodiversidade, mortandade e peixes e etc".
Diante disso, continua a nota, a SEMA está atenta às ações de limpeza e de fiscalização para reduzir a presença de poluentes, por meio de um trabalho que exige tempo. "Tem relação direta com o reordenamento da Cidade, com as ligações clandestinas de esgotos na rede pluvial e com educação ambiental. No período de chuvas a concentração de poluentes aumenta, impactando diretamente na biodiversidade".
A Pasta citou que em 2015, quando foi criada, realizou, em parceria com outros órgãos, um trabalho de limpeza e dragagem do Rio Cocó, visando devolver as condições mínimas de navegabilidade, quando foram retiradas toneladas de resíduos do local.
Já em 2022, segundo a nota, a Secretaria das Cidades assinou ordem de serviço para ampliação do sistema de esgotamento sanitário de dez bairros de Fortaleza, com investimento de R$ 255 milhões, para a execução de uma Estação de Tratamento de Esgoto capaz de atender 172.291 pessoas nos seguintes bairros:
- Itaperi
- Serrinha
- Dias Macedo
- Boa Vista
- Passaré
- Parque Dois Irmãos
- Mondubim
- Dendê
- Jardim Cearense
- Maraponga
Com isso, foi possível abranger uma área de aproximadamente 1.670 hectares, contribuindo para elevar o percentual de cobertura de esgoto de Fortaleza em 3,51% - somente à Bacia do Rio Cocó esse incremento representa 12,16%.
Além disso, acrescentou a nota, a equipe responsável pela navegação no Cocó faz limpeza diário do leito do rio e, quando chove, a quantidade de resíduos aumenta.De janeiro a abril de 2025, foram retiradas 4,5 toneladas de resíduos - nessa contagem, não estão inclusos sofás, colchões, móveis em geral e outros utensílios despejados pela população, no leito do Cocó.
De acordo com a SEMA, a equipe da navegação instalou três barreiras de contenção mais resistentes, confeccionadas com cabos de nylon e isopor: uma na Avenida Engenheiro Santana Júnior e duas na Avenida Sebastião de Abreu.
Por fim, a nota diz que, no contexto do Projeto RestauraCocó acontecem ações de educação ambiental com as comunidades do entorno do Parque e, dentre os objetivos, está o combate à poluição.
CAMINHOS DO RIO COCÓ
Um dos rios mais urbanizados da margem equatorial do Brasil, o Cocó nasce na Serra da Aratanha. Em seus 50 km de percurso, passa por Pacatuba, Maracanaú e Fortaleza até desaguar no Oceano Atlântico, nos limites das praias do Caça e Pesca e Sabiaguaba.
Ele faz parte da bacia dos rios do litoral leste cearense, que tem área de aproximadamente 485 km². O mangue do Rio Cocó funciona como berçário de crustáceos, peixes, aves e répteis, além de outras espécies. Por isso, a degradação ameaça a reprodução de diversos animais.