Rios Cocó, Ceará e Jaguaribe têm águas contaminadas por agrotóxicos, mostram estudos da UFC

Em outra pesquisa, a equipe analisou a contaminação de peixes, sururus e caranguejos do Ceará e do Piauí com as substâncias

Escrito por Gabriela Custódio , gabriela.custodio@svm.com.br
Vista do Rio Ceará
Legenda: A pesquisa, que utilizou amostras de água e de sedimentos da região do mangue por onde passa o rio Ceará, apontou a presença de substâncias utilizadas no combate a pragas urbanas
Foto: Kid Júnior

O Rio Ceará está contaminado com agrotóxicos utilizados como inseticidas em residências e no combate à dengue — com o chamado fumacê — na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). No organismo de animais que vivem nos rios Cocó e Jaguaribe também foi encontrada a presença de substâncias tóxicas. As conclusões são de estudos realizados por pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Uma primeira pesquisa utilizou amostras de água e de sedimentos da região do mangue por onde passa o Rio Ceará. A análise apontou a presença de substâncias utilizadas no combate a pragas urbanas que são tóxicas para organismos marinhos e de estuário. Essa realidade pode ser apenas a “ponta do iceberg” pelo alto índice de utilização dessas substâncias no Brasil sem que o destino dos resíduos delas seja devidamente monitorado.

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Conforme explica o doutor Rivelino Cavalcante, professor do Labomar, elas chegam ao ambiente aquático por meio de resíduos sólidos e líquidos. Entre as substâncias encontradas, a cipermetrina estava em maior quantidade. Em seguida, aparecem deltametrina, permetrina e malationa.

O professor menciona que a malationa é utilizada no fumacê — também chamado de nebulização espacial —, uma estratégia emergencial de controle do Aedes aegypti, mosquito que transmite a dengue e outras arboviroses. As demais são comuns em inseticidas de uso doméstico, como em dedetizações.

Esses resultados foram divulgados em um artigo publicado em 2023 na revista científica International Journal of Environmental Analytical Chemistry. Mas esse não é o único estudo dos pesquisadores sobre o tema. Na realidade, esse foi o segundo “passo” de pesquisas sobre agrotóxicos que tiveram início na década de 2000.

AMPLIAÇÃO DOS ESTUDOS

Ao relatar a cronologia das investigações, Rivelino Cavalcante conta que, inicialmente, foi feito um inventário dos agrotóxicos utilizados no Ceará. A segunda etapa foi justamente buscar esses produtos no sedimento e na água de alguns rios do Estado. Em seguida, a equipe analisou a contaminação de organismos de peixes, sururus e caranguejos com as substâncias.

Em trabalhos que foram submetidos a revistas científicas da área ambiental, ainda à espera da conclusão do processo de revisão, os pesquisadores analisaram os animais em dois rios do Ceará — Cocó e Jaguaribe — e no delta do Parnaíba, no Piauí. Nessa etapa, foi considerado um maior número de agrotóxicos, incluindo as triazinas, piretroides e organofosforados, que estão entre os mais utilizados no Brasil e no mundo.

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Segundo informações da Agência UFC, nos animais do rio Jaguaribe e do delta do Parnaíba, foi identificada a presença de agrotóxicos rurais, utilizados para o combate a pragas em plantações. Naqueles provenientes do rio Cocó, por sua vez, foram encontrados tanto agrotóxicos urbanos quanto rurais.

O professor Rivelino Cavalcante afirma que não há estudos que comprovem que as substâncias encontradas pelos pesquisadores sejam deletérias e causem doenças como câncer. Por outro lado, vários estudos apontam a atuação deles no organismo de seres vivos. Eles podem, por exemplo, alterar a reprodução e levar uma espécie inteira à extinção, explica o docente.

Nós não podemos esquecer que esses agrotóxicos são produzidos para exterminar organismos vivos. Eles exterminam atuando no sistema endócrino ou atuando até no sistema nervoso. Para ele causar esse mesmo problema em um organismo maior, só precisa aumentar a dose. Então, se ele estiver em altas concentrações no ambiente, os organismos não-alvo, que não são pragas, vão sofrer essa mesma influência.
Rivelino Cavalcante
Professor do Labomar

O quarto — e próximo — passo da equipe de pesquisadores já está definido. Conforme afirma o professor, será analisada a presença dessas substâncias na bile dos animais para saber se os agrotóxicos estão sendo metabolizados pelo organismo deles.

FALTA DE INFORMAÇÃO E NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

O ponto mais alarmante destacado pelo pesquisador é a ausência de dados sobre o tema, tanto no Brasil quanto no exterior.

Não temos dados em outras regiões do Brasil. Nós não temos dados, por exemplo, de monitoramento. Então, não sabemos. De repente, nós podemos ter regiões em que os níveis estão piores ainda. Nós nunca fizemos esse estudo em áreas de intenso uso de agrotóxico, por exemplo, em áreas agrícolas. E é tão interessante que até em termos internacionais, você não encontra dados a respeito disso.
Rivelino Cavalcante
Professor do Labomar

Nesse contexto de falta de informações sobre o impacto dos agrotóxicos em rios e nos organismos que vivem neles, uma publicação da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) divulgada em julho de 2023 aponta o Brasil como o país que mais utilizou agrotóxicos na agricultura em todo o mundo em 2021.

Naquele ano, foram aplicadas 719,5 mil toneladas de pesticidas no País. Foi quase 60% a mais que os Estados Unidos, que ocupam a segunda colocação, e 154% a mais do que a Indonésia, que está em terceiro lugar.

No cenário apresentado pela FAO, o professor defende que deveria ser feita a avaliação do destino para onde os resíduos dessas substâncias estão indo. “Ele está se degradando ou ele está chegando no ambiente? Os organismos estão absorvendo ele? Essas seriam as perguntas que nós teríamos que responder, já que nós somos o maior usuário de agrotóxico do mundo”, afirma.

Ele ainda aponta como medida de política pública a necessidade de melhorar a gestão de resíduos sólidos e líquidos, em paralelo a esse monitoramento.

POR ONDE PASSAM OS RIOS

Maior rio do Ceará, o Rio Jaguaribe nasce no morro da Lagoa Seca, nos limites entre os municípios de Tauá, Pedra Branca e Independência. Com cerca de 633 km de extensão, ele desagua na divisa dos municípios de Aracati e Fortim. 

Já o Rio Cocó nasce na Serra da Aratanha. Em seus 50 km de percurso, passa por Pacatuba, Maracanaú e Fortaleza até desaguar no Oceano Atlântico, nos limites das praias do Caça e Pesca e Sabiaguaba. Ele faz parte da bacia dos rios do litoral leste cearense, que tem área de aproximadamente 485 km².

O Rio Ceará, por sua vez, tem 60 km de extensão. Ele nasce na Serra de Maranguape e tem sua foz na Barra do Ceará, na Capital. Nesse local, onde ocorre o encontro do rio com o mar, foi estabelecida a Área de Proteção Ambiental (APA) do Estuário do Rio Ceará, que tem uma área de 27,4 km² e está localizada na divisa dos municípios de Fortaleza e Caucaia.

O Diário do Nordeste entrou em contato com a Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace) para questionar se a Pasta está ciente da questão levantada pelos estudos da UFC, se há alguma atividade para medir esse tipo de contaminação e se existem planos para tentar resolver esse problema. Contudo, não houve resposta até o fechamento desta matéria.

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