Em um passado não muito distante, escrevi sobre a importância da realização de pesquisas censitárias e sobre o quanto a atualização das informações geradas pelo IBGE é de interesse público. Naquela ocasião, a defesa dessa tão prestigiosa instituição de Estado se fazia pertinente frente aos cortes de recursos públicos que inviabilizaram a pesquisa nacional em 2021. Apesar das dificuldades enfrentadas, o censo foi realizado, e não é de se estranhar que, a cada nova fase de divulgação dos dados, desperte curiosidade devido às características demográficas e territoriais que nos revela.
Dada a relevância dessas informações, este Diário cumpre seu papel ao produzir pautas relacionadas às divulgações censitárias. Nesse sentido, a matéria intitulada "Fortaleza tem 4 bairros que sozinhos têm mais moradores do que 10 cidades do Ceará juntas" impressiona o leitor ao evidenciar a desproporção demográfica entre a capital e as dezenas de pequenas cidades inscritas no território cearense.
Em outra escala, a análise do quantitativo populacional por bairro revela diferentes facetas da urbanização e da formação do espaço urbano de Fortaleza. Por exemplo, os moradores dos 10 bairros mais populosos da cidade somam aproximadamente 556 mil habitantes, número superior à população conjunta de Juazeiro do Norte (237 mil) e Sobral (203 mil). Essa dezena de bairros possui em comum sua condição periférica, estando localizados em áreas reconhecidamente populares, como Jangurussu, Barra do Ceará, Granja Lisboa, Mondubim, Passaré, Prefeito José Walter, Vila Velha, Vicente Pinzón, Siqueira e Messejana.
Entre os 20 bairros mais populosos, apenas dois são habitados predominantemente por segmentos de média e alta renda: Aldeota e Meireles. Excluindo esses dois, os 18 bairros restantes concentram cerca de 777 mil moradores, o equivalente a aproximadamente 32% da população total de Fortaleza. Complementam a lista bairros como Pici, Planalto Ayrton Senna, Canindezinho, Granja Portugal, Bom Sucesso e Genibaú.
Além das curiosidades quantitativas, os dados confirmam algo que venho enfatizando em diversas ocasiões: o descasamento entre os bairros mais carentes, a localização das melhores condições de infraestrutura urbana e a presença do Estado. Por essa razão, os bairros mais populosos e frequentemente superdensos reúnem, em seu perímetro, comunidades e favelas, apresentando baixos índices de desenvolvimento humano e estando, muitas vezes, subordinados aos desmandos de grupos criminosos.
As pesquisas censitárias, alinhadas a diversos estudos, permitem identificar as áreas prioritárias para políticas públicas. Basta circular pela cidade para constatar que a concentração demográfica de trabalhadores reflete as condições mínimas de sobrevivência e as dificuldades de acesso ao solo urbano. Nesse contexto, trata-se de bairros historicamente marcados pelas desigualdades e cujas condições urbanas estão muito aquém do estabelecido pelos direitos garantidos em lei.
Se a fragmentação da cidade é tão evidente, por que o orçamento municipal insiste em ignorar essa realidade? A resposta não é simples. Certamente, desprezar as demandas sociais latentes desses bairros é um erro político. O quadro de insatisfação é crescente. Para comprovar, basta comparar a geografia da distribuição de votos da última eleição com a listagem dos bairros mencionados neste texto.
Em janeiro de 2025, uma nova gestão assumirá o comando de Fortaleza. Quem alcançar o poder jamais poderá alegar que os problemas persistem por ausência de informações. O Censo e as universidades estão aí para provar o contrário. Para o futuro, as políticas públicas já têm apontado os bairros prioritários. Se eu fosse prefeito, começaria todos os meus projetos por essa lista e, a partir daí, construiria o caminho para uma cidade mais justa e equilibrada.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.
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