O que minha cidade está disposta a fazer por outra mobilidade urbana?

Ao conhecermos outras cidades, no Brasil ou fora dele, geralmente comparamos tudo o que vivenciamos à nossa cidade natal

Legenda: Quando constatamos algo a funcionar bem em relação à Fortaleza, logo pensamos o quanto precisamos avançar naquilo que uma cidade tem de bom a oferecer
Foto: Fabiane de Paula

Ao conhecermos outras cidades, no Brasil ou fora dele, geralmente comparamos tudo o que vivenciamos à nossa cidade natal. Quando constatamos algo a funcionar bem em relação à Fortaleza, logo pensamos o quanto precisamos avançar naquilo que uma cidade tem de bom a oferecer aos seus habitantes e aos seus visitantes. Por outro lado, é prudente não criar visões ingênuas, construindo o estereótipo da “cidade perfeita”, afinal todas as urbes tem seus problemas e desafios a superar.

Se fossemos listar as prioridades, muito provavelmente indicaremos a limpeza pública, a segurança urbana, a conservação do patrimônio arquitetônico e a mobilidade via transporte público. Neste texto, ouso escolher a última das dimensões para descrever experiências, observar conflitos e, mais ainda, observar a decisão coletiva de uma sociedade.

Recentemente visitei a cidade francesa de Montpellier, situada na região da Occitanie, próxima ao Mediterrâneo, com população “metropolitana” de 507 mil habitantes. Em relação aos meios de transporte público, a aglomeração urbana não dispõe de metrô, mas de um sistema de ônibus integrado às linhas de trem elétrico, principalmente. Lógico que a cidade conta com ciclovias e ciclofaixas, além dos carros contratados por aplicativos e os veículos automotores particulares.

Legenda: As interdições para estacionamento estão por todos os lados, e mais rigorosas ainda, na zona central, com muitas ruas parcial ou totalmente destinadas aos pedestres
Foto: Alexandre Queiroz Pereira

Das vivências que captei, aparentemente, todos os principais espaços da dinâmica urbana e cotidiana da cidade – hospitais, universidades, estações de trem, centros comerciais, zonas residenciais - estão acessíveis via transporte coletivo. Nos bondes elétricos (tramway) ou nos ônibus, o acesso era facilitado, pois as estruturas das paradas e dos veículos permitem embarque e desembarque rápido – sem degraus - , inclusive para pessoas com necessidades especiais como usuários de cadeiras de rodas.

Ao reservar parte das ruas aos trilhos do bonde, às faixas exclusivas para ônibus ou às ciclovias, a sociedade e o governo daquela cidade fazem clara opção pelo transporte público, tornando o uso do automóvel particular menos racional. Isso fica claro quando se constata que não há lugar para estacionar, dificilmente encontrados, por sinal.

O pagamento do estacionamento é condição obrigatória, não sendo nada barato. Na verdade, as interdições para estacionamento estão por todos os lados, e mais rigorosas ainda, na zona central, com muitas ruas parcial ou totalmente destinadas aos pedestres.

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Verifiquei realmente que os automóveis não eram prioridade quando, caminhando pelas ruas próximas à estação de trem, vi, lado a lado, duas vias, uma destinada para os carros e uma segunda, para as bicicletas. Adivinhem qual era a mais larga? Ganhou um vale-transporte quem disse a ciclovia.

Pois é, meus amigos e amigas. Dito tudo isso, voltamos a nossa Fortaleza. E aqui, não vou escrever sobre a administração pública, por mais que admita sua responsabilidade. Gostaria de problematizar a mentalidade de cidade que construímos: estaríamos dispostos a colocar o automóvel em segundo ou terceiro plano? Como reagiríamos se parte das avenidas fossem destinadas aos bondes elétricos e não a carros?

O que pensamos sobre o alargamento das ciclofaixas em detrimento dos espaços dos carros?  

Legenda: A impopularidade das medidas contra o uso do automóvel nas cidades tem direta relação com a ausência de proposições mais democráticas de mobilidade urbana
Foto: Thiago Gadelha

Ao tomarmos a reação social à redução da velocidade máxima das avenidas para 50 km/h e a ampliação do espaço destinado aos pedestres nas esquinas, concluiremos que a cultura individualista corporificada no automóvel nos impede de acelerar (desculpem-me pelo trocadilho) o processo de implementação de mudanças rumo ao aumento da qualidade de vida em Fortaleza.

Ademais, a impopularidade das medidas contra o uso do automóvel nas cidades tem direta relação com a ausência de proposições mais democráticas de mobilidade urbana. Em complementação, as classes sociais de maior renda e o mercado imobiliário valorizam menos a localização de imóveis em relação ao transporte público do que a quantidade de vagas nos estacionamentos destinada a cada imóvel à venda. Assim, perpetua-se o automóvel como protagonista da mobilidade. 

Em resumo, para uma cidade melhor se faz urgente mudança cultural rumo à coletivização dos serviços. Mudar a mentalidade média do cidadão de Fortaleza é objetivo desafiador. Por sua vez, a situação atual exibe a distância entre ver o que é bom “lá de fora” e estar disposto a se desfazer de aparentes “comodidades” em função de um bem-estar urbano generalizado em sua própria cidade. 

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