Longa espera por consultas e falta de médicos lideram queixas sobre rede municipal de Fortaleza, diz pesquisa

Ao todo, 68% dos usuários se disseram “muito insatisfeitos” ou “insatisfeitos”

Escrito por Redação , ceara@svm.com.br
Porta de hospital entreaberta mostra paciente em corredor
Legenda: Pesquisa avaliou percepção dos usuários sobre hospitais, postos de saúde e outros serviços de Fortaleza; na imagem, paciente em corredor do IJF
Foto: Fabiane de Paula

Sete a cada dez fortalezenses estão insatisfeitos com serviços-chave da rede de saúde municipal: a disponibilidade de médicos e o tempo de espera para realização de consultas e exames. O dado é da I Pesquisa de Qualidade dos Serviços Públicos nas Capitais Brasileiras, realizada pela Agenda Pública em parceria com o Instituto de Pesquisa IDEIA.

O estudo ouviu 3 mil pessoas nas dez maiores capitais do País sobre percepções e opiniões quanto aos serviços públicos municipais – incluindo de saúde – que elas utilizaram nos 12 meses anteriores ao questionário, feito online em 2023.

Entre as dez, Fortaleza teve o maior nível de insatisfação quanto ao acesso a médicos: 68% dos usuários se disseram “muito insatisfeitos” ou “insatisfeitos” sobre o tópico. Além disso, a capital cearense amarga o 2º maior nível de insatisfação em relação ao tempo de espera para exames.

76%
dos usuários da rede municipal de saúde declararam estar insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o tempo que precisam aguardar para fazer exames.

Ainda de acordo com a pesquisa, Fortaleza também apresenta “altos níveis de insatisfação” quando ao tempo de espera por consultas (73% de insatisfeitos), qualidade da infraestrutura das unidades de saúde (59%), quantidade de hospitais na cidade (58%) e disponibilidade de medicamentos (55%).

O aposentado Ari Joca, 68, poderia estar incluso neste último quesito. Cardiopata e diabético, ele depende do posto de saúde para reabastecer o estoque de lancetas – dispositivo para coletar amostra de sangue e medir os níveis de glicose –, mas não tem conseguido.

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“Tenho que fazer o teste três vezes ao dia, porque a glicemia descompensa. Mas há três meses não tem. De vez em quando falta mesmo. Dessa vez, dizem que é na rede municipal toda. Moro a 100 metros do posto, todo dia eu vou lá e a notícia é a mesma”, relata.

Outra aposentada, que preferiu não ser identificada, conta que precisou esperar 4 meses por uma consulta especializada no posto de saúde do bairro onde mora. “A gente já se programa pra isso, já é normal. Tem algumas que a gente consegue até rápido, mas outras precisa esperar muito mesmo”, diz.

Os maiores níveis de satisfação dos moradores de Fortaleza são em relação à higiene das unidades de saúde e ambientes hospitalares (20,3% disseram estar “satisfeitos” ou “muito satisfeitos”), e desempenho de médicos, enfermeiros ou outros profissionais de saúde (18,3% afirmaram satisfação).

O que diz a Prefeitura de Fortaleza

O Diário do Nordeste questionou a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) sobre os pontos abordados na pesquisa. Em nota, a Pasta reforçou “o compromisso com a ampliação e qualificação do acesso à saúde para a população”.

A SMS informou que, para ampliar o acesso, “18 novos postos foram construídos, passando de 116 para 134 unidades, o que contribui diretamente para a descentralização e melhoria dos atendimentos”. “A atenção primária também foi ampliada com as 6 carretas móveis, que operam prestando todos os serviços dos postos”, acrescenta.

Posto de saúde móvel de Fortaleza
Legenda: Postos de saúde itinerantes têm consultórios para atendimento médico e de enfermagem
Foto: Divulgação/Prefeitura de Fortaleza

A secretaria destaca que além da construção de unidades, “investe na requalificação”. “Quatro postos (Luciano Torres de Melo, Pio XII, Pedro Celestino e Fausto Freire) tiveram suas estruturas antigas demolidas e foram reconstruídos. O posto do Floresta segue em obras e será o quinto concluído, com previsão para abril de 2025”, diz a nota.

Os investimentos na infraestrutura, segundo a Pasta municipal, “ultrapassam o montante de R$ 130 milhões, incluindo também as reformas das unidades atuais, para proporcionar mais qualidade nos serviços e melhores condições de trabalho aos profissionais”.

Quanto a melhorias na velocidade de acesso aos serviços, a SMS frisa a implementação da telemedicina, “que permite a realização de consultas e acompanhamento médico à distância, facilitando o acesso da população a especialistas e reduzindo o tempo de espera”. 

“Há ainda o Opinião do Especialista, sistema que permite a troca de informações entre o médico do posto de saúde e um médico especialista, reduzindo filas para consultas com especialistas”, adiciona a gestão.

Em relação à quantidade de hospitais, a SMS afirma que “Fortaleza é referência entre as capitais do Nordeste, com maior número de hospitais municipais, contando com 10 equipamentos”. “Na atual gestão, Gonzaguinha do José Walter, Frotinha de Messejana e Gonzaguinha de Messejana passaram por melhorias”, cita a Pasta.

Sobre a falta de acesso a medicamentos, a secretaria pontua que, “com transparência e eficiência, a atual gestão implantou a funcionalidade Estoque de Medicamento no aplicativo Mais Saúde Fortaleza”, por meio da qual “a população pode verificar a lista completa de medicamentos disponíveis, os locais de retirada e a quantidade em estoque”. 

“Atualmente, Fortaleza oferece um elenco de 137 medicamentos. Desde 2020, mais de 2 bilhões de unidades de medicamentos foram distribuídas”, informa a nota. “A gestão também implementou os Tuk-Tuks dos Remédios, com 21 veículos, garantindo que pessoas acima de 80, integrantes do Programa Melhor em Casa ou com lesão medular recebam medicamentos em casa. Além disso, a cidade conta com 25 Farmácias Polo. Até o final do ano, serão 26”, concluiu a SMS.

‘Subfinanciamento é crônico’

Ainda segundo a pesquisa da Agenda Pública, apesar dos índices negativos sobre satisfação da população com os serviços, Fortaleza incrementou em R$194,44 o gasto per capita em saúde, subindo de R$ 964,36 em 2020 para R$1.158,80 em 2023.

A capital cearense também demonstrou “um aumento expressivo na cobertura da Atenção Básica”, que ampliou a abrangência de 58,19% da população em janeiro de 2021 para 93,81% em setembro de 2023, conforme o levantamento, feito por meio de bases de dados oficiais.

30%
foi a queda nos registros de mortes evitáveis de fortalezenses de 5 a 74 anos, de acordo com o estudo. O número caiu de 12.796 em 2021 para 8.985 em 2023.

Para o médico sanitarista Álvaro Madeira Neto, gestor em saúde, o “subfinanciamento crônico” da saúde pública é um dos fatores-chave para problemas como falta de médicos e longo tempo de espera para acesso a serviços.

“Isso afeta diretamente a possibilidade de ampliação da rede. Há uma sobrecarga muito importante. Temos uma concentração de usuários no sistema público nos grandes centros, sobretudo em Fortaleza, e isso supera a capacidade instalada e gera uma demanda além do que se tem como processar”, avalia.

Pacientes de máscara esperando sentados em posto de saúde de Fortaleza
Legenda: Postos de saúde são uma das principais portas de entrada de pacientes ao Sistema Único de Saúde (SUS)
Foto: Fabiane de Paula

O médico destaca, ainda, que a falta de investimentos compatíveis com a demanda e de valorização dos trabalhadores da saúde afeta a fixação deles na rede municipal. “Muitas vezes, pelo vínculo não ser pleno, via concurso público, há uma dificuldade maior em se fixar o médico e os profissionais que contribuam efetivamente para a melhoria da saúde da cidade”, observa.

Reflexos como demora no acesso a consultas especializadas, exemplifica Álvaro, enfraquecem uma função primordial da Atenção Primária em Saúde (APS), de competência municipal: a prevenção e a promoção de bem-estar.

“A APS é a porta de entrada para o SUS e tem como objetivo resolver a maior parte das demandas da saúde da população. Quando temos atrasos, isso afeta diretamente no cuidado preventivo, gerando diagnósticos tardios, perda de eficiência nos programas de rastreamento e descontrole de fatores de risco”, pondera. 

Por isso, o médico sanitarista aponta que “é importante que os gestores em saúde tenham a saúde preventiva muito internalizada em suas condutas”.

“Investir na saúde pública vai além da construção de estruturas, é basicamente construir dignidade. Então, cada recurso para consulta, exame e tratamento é um investimento direto em vida”, finaliza.

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