Etarismo: qual o limite do que pode uma vida?
O preconceito relacionado à idade pode envolver homens e mulheres, pessoas jovens e idosas, mas tende a ser mais cruel com as mulheres e os mais velhos

O preconceito geralmente envolve uma leitura simplista e superficial da realidade, oferecendo frases e compreensões repassadas e assimiladas sem criticidade e muitas vezes sem confrontação com a realidade, criando generalizações e inferências sobre pessoas, baseadas em aspectos parciais e carregados de conotação moral e deturpações sobre o valor de alguém, fundados em ideias que abarcam desqualificações e legitimam inferioridades, violências e opressões. Tais ideias engendram afetos que provocam humilhações, vergonhas e imenso sofrimento naqueles que passam a ser referenciados pelo discurso do preconceito e do ódio, porque tais ideias mobilizam também afetos, atitudes e sentimentos.
Ao colocar o outro humano em um lugar que o torna menos humano por algum atributo, marcador biológico ou social, constroem-se discursos e práticas que irão compor a subjetividade e as relações. O preconceito pode abarcar a cor de pele, a sexualidade, a religião, o lugar econômico, social e cultural, características físicas, construindo padrões existenciais que normalizam e idealizam em mérito e valor geralmente um grupo que se encontra em condições de poder sobre os demais.
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O etarismo é um preconceito relacionado à idade. Pode envolver homens e mulheres, pessoas jovens e idosas, mas tende a ser mais cruel com as mulheres e os mais velhos. Em relação aos jovens, acontece a exclusão no acesso ao mercado de trabalho, dúvidas sobre a capacidade de assumir responsabilidades e cerceamento e limitações de oportunidades.
Apesar de afetar tanto os que são muito jovens quanto os muito velhos, o impacto sobre os idosos é maior.
Os discursos propagados pela mídia, as falas e os dispositivos sociais que disseminam aquilo que se apresenta como o que deve ser vivido e qual o lugar, espaços e experiências que cabem a um idoso criam espaços de inclusão que podem impedir a vivência dos ciclos e processos de desenvolvimento de forma prazerosa.
O silêncio sobre a sexualidade, sobre os desejos, as potências, o incentivo à raiva, à violência, as piadas, a falta de acessibilidade, a desvalorização, o isolamento familiar e a exclusão dos espaços coletivos e de trabalho são algumas das expressões do etarismo.
Qual o tempo para um corpo amar, aprender, se sentir bonito, ser desejado, trabalhar, ensinar, viver? Os discursos que incluem ou excluem corpos pela questão etária residem em pressupostos ideológicos, econômicos, políticos, sócio-históricos e culturais.
Muitos idosos e mulheres experimentam situações de desrespeito, violência física, patrimonial, simbólica por conta da idade. Pressões estéticas e apelos a um ideal de corpo e beleza que trata da passagem do tempo pejorativamente, desconfiando do valor das experiências e sabedorias acumuladas. Rejeições, negligências, perda de emprego, dificuldade no mercado de trabalho, substituições afetivas como se as pessoas fossem objetos descartáveis, sempre em busca do último modelo e do mais novo, limitações impostas ao viver, amar e sonhar, em função apenas da referência etária, reduzem o olhar integral sobre uma pessoa.
Os impactos emocionais são inúmeros: depressão, transtorno de ansiedade, solidão, uso abusivo de álcool e/ou substâncias, adoecimento físicos, insônia e dúvida sobre a capacidade de se sentir pertencente, amado e com gosto por viver.
Quais os limites colocados sobre os corpos, sobre as mulheres, sobre os idosos? Por que não é possível manter o acesso aos amigos, às festas, à diversão? Por que não é possível ter beleza em diversas possibilidades de corpos? Qual a dificuldade em lidar com a passagem do tempo, com as marcas da história e vê-las em júbilo e conquista pelo vivido?
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O que me assusta e me incomoda na passagem do tempo? A quem me submeto em nome de uma ideia sobre o que não posso ter, ser ou fazer, baseado em uma realidade que não é a do meu corpo nem de minha alma, que pulsa, sente, pensa e deseja realizar inúmeras coisas? Quem define os limites? Por que não seria mais possível sonhar e correr riscos? O que é mesmo o ridículo, quem o define, que monstros se alimentam dessa censura? O que você sente sobre a sua própria idade?
Quando aceitamos sem questionamentos uma imposição e uma leitura sobre o outro e sobre nós, baseada apenas em aspectos externos ou ideias disseminadas sem avaliação crítica, ficamos reféns a padrões que não conhecem nem respeitam a nossa história, e assim, abrimos mão de desfrutar absurdamente da vida, encolhidos dentro do que poderíamos ter sido e não fomos e daquilo que ainda podemos ser e viver até quando a alma pulsar.
*Esse texto representa, exclusivamente, a opinião da autora.