‘Você tem mais de 50, mas tá ótima’: o preconceito etário e pressão estética disfarçada de elogio
Apesar de muitas mulheres terem uma boa relação com o envelhecimento, há uma pressão da sociedade para que a aparência se mantenha sempre jovem
“A gente sabe que não parece, mas nossa Veveta completa 50 anos”. A frase dita pelo locutor no show especial de aniversário da cantora Ivete Sangalo parece inofensiva, mas carrega consigo um forte simbolismo: o preconceito com a idade, também conhecido como etarismo ou idadismo.
No final de maio, a rainha do axé completou 50 anos e comemorou a nova idade com a folia e a energia de sempre em um show transmitido na TV Globo. Em entrevista ao G1, Ivete disse que esse é o momento mais legal da vida dela. “Eu me sinto em paz, bem, realizada, e com fogo para realizar mais coisas”.
Naquela mesma semana, um vídeo da atriz Andréa Beltrão viralizou nas redes sociais em que ela questionava que, depois de uma certa idade, os elogios vêm acompanhados de uma oposição.
“Você tem 58 anos? Mas você tá ótima. O que esse mas quer dizer? Que porque eu tenho 58 anos eu deveria estar péssima? Elogio com 'mas' não é elogio. Eu tenho 58 anos e me sinto maravilhosa, sem nenhum 'mas' ”, disse.
Então, se a percepção de Ivete e Andréa é essa, por que acreditamos que aparentar estar envelhecendo, especialmente para as mulheres, é algo ruim?
A psicóloga e professora da Universidade de Fortaleza, Luana Souza, explica que existe um estereótipo de que os idosos são frágeis, feios, incompetentes e que precisam de ajuda para desempenhar tarefas cotidianas, o que provoca a formação de uma visão negativa do processo de envelhecimento.
"Essa visão negativa dos idosos e do envelhecimento é extremamente sutil e naturalizada pela sociedade, a tal ponto que dizer que alguém está ficando velho é geralmente motivo de piada ou xingamento”, pontua.
Fonte da juventude
De acordo com a psicóloga, um dos motivos que explica essa visão negativa da velhice é o medo da morte, já que “envelhecer é necessariamente se aproximar da morte, que já é em si considerada socialmente um tabu. Não nos preparamos para morrer e não gostamos de falar no assunto”.
"Desde a antiguidade percebem-se tentativas de retardar ou combater o envelhecimento. As histórias lendárias sobre o elixir da vida ou elixir da juventude eterna são outro exemplo disso. Há histórias dos deuses que retratam também a tentativa de uma busca pela eterna juventude”, diz.
Luana acrescenta ainda que outro motivo é por vivermos em uma sociedade capitalista que enalte traços característicos da juventude, reforçando relações de poder. Conforme a professora também, as expectativas para homens e mulheres são muito diferentes.
“Do homem, a sociedade espera competência, força e virilidade. Geralmente, é com o passar da idade que os homens vão acumulando melhores recursos financeiros, então os mais velhos se tornam até mais atrativos. Por outro lado, a sociedade espera que a mulher seja bela, frágil, sensível e submissa. As mulheres tendem a viver em uma eterna busca pela beleza”.
Assim, é comum que esse processo afete a autoestima e na autoavaliação das mulheres. “O etarismo é reconhecido como um evento estressor que produz impactos negativos na saúde mental das mulheres. Esses impactos negativos podem ser expressos por meio de episódios de estresse, ansiedade e depressão. Há também uma diminuição da qualidade da saúde e do bem-estar".
O peso de manter-se jovem
A relação com a idade mudou para a psicóloga Gislene Macêdo, de 52 anos, quando ela resolveu assumir os fios grisalhos ainda aos 46. Para ela, a melhor fase da vida iniciou depois dos 50, quando “novas possibilidades se descortinaram”.
“Quando eu estava na casa dos 40, eu estava muito mais desorganizada interna e fisicamente do que estou agora. Me sinto com uma vitalidade muito grande, expandindo meus conhecimentos, mergulhando no autoconhecimento, eu me considero hoje a minha melhor amiga, só consigo ver pontos positivos”, declara.
Além dos fios brancos, Gislene diz não sentir a necessidade de recorrer a procedimentos estéticos para mudar o corpo pois, de acordo com ela, o processo de envelhecimento é encarado como algo natural do ser humano.
“Aceitar o fato de que eu tenho essa idade, essa estrutura, esse corpo, me deixam mais tranquila e mais calma pra ser quem sou. O cabelo vai ficar completamente branco, a pele vai mudar, mas essa é a beleza das coisas, não precisa ser atestado de que você está fora da vida social”.
Mesmo confortável no corpo que habita, Gislene conta que as situações preconceituosas acontecem com certa frequência.
“Já pensaram que eu era irmã da minha mãe que tem 78 anos num salão de beleza e me oferecem a fila preferencial em bancos, por exemplo. As pessoas assumem que cabelo branco é sinônimo de velhice”, detalha.
O que canta uma mulher de 60?
Foi só depois dos 50 anos que a artista Adna Oliveira pôde dar vazão à veia artística por meio da música. Hoje, aos 65, ela realiza a pesquisa em um projeto chamado ‘Mulher de 60’, no Porto Iracema das Artes, em que a cantora debruça seu trabalho em canções que abordam questões raciais e de gênero, por exemplo, abraçando o direito de cantar sem rótulos.
Criada pela mãe, uma mulher preta que não se colocava nos padrões de feminilidade, a artista aprendeu tardiamente sobre as questões de gênero. O reconhecimento do ser mulher para Adna veio somente com a maturidade.
“Minha mãe foi uma mulher muito guerreira e, pra encarar essa vida que foi tão bruta com ela, ela se tornou essa pessoa também, foi uma mulher feminista sem nem conhecer esse termo, mas tinha muitos comportamentos machistas sem a menor ideia, por isso, fui criada nessa coisa muito bruta”, conta.
“Eu não tive tempo de me olhar no espelho pra me achar bonita. Depois dos 50 que eu fui fazer um ensaio fotográfico e fui maquiada, eu comecei a me ver completamente diferente, a questão da idade ela veio também como mais uma luta. Eu não nego a minha idade e ela não me limita”.
Porém, Adna diz sentir o peso do etarismo que existe sobre as mulheres. “Com esse elogio que não é elogio, começo a despertar para algo que não consigo driblar, existe uma cobrança, mas vou aliviando com a arte”.
Plenitude com a maturidade
Ao contrário do que pensava aos 20 anos, a empresária Dane Holanda diz que a maturidade trouxe plenitude à vida dela e, hoje, aos 51, afirma estar super bem consigo mesma. “Quando era mais nova, eu imaginava que, quem tinha 50 anos, estava 'caindo aos pedaços', mas cada virada de década foi maravilhosa”.
Influenciada pela mãe desde cedo, Dane conta que a prática de atividade física sempre foi um hábito que hoje ainda mantém. Além disso, os procedimentos estéticos, o uso de cosméticos e produtos de cuidados pessoais são itens que fazem parte de sua rotina.
“Considero meu corpo um templo, um presente que Deus me deu. Quando acordo, faço uma ioga facial e na cama pra acordar meu corpo. Amo passar meus cremes conversando com minha pele, vou ali já inspirando coisas boas, trabalhando minha autoestima. Isso faz eu me sentir bem”.
A empresária, contudo, acrescenta não sentir necessidade de estar sempre arrumada para se sentir bem e diz que é “muito de amar o que tenho no momento. Gosto mais de mim hoje do que há 30 anos, cuidando da minha pele, do meu corpo, me apropriando das tecnologias que vão surgindo”. A verdade é que, para Dane, não há cobranças ou pressão.
“Não dou a menor abertura pra coisas do tipo: tem 50 anos e não pode usar minissaia, não pode sair com amigas, não pode isso. Isso não cabe no meu repertório, me sinto zero cobrada porque não abro essa porta, me sinto super jovem, me sinto super bem, faço tudo o que gostaria de fazer com equilíbrio”, conclui.