A arte do bem-viver: aprendizados com os povos indígenas para todos os anos

Escrito por
Alessandra Silva Xavier ceara@svm.com.br
Legenda: Os Yanomami possuem um profundo respeito pela terra, fonte de vida e cuidado
Foto: Reprodução/Alan Azevedo/ISA

 Os povos indígenas sul-americanos, dentre eles os Guaranis, Yanomami, Mundukuru e Povos Andinos, baseiam sua filosofia de vida em um profundo equilíbrio entre homem e natureza. Tal concepção, chamada de "A arte do bem viver" valoriza não apenas um bem-estar individual, mas coletivo.

A concepção de comunidade dos povos indígenas envolve um bem-estar consigo e com os outros, uso do trabalho para a coletividade - o que faz um contraponto entre a sabedoria ancestral e os projetos neoliberais-, reciprocidade, amizade, respeito pela natureza, valorização da história e da memória, onde existe um entrelaçamento indissociável entre o bem-estar individual e enquanto coletividade, o que ultrapassa projetos individualistas e de privilégios que excluem e discriminam.

Os Yanomami possuem um profundo respeito pela terra, fonte de vida e cuidado, o que caminha na contramão da exploração da natureza para especulação, exploração mineral, uso de pesticidas, monoculturas que empobrecem o solo; e alimenta um olhar atento a tudo que nos cerca, respeitando ritmos e ciclos. Nessa perspectiva, o bem-estar não se resume à acumulação material, desafia o consumo, a competição e a acumulação e nem combina com projetos de colonização, escravagista e de desapropriação identitária e cultural, ocasionadas pela alienação e aceleração que distorcem o tempo da posse da história e da memória. 

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Sabedorias ancestrais são muitas vezes desqualificadas devido aos processos intrusivos de colonização. O termo Ubuntu que significa "Eu sou porque você é, você é porque eu sou, você e eu somos” considera outras propostas de relação com a comunidade, que enfatizam a importância dos laços, dos vínculos do desenvolver o respeito, a solidariedade, a conexão com o transcendente, com a natureza.  Valorizar que o bem-viver envolve o usufruto coletivo da dignidade, sem exploração de uns sobre os outros, valorização da arte e da criação, atenção aos cuidados de cada um e de todos com todos é prática secular dos povos originários. 

Os povos  indígenas sul-americanos, em sua cosmovisão, segundo o Museu Chileno de Arte Pré-colombiana, assim como os povos Aimarás, chamam, Sumak Kawsay (bem-viver) em quíchua, língua Ameríndia que existia antes dos Incas e passou a ser utilizada por eles: "Sem conhecimento ou sabedoria não há vida (tucu yachay); todos vêm da mãe terra (pacha mama); a vida é plena (hambi kawsay),a vida é coletiva (sumak kamaña); todos temos ideais ou sonhos (hatun muskuy)".

Culturas milenares defendem sabedoria para preservar a vida, entendem que o tempo da vida não é o da negação e exploração da vida, que produz adoecimento consequência da exploração do corpo e da exaustão que aliena e desapropria do que faz sentido e segrega dos direitos.

Segundo Paulo Suess e Alberto Acosta pesquisadores, da cultura indígena do Bem-Viver e a narrativa do documentário Bem-Viver: Um novo caminho, a devastação das florestas e a perda do sentido na vida estão profundamente conectadas e torna-se necessário reaprender sobre valores ancestrais, a necessidade de inclusão democrática dos povos originários e a justiça social.

A ideia de repartir para que todos possam viver bem é a antítese da acumulação para que uns possam ter mais e viver muito bem às custas dos que viverão muito mal tempo para o lazer, trabalho com sentido, oportunidades reais de desenvolvimento para todos, respeito à vida de todos os seres, vida mais simples, busca pelo consenso e diálogo em substituição à violência, "escutar os anciãos, saber se comunicar , saber beber, comer, brincar, trabalhar, valorizar a identidade, ver na diferença a complementaridade e respeitá-las".

Às vezes é preciso retornar às origens para seguir em frente. A conexão com a verdade da história e a reflexão com a sabedoria dos que nos antecederam, podem nos ajudar a reposicionar os rumos e traçar caminhos mais cuidadosos consigo e com os outros. Reaprender que o sentido da vida se produz em solidariedade é sabedoria milenar necessária de ser reaprendida e praticada. E você,  será que pratica a arte do bem-viver?

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.