O ano novo: o pequeno bebê de sonhos

Cada ano é uma possibilidade que nos lembra da dialética da existência. Projetos que mudam, vínculos, desejos, ideias, em um ano temos a chance da sabedoria de que podemos recomeçar inúmeras vezes

Escrito por
Alessandra Xavier ceara@svm.com.br
Legenda: Celebramos a ideia da fraternidade, de que a união é o projeto que torna viável a vida e que comemoração é evento para agregar afetos e mundos
Foto: Shutterstock

O ano nasce, desenvolve e morre em apenas 365 dias. É uma lição poderosa sobre o tempo, a vida, os afetos. O ritmo do tempo, os desejos que se movimentam e que a cada ano encontram uma parte de nós que permanece e uma outra também recém nascida, à espera de se construir

Cada ano é uma possibilidade que nos lembra da dialética da existência. Projetos que mudam, vínculos, desejos, ideias, em um ano temos a chance da sabedoria de que podemos recomeçar inúmeras vezes. Acumulamos dentro de nós o nascimento e os anos que se vão,  aprendemos a despedir e celebrar no mesmo dia as perdas e o renascimento, em um ritual de despedidas, esperança e alegria. 

Celebramos a ideia da fraternidade, de que a união é o projeto que torna viável a vida e que comemoração é evento para agregar afetos e mundos. Cada ano novo abre lugares dentro e fora da gente para fazer diferente, para aprender. Cada ano novo estamos mais velhos, e nos desafiamos a alimentar a criança e o tempo que constrói acúmulos de experiências. 

  • Como lidar com o tempo interno na passagem do tempo externo?
  • Como lembrar dos sonhos que deixamos para trás e porquê os deixamos para trás?
  • Qual o futuro que alimentamos em cada segundo do presente?
  • Que destino damos ao nosso poder, ao que sabemos, com o que trabalhamos, aos nossos afetos, aos projetos de vida?
  • Como arrefecer a morte?
  • Como nos unir aos que por pertença de afeto e semelhança de olhares sobre o mundo ainda não foram por nós encontrados?
  • Como achar os irmãos?
  • Como ter certeza sobre os nãos?
  • Qual a hora de deixar ir?
  • Como usar todas as forças para perseverar?
  • Como perdoar os anos em que falhamos?
  • Como resgatar o diálogo?
  • Quais os limites que precisamos sustentar?
  • Como ter mais paciência?
  • Como ser menos cruel consigo?
  • Como descobrir o que você precisa de verdade, o que aquece seu coração?
  • Como se libertar de violências e opressões?
  • Como ser mais e ter menos?
  • Como realizar conexões mais presenciais e menos virtuais?
  • Como ter tempo com os amigos?
  • Como ter mais tempo para não fazer nada?
  • Como ter mais prazer e menos “planner”?
  • Como ter mais leveza e menos controle?
  • Como sorrir mais?
  • Para onde meus sonhos apontam?
  • Quais as coragens que preciso alimentar?
  • Quais as coisas boas que preciso descobrir em mim e me apropriar?
  • Como cuidar melhor dos que precisam de mim?
  • Como estar mais presente no mundo físico?
  • Como usufruir e oferece do imaterial?

O ano vai crescendo e a gente vai aprendendo sobre o mistério, que não existe manual sobre a vida, não tem receita mágica. Vamos aprendendo que o ano nos instiga a ir, a errar, aprender,  a descobrir o que nos pertence nessa vida, nesse tempo, nessa alma. A cada ano aprendemos que o tempo é valioso,  que irá nos exigir a conta do desperdício. Que cada minuto desperdiçado em ódio e rancor é uma imensidão de amor e beleza que se perde. O ano se move dentro da gente, percorre a pele, a memória, escorre pelas mãos, encontra outras mãos, atravessa o coletivo, nos irmana no tempo presente. 

Cada ano novo depois de uma pandemia, é um milagre. Segundo a OMS estima-se que 15 milhões de pessoas podem ter morrido. Não é algo para se esquecer. Será que aprendemos sobre o valor do vivido, do afeto, da prioridade, do vínculo? Será que fazemos da nossa vida algo que dê sentido e dignidade ao tempo que ganhamos?

Entendemos o valor da solidariedade ou continuamos movidos pela fúria e malquerença? E de nós,  gostamos, sentimos respeito e gosto por sermos quem somos, experimentamos o encantamento da alegria genuína com as sutilezas do viver?

Veja também

O ano novo é como um pequeno bebê, recheado de sonhos possíveis. Será que conseguiremos brincar, cuidar, garantir que se torne saudável e nos proteja de esperança? Teremos paciência com os aprendizados? Seremos capazes de nos divertir e criar ou seremos ranzinzas desejando que cresça e mude logo sem precisarmos colocar nada de nosso nesse vir-a-ser?

O ano é de todos, mas nem todos terão as mesmas oportunidades. Que possamos continuar insistindo pelos anos democráticos, onde todos possam ter a chance de um ano com estudo, moradia, saúde, saneamento, trabalho, condições dignas de vida, proteção. Quem sabe assim, quando o  ano novo envelhecer a gente possa celebrar juntos, que construímos um mundo melhor para o próximo ano novo nascer, e que nos deixe presenteado em humanidade com 365 dias colhidos de  vida plena, de uma criança que cresceu e nos habita feliz.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

Assuntos Relacionados