O ano novo: o pequeno bebê de sonhos
Cada ano é uma possibilidade que nos lembra da dialética da existência. Projetos que mudam, vínculos, desejos, ideias, em um ano temos a chance da sabedoria de que podemos recomeçar inúmeras vezes
O ano nasce, desenvolve e morre em apenas 365 dias. É uma lição poderosa sobre o tempo, a vida, os afetos. O ritmo do tempo, os desejos que se movimentam e que a cada ano encontram uma parte de nós que permanece e uma outra também recém nascida, à espera de se construir.
Cada ano é uma possibilidade que nos lembra da dialética da existência. Projetos que mudam, vínculos, desejos, ideias, em um ano temos a chance da sabedoria de que podemos recomeçar inúmeras vezes. Acumulamos dentro de nós o nascimento e os anos que se vão, aprendemos a despedir e celebrar no mesmo dia as perdas e o renascimento, em um ritual de despedidas, esperança e alegria.
Celebramos a ideia da fraternidade, de que a união é o projeto que torna viável a vida e que comemoração é evento para agregar afetos e mundos. Cada ano novo abre lugares dentro e fora da gente para fazer diferente, para aprender. Cada ano novo estamos mais velhos, e nos desafiamos a alimentar a criança e o tempo que constrói acúmulos de experiências.
- Como lidar com o tempo interno na passagem do tempo externo?
- Como lembrar dos sonhos que deixamos para trás e porquê os deixamos para trás?
- Qual o futuro que alimentamos em cada segundo do presente?
- Que destino damos ao nosso poder, ao que sabemos, com o que trabalhamos, aos nossos afetos, aos projetos de vida?
- Como arrefecer a morte?
- Como nos unir aos que por pertença de afeto e semelhança de olhares sobre o mundo ainda não foram por nós encontrados?
- Como achar os irmãos?
- Como ter certeza sobre os nãos?
- Qual a hora de deixar ir?
- Como usar todas as forças para perseverar?
- Como perdoar os anos em que falhamos?
- Como resgatar o diálogo?
- Quais os limites que precisamos sustentar?
- Como ter mais paciência?
- Como ser menos cruel consigo?
- Como descobrir o que você precisa de verdade, o que aquece seu coração?
- Como se libertar de violências e opressões?
- Como ser mais e ter menos?
- Como realizar conexões mais presenciais e menos virtuais?
- Como ter tempo com os amigos?
- Como ter mais tempo para não fazer nada?
- Como ter mais prazer e menos “planner”?
- Como ter mais leveza e menos controle?
- Como sorrir mais?
- Para onde meus sonhos apontam?
- Quais as coragens que preciso alimentar?
- Quais as coisas boas que preciso descobrir em mim e me apropriar?
- Como cuidar melhor dos que precisam de mim?
- Como estar mais presente no mundo físico?
- Como usufruir e oferece do imaterial?
O ano vai crescendo e a gente vai aprendendo sobre o mistério, que não existe manual sobre a vida, não tem receita mágica. Vamos aprendendo que o ano nos instiga a ir, a errar, aprender, a descobrir o que nos pertence nessa vida, nesse tempo, nessa alma. A cada ano aprendemos que o tempo é valioso, que irá nos exigir a conta do desperdício. Que cada minuto desperdiçado em ódio e rancor é uma imensidão de amor e beleza que se perde. O ano se move dentro da gente, percorre a pele, a memória, escorre pelas mãos, encontra outras mãos, atravessa o coletivo, nos irmana no tempo presente.
Cada ano novo depois de uma pandemia, é um milagre. Segundo a OMS estima-se que 15 milhões de pessoas podem ter morrido. Não é algo para se esquecer. Será que aprendemos sobre o valor do vivido, do afeto, da prioridade, do vínculo? Será que fazemos da nossa vida algo que dê sentido e dignidade ao tempo que ganhamos?
Entendemos o valor da solidariedade ou continuamos movidos pela fúria e malquerença? E de nós, gostamos, sentimos respeito e gosto por sermos quem somos, experimentamos o encantamento da alegria genuína com as sutilezas do viver?
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O ano novo é como um pequeno bebê, recheado de sonhos possíveis. Será que conseguiremos brincar, cuidar, garantir que se torne saudável e nos proteja de esperança? Teremos paciência com os aprendizados? Seremos capazes de nos divertir e criar ou seremos ranzinzas desejando que cresça e mude logo sem precisarmos colocar nada de nosso nesse vir-a-ser?
O ano é de todos, mas nem todos terão as mesmas oportunidades. Que possamos continuar insistindo pelos anos democráticos, onde todos possam ter a chance de um ano com estudo, moradia, saúde, saneamento, trabalho, condições dignas de vida, proteção. Quem sabe assim, quando o ano novo envelhecer a gente possa celebrar juntos, que construímos um mundo melhor para o próximo ano novo nascer, e que nos deixe presenteado em humanidade com 365 dias colhidos de vida plena, de uma criança que cresceu e nos habita feliz.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.