Qual o Natal que existe na sua vida?

O Natal é a história de uma criança que sofre perseguição, que tem uma família que se dedica integralmente a cuidá-la, protegê-la e garantir o que for preciso para que ela possa desenvolver sua imensa humanidade

Escrito por
Alessandra Silva Xavier ceara@svm.com.br
(Atualizado às 08:31, em 23 de Dezembro de 2024)
Legenda: Essa criança que crescerá entre os homens, falará a língua dos homens, terá o corpo finito dos homens, fará ponte entre o divino e o humano que nos habita. Ao se fazer humano e histórica, sua jornada alimenta fé, esperança e caridade
Foto: Ismael Soares

O Natal é a história de uma criança que sofre perseguição, que tem uma família que se dedica integralmente a cuidá-la, protegê-la e garantir o que for preciso para que ela possa desenvolver sua imensa humanidade.

Essa criança que crescerá entre os homens, falará a língua dos homens, terá o corpo finito dos homens, fará ponte entre o divino e o humano que nos habita. Ao se fazer humano e histórica, sua jornada alimenta fé, esperança e caridade. Ao precisar dos outros humanos para se desenvolver, ensina humildade, solidariedade e amor.

É uma criança que apesar da origem divina, precisa dos humanos. Revela nossa fragilidade e nossa potência. Não sobrevivemos sozinhos. Apesar da origem poderosa, não usa de força, não tem armas, não enaltece acumulação, desigualdades, injustiças, dinheiro nem exércitos, fala em educação e amor, se importa, escuta, ajuda, cuida, utiliza das palavras, do diálogo, do exemplo e da compreensão. Essa história atravessa processos milenares, como tantos outros ensinamentos e sabedorias sobre a ontogênese e outras narrativas religiosas sobre a vida.

Entretanto, a história que nos ajuda a refletir sobre como vemos e nos comportamos uns com os outros; que nos envolve enquanto delicadeza, amorosidade, empatia, solidariedade e respeito; transforma-se muitas vezes em momento de ostentação não do vínculo, do afeto, da compreensão, da tolerância, mas do exibicionismo do pior que nos habita. Como se em vez de nos identificarmos com a criança, com o pai, com a mãe, nos identificássemos com o poder e fúria dos seus algozes.

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Os presentes que os Reis magos levaram: incenso, ouro e mirra, denotam não um valor material desse nascimento, mas a simbologia que reveste o que temos a oferecer ao outro. Segundo São Gregório Magno, Papa e estudioso bíblico, o ouro simboliza a realeza mas também o valor da sabedoria; o incenso divindade e mirra humanidade, articulando a realização da  divindade e a humanidade no nascimento daquele ser que, feito à imagem e semelhança dos homens, poderia nos ensinar o valor do nascimento, da vida de cada ser humano, da infância, da importância da sabedoria para o bem-viver e que o divino está enraizado na nossa finita humanidade. 

Essa simbologia é bem diferente dos valores que se costuma direcionar aos presentes de Natal e muitas vezes à intempestiva e danosa equação consumo e afeto. O Natal é tempo para fortalecer as coisas essenciais, para valorizar a sabedoria das boas escolhas, olhar para dentro de si, para o valor da humildade, atenção ao essencial, para escolher bem aquilo que verdadeiramente importa, se conectar com a vida, atenuar a agressividade, para ser manjedoura no coração que possa acolher esperança e amor.

A sua fé lhe faz perdoar, confiar, amar, se indignar com injustiças, buscar estudar, se aperfeiçoar enquanto ser humano, lhe faz partilhar o que tem, ser justo, honesto,  cuidadoso, atencioso, respeitar as pessoas, a vida de todas as pessoas, você enxerga Cristo no menino na rua, no morador de rua, no adversário político, em quem você tem desavenças, discordâncias? Você pratica amor, caridade, esperança, compaixão? O que sai da sua boca e do seu coração? Em seus braços cabem um cuidado com um outro ser? O que oferecer durante todo o ano do melhor que existe no seu coração e nas suas palavras que não se pode comprar?

Para muitos, Natal pode trazer memórias felizes, de encontros familiares, alegria partilhadas, a expressão e vivência do fraterno e do afeto; para outros pode ser a lembrança da falta, daquilo que desejaríamos ter tido e não chegou, da comparação com as narrativas dos filmes que são tão distantes da realidade, da mesa vazia, da notícia da demissão que veio muitas vezes daquele que diz que o Natal é época de união; para outros é expressão de sentir o milagre do Natal enquanto encontro, alegria, saúde, gratidão. E se pudéssemos partilhar o nosso melhor Natal com os outros? 

Para outros, o Natal trás a falta, a ausência dos Pais, dos filhos, de pessoas queridas que não estão mais. Isso pode provocar tristeza, saudade e melancolia. Entretanto, se abrir as portas da casa e do coração, tem muita gente para entrar, para acolher, tem muita gente à procura de uma família,  tem muita gente à espera de um bom amigo. Vínculos estão sempre abertos enquanto possibilidade dos encontros da vida.  

O Natal pode ser um momento significativo para renascer, para elaborar lutos e perdas. Pois junto com a ideia da criança que guarda a esperança, lembrarmos que dentro de cada um de nós, essa criança vive, e precisa ser cuidada, para ser esperança, para iluminar o caminho das pessoas até nós, para melhorar o mundo, para não ficar preso em si, nas mágoas e na solidão da desesperança. Assim, poderemos abrir a casa, o coração,  permitir novos vínculos, novos amores, novas amizades,  poderemos transformar solidão em presença, miséria em abundância, tristeza em solidariedade alegremente partilhada.

Quantos cabem na mesa do seu afeto? No coração há muito espaço que abraça a coexistência do perdido, o sofrido, o triste, junto com o encantamento e a alegria da criança que vive em todos nós e que adora brincar, fazer amigos, ter energia para viver e que mantém acesa a esperança nos homens. A estrela aponta para uma criança que nasce.  Que não percamos de vista, a nossa criança viva, que ela renasça sempre, que ela nos salve, que ela nos lembre que o divino é amor.

*Esse texto representa, exclusivamente, a opinião da autora.

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