Ecobarreiras em riacho entre Fortaleza e Caucaia impedem chegada de 40 toneladas de lixo ao mar; veja imagens
As estruturas flutuantes foram instaladas entre uma margem e outra para reter o máximo de resíduos. Prefeitura de Fortaleza diz que pretende ampliar iniciativa

Latas, garrafas, embalagens de marmita, plantas, sacos plásticos, papelão, calçados e até corpos de animais mortos, colchões, sofás e geladeiras. A lista de resíduos despejados no Riacho Severo, um braço do Rio Ceará, entre Caucaia e Fortaleza, é imensa. Mas, mecanismos de bloqueio desses materiais, chamado de ecobarreiras, instalados, em abril de 2024, no Riacho, próximo à Rua Verona, onde os bairros Genibaú (Fortaleza) e Jurema (Caucaia) se encontram, têm alterado a realidade e gerado impacto positivo.
Nesse intervalo de tempo, cerca de 40 toneladas de lixo já foram retidas nas barreiras e retiradas das águas. Na área localizada no limite entre a Capital e Caucaia, o riacho, também chamado de canal, é rodeado por residências estruturadas em condições precárias em uma área passível de alagamento.
As águas que correm por ele antes de chegarem ao Genibaú já percorreram ao menos o Bom Jardim, a Granja Lisboa e o Conjunto Ceará, em Fortaleza. Depois, seguem pela Jurema, em Caucaia, rumo ao Rio Ceará, e por fim, deságuam no mar.
É essa rota que toneladas de resíduos faziam antes de as ecobarreiras serem instaladas. No último estágio, podiam chegar ao oceano. Mas esse cenário tem mudado.
Isso porque uma iniciativa de um grupo de kisurfista da organização social Kite for the Ocean (K4TO), que faz parte do Instituto Winds for Future (criado em 2023 com atuação que combina ações de tecnologia e sustentabilidade), da Prefeitura de Fortaleza e da de Caucaia, estruturou a barreira flutuante que vai de uma margem a outra retendo os resíduos.
O gestor de sustentabilidade da K4TO, Andre Comaru, explica que o Winds for Future “já é um movimento consolidado que conecta o kitesurfe às causas oceânicas, promovendo ações de conscientização e inovação para a proteção do mar”. A missão, destaca ele, é “unir kitesurfistas do mundo todo e proteger o oceano”.
Andre explica que a metodologia e a tecnologia utilizadas na estrutura da barreira flutuante “foram totalmente desenvolvidas pela nossa equipe. Nós mesmos realizamos a compra dos insumos, a montagem, a instalação e a manutenção do equipamento, garantindo que ele funcione de forma eficiente e se adapte às condições locais”.
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Como é o trabalho de coleta?
Para garantir a instalação do equipamento, a organização contou com a chancela da Prefeitura de Caucaia que, além da autorização, afirma Andre, “também contribui com o apoio na destinação correta dos rejeitos coletados nas ecobarreiras”.
A estrutura flutuante é feita com duto (geralmente usado na proteção de cabos elétricos e de telecomunicações subterrâneos) de 5 polegadas (na espera de uma garrafa pet de 2 litros) com 100 garrafas pet por dentro (para fazer flutuar), envolvida por uma tela de polietileno (usadas na proteção de janelas de apartamento, por exemplo).
As ecobarreiras chegam a 1,5 metros de profundidade, levada para baixo por um peso chamado de chumbada de pesca (item usado na pesca para ancorar). As pontas ficam presas na terra por cordas amarradas em objetos atracados.
O coordenador de operação de limpeza na ecobarreira, Cosmo Leandro, destaca que a rede não vai até o “fundo” do riacho, pois poderia barrar a passagem de peixes e esse não é objetivo. “Temos peixes grandes como o pema, conhecido no mar como camurupim, de 50 cm a 80 cm. E temos muitos cágados. E a ideia é não barrar. É parar o lixo, mas não pegar os peixes”, completa.
No local, duas ecobarreiras, uma de 25 metros e outra de 35 metros, retêm os resíduos. As duas estruturas funcionam de forma paralela, e são acionadas de modo separado no momento do recolhimento do lixo. Pois quando uma é “desarmada” e puxada, os resíduos são concentrados em uma das margens do riacho. Nesse processo, a outra segue operando para que o material poluente não passe.
O recolhimento é feito todos os dias, afirma Leandro. “Nós começamos em abril e é muita coisa retirada. Vamos dizer que nem tudo isso chegaria até o mar, mas 50% devia chegar. Estamos aqui para tentar fazer com que esse lixo não chegue”, reforça.
Desde a instalação das primeiras ecobarreiras, em abril de 2024, conforme dados repassados pela Prefeitura de Fortaleza e pela organização social Kite for the Ocean (K4TO), foram recolhidos 40.136,76 kg de resíduos, ou seja, cerca de 41 toneladas de lixo.
Após a retirada da água, a separação e destinação ocorrem da seguinte forma:
- 50% do material coletado é rejeito e precisa ser enviado diretamente para o aterro sanitário;
- 10% corresponde a plásticos e outros recicláveis, que são separados e doados para catadores e catadoras da região;
- 40% restantes são materiais que não podem mais ser reciclados e por isso são enviados para o coprocessamento na indústria cimenteira.
O gestor de sustentabilidade da K4TO, Andre Comaru, reforça que “estamos em busca de parceiros na indústria cimenteira para manter e expandir essa etapa do coprocessamento. Hoje, esse processo tem um custo elevado para o Kite for the Ocean, mas acreditamos que, com o apoio certo, podemos seguir garantindo que esses resíduos tenham um destino ambientalmente responsável”.
Conforme Leandro, cerca de oito recicladores passam pelo local todos os dias e recolhem os materiais que ainda poderão ser reutilizados. Um deles o morador de Caucaia, Júnior Maciel Pires Rodrigues, que na última sexta-feira (7), quando a reportagem esteve no local, aproveitou a retirada de resíduos para coletar garrafas pet retiradas do riacho.
“Eu coleto o que tiver nas ruas, garrafa, papelão, e levo para casa e junto. Faço a carradinha e dia sim, dia não, eu vendo. E aqui os meninos espalharam que tinha reciclado e a gente vem. Um dia vem um (reciclador), outro vem outro. É assim. E sempre tem. Não falta material não”, relata Júnior.
Esse é o trabalho que sustenta uma família de 4 filhos há 2 anos. Por semana, com essa coleta, Júnior que mora no entorno do local, diz que consegue apurar cerca de R$ 50,00. Para sobreviver, concilia essa atividade com trabalhos como servente e atua como caseiro em uma casa “emprestada” na qual reside.
Prefeitura quer expandir projeto
Questionada se há planos de expansão desse mecanismo em outros riachos e rios de Fortaleza, a Prefeitura, por meio do Instituto de Pesquisa e Planejamento (Ipplan), respondeu, em nota, que, em fevereiro de 2025, o Ipplan articulou a criação de um Comitê de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que reúne representantes da Prefeitura de Fortaleza, do Governo do Ceará e do Governo Federal ligadas ao meio ambiente.
Segundo a gestão, uma das ações deste Comitê será a assinatura de um acordo de cooperação técnica para a implantação de outras estruturas do tipo em Fortaleza. O anúncio, diz a nota, “ocorrerá ainda neste mês de março e incluirá a coleta e destinação dos resíduos”. A gestão não detalhou como e onde será essa expansão.
Já o gestor de sustentabilidade da K4TO, Andre Comaru, informou que a iniciativa foi contemplada em um edital da Oceanic Global, uma ONG de conservação e proteção dos oceanos, e com isso será recebido “recursos para a instalação de mais nove ecobarreiras, ampliando significativamente o impacto do projeto”.
A ideia, diz ele, é instalar mais uma ecobarreira em Caucaia, totalizando duas no município e outras oito em diferentes braços do Rio Ceará, dentro de Fortaleza, contemplando os bairros de Genibaú, Conjunto Ceará, Granja Lisboa, Granja Portugal e Bom Jardim.
Ele reitera que para viabilizar a expansão, a organização está em diálogo com a Prefeitura de Fortaleza, por meio do Ipplan e da Secretaria de Conservação.
De acordo com ele, com as 10 ecobarreiras em operação, a previsão “é impedir que aproximadamente 300 toneladas de lixo cheguem ao oceano todos os anos. Esse impacto é especialmente importante porque o Rio Ceará está entre os mil rios mais poluídos do mundo, tornando essencial a implementação de soluções eficazes para conter a poluição antes que ela atinja o mar”.
Situação piora com as chuvas
Outro ponto é que durante o período de chuvas, o volume de lixo retido nas estruturas flutuantes “aumenta drasticamente”, diz Andre. “Em alguns dias, conseguimos barrar até 2 toneladas de resíduos em um único dia devido ao aumento do fluxo de água carregando lixo pelos rios e canais. Esse volume pode quadruplicar ou até quintuplicar, tornando essa época do ano um grande desafio para a operação das ecobarreiras”.
Por isso, acrescenta que esse período requer que a atenção seja redobrada para que o sistema funcione corretamente retendo o máximo de resíduos possível. A resistência estrutural também é testada nesse período, pois a força das águas aumenta e isso se reflete no grande volume de materiais transportados pela correnteza.
“Apesar desses desafios, nossa ecobarreira tem apresentado uma performance excelente, demonstrando sua eficiência mesmo sob condições extremas. Seguimos monitorando e aprimorando o sistema para garantir que ele continue desempenhando seu papel fundamental na contenção da poluição marinha”, ressalta.
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