Como as chuvas alteram a dinâmica das lagoas de Fortaleza e qual o efeito para a cidade
Fortaleza tem 43 corpos hídricos classificados como lagos ou lagoas, segundo a Prefeitura. Esses recursos, de funções múltiplas, ganham ainda mais relevância na quadra chuvosa.
Na da Maraponga, na da Parangaba e na da Messejana sempre há movimento. Há quem se banha e até quem pesca, mesmo que a qualidade das águas não seja seguramente conhecida. As lagoas de Fortaleza exercem múltiplas funções e quando a quadra chuvosa é intensa, como a de 2022, essas atribuições ganham mais relevância.
Uma delas é justamente escoar o excesso de águas das precipitações, logo, avaliam especialistas, o que poderia virar enchente é armazenado nas lagoas.
A maior lagoa em volume é a da Parangaba, com um espelho d'água de aproximadamente 469.659,46m². Oficialmente, Fortaleza tem 43 corpos hídricos classificados como lagos ou lagoas, informa a Prefeitura. Destes, 41 mananciais dispõem dos parâmetros necessários para monitoramento da qualidade das águas.
Os últimos resultados disponibilizados publicamente pela Prefeitura sobre a qualidade das águas são de maio de 2020.
Na época, 20 lagoas, incluindo as da Parangaba, do Opaia, do Mondubim, da Messejana, e do Papicu, foram monitoradas. Nenhuma tinha qualidade compatível com o que a legislação exige. No caso, os critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
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Mas, esses corpos hídricos, apesar das lacunas quanto aos cuidados e reconhecimento da relevância, são essenciais para a garantia de diversos efeitos positivos na cidade.
Na quadra chuvosa, isso ganha ênfase, principalmente, avaliam os especialistas, no fluxo das águas da cidade, parte vai para o solo, parte segue para os rios e outra fica retida nas lagoas.
Em 2022, até abril, o Litoral de Fortaleza superou todo volume de chuva esperado para o ano inteiro. Conforme já mostrado pelo Diário do Nordeste, a macrorregião no final de abril atingiu o volume médio de 1.482,8 milímetros. O índice é 2,5% maior que a média anual, que é de 1.444,6 mm.
“Quando as cidades crescem, elas impermeabilizam o solo, então, você tem menos entrada de água. Outro problema é que elas acabam canalizando os rios, então, as áreas de inundação perto dos rios, acabam canalizadas", explica o professor do curso de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Ceará (UFC), Marcelo Freire Moro.
"E as lagoas são reservatórios de parte dessa água. Então, parte do que viraria enchente na cidade é armazenado”, acrescenta.
Ela ressalta que quando Fortaleza cresceu, muitas áreas que eram lagoas foram aterradas para a expansão urbana. “A gente observa isso em lagoas como a Parangaba, na qual parte dela já foi ocupada por urbanização, Lagoa do Porangabussu e até casos recentes de pequenas lagoas”, completa.
Com essas ações, explica Marcelo, gerou-se, por exemplo, o problema das enchentes. “Esses ambientes armazenavam parte da água do fluxo hídrico e agora, que esses ambientes estão impermeabilizados, isso gera uma enchente e um problema social. Isso pode ser evitado se os ambientes naturais forem respeitados e mantidos”.
O professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFC e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Flavio Rodrigues do Nascimento, destaca que as lagoas infelizmente não servem mais para o abastecimento humano, mas elas não desenvolvem só funções estéticas. Ele reitera que esses corpos hídricos atuam no escoamento do excesso de águas da chuva.
"Fortaleza seria uma cidade com mais problemas de inundação, já que não tem drenagem, se não fossem as lagoas. São pontos de recepção os riachos, os rios e canais urbanos. Agem no escoamento superficial de forma fundamental. Para receber o excesso dessas águas”
Chuvas renovam as águas
Durante as chuvas, afirma o professor Marcelo, o aporte hídrico dentro das lagoas aumenta, e com isso cresce o nível da água e há renovação. Mas, no ambiente urbanizado essa dinâmica pode fazer com que a chuva acabe levando poluição difusa, como derramamento de óleo, para os corpos hídricos.
"Se você tem muito desmatamento, as chuvas vão acabar levando sedimentos para dentro da lagoa que é chamada de assoreamento. No ambiente natural a própria vegetação reduz a velocidade do percurso da água e faz com que não aconteça o assoreamento considerável”
Quando há desmatamento, a vegetação acaba levando, areia, argila e outros materiais para as lagoas, por isso é fundamental preservar as matas ciliares, que é, aquela vegetação que cresce ao redor e protege os corpos hídricos.
Essa vegetação muitas vezes é retirada quando há o avanço de construções irregulares no entorno das lagoas. "Isso vai causar um dano porque aquela vegetação, chamada de ciliar, assim como os cílios protegem os olhos, então elas protegem as lagoas”, o professor Flávio Rodrigues do Nascimento.
Em uma quadra de chuva acima da regularidade, como a desse ano em Fortaleza, exemplifica ele, é ótimo para os cearenses também porque as águas das lagoas são "Se você pega um período de seca, vai ter basicamente a mesma água ou a água produzida com muitos contaminantes. Com pouca água de chuva, tem possibilidade de mortandade de peixes”, acrescenta o professor.
Múltipla importância
Os pesquisadores destacam que a importância das lagoas é múltipla e envolve tanto os aspectos sociais, no sentido de que evita enchentes, como é um ecossistema de grande importância para a manutenção da biodiversidade.
"Temos em Fortaleza tartarugas, peixes, aves aquáticas, que utilizam esses espaços de vida, são anfíbios, répteis, peixes que utilizam esses espaços e tem direito a existência", diz Marcelo.
Ele argumenta que se as lagoas forem bem geridas e respeitadas tanto elas armazenam parte da chuva, como servem como espaços de lazer, visitação e convivência com a fauna e a flora das áreas alagáveis.
Já o professor Flávio ressalta outro aspecto que é a amenização térmica. "Fortaleza é uma cidade com os maiores índices de radiação do país, as lagoas funcionam para amenizar esse calor", defende.
O Diário do Nordeste questionou a Prefeitura, via Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), sobre a identificação de galerias de águas pluviais e possíveis ligações clandestinas de esgoto, bem como quantas e quais lagoas têm ocupações irregulares no entorno.
Em nota, foi informado que a gestão municipal realiza, por meio da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), ações rotineiras de combate à poluição hídrica.
Segundo a Prefeitura, em parceria com técnicos da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), a Agência faz a verificação dos imóveis que não estão interligados à rede de esgoto e dos imóveis que lançam efluentes de forma irregular na rede esgoto e/ou nas galerias pluviais e recursos hídricos.
Fiscalizações foram realizadas de 2017 a março de 2022, pela Agefis com relação à poluição hídrica e às águas servidas em Fortaleza.
Essa ação irregular é uma infração gravíssima e as penalidades, previstas pela Lei Complementar Municipal nº 270/2019, são multa, que varia de R$ 303,75 a R$ 48.600,00, e as medidas administrativas.
A Prefeitura também diz que realiza outras ações de fiscalização por meio da Seuma, como a Vídeo Inspeção em galerias pluviais para a identificação de possíveis ligações clandestinas de esgoto.
De forma preventiva, informa a nota, "a gestão municipal também já realizou, desde 2021, mais de 600 ligações de casas à rede de esgoto pelo projeto Se Liga na Rede, coibindo a emissão de efluentes na bacia da vertente marítima na zona oeste da cidade".