Monitoramento de rios e lagoas não ocorre há nove meses

O último relatório de análises laboratoriais de recursos hídricos de Fortaleza é de abril de 2020, com amostras colhidas antes da pandemia da Covid-19. Sem registros técnicos, a prevenção contra a poluição e doenças é prejudicada

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
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Legenda: Volume de lixo nas margens do Maranguapinho preocupa moradores na quadra chuvosa
Foto: José Leomar

Fortaleza não dispõe de informações sobre o monitoramento da qualidade da água dos recursos hídricos urbanos há nove meses, embora uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) recomende, desde 2005, novas coletas a cada dois meses.

No Sistema de Informações Ambientais de Fortaleza (Siafor), o último relatório disponível publicamente data de abril de 2020, mas com amostras colhidas ainda em março, mês em que começou a pandemia da Covid-19 no Ceará. À época, conforme o levantamento, nenhum dos 37 reservatórios verificados tinha amostras dentro dos padrões legais vigentes.

Relatórios anteriores publicados no mesmo Sistema foram elaborados em agosto de 2019, janeiro de 2018 e novembro de 2017, embora houvesse um planejamento da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) para que as análises laboratoriais se tornassem mais frequentes, de acordo com o Manual de Estratégia, Gestão e Governança do órgão.

Até o ano passado, o manancial com pior desempenho nos indicadores era o Rio Maranguapinho. Uma das amostras chegou a detectar 8.000 coliformes termotolerantes por 100 ml, três vezes maior do que o valor máximo permitido de 2.500, descrito na resolução do Conama. Esse grupo de bactérias é utilizado frequentemente para avaliar a qualidade da água e indicar a contaminação por fezes e, assim, prevenir distúrbios gastrointestinais e outras infecções na população.

Quando se percorre a extensão do Maranguapinho, não é difícil imaginar o motivo do péssimo indicador. Em diversos trechos, grandes volumes de lixo se acumulam nas margens. Itens como sacolas plásticas também são carregados pela correnteza. Francisco Elno, fretista e morador do Autran Nunes, observa diariamente o despejo de materiais de construção a animais mortos nos arredores do Rio.

Cenário

"As pessoas se acostumaram. Botam porque sabem que alguém vem tirar. Às vezes, o trator vem e enche várias caçambas. Era pra proibir, fazer uma pracinha, colocar calçamento, mas fazer o quê? Se isso aqui fosse mais bonitinho, era show, mas as pessoas não colaboram", reflete o motorista entrevistado.

Segundo ele, a preocupação é com o período de chuvas que se aproxima, capaz de levar os materiais das margens para o leito. Nos barrancos, há roupas, caixas, pneus e até vasos sanitários.

Tudo a céu aberto, quando existe um Ecoponto da Prefeitura de Fortaleza funcionando a poucos metros. Catadores e recicladores percorrem as redondezas com carrinhos lotados e garantem: trabalho não falta.

Maurício Barreto, chefe do Departamento de Construção Civil do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), explica que o monitoramento serve para identificar possíveis lançamentos de esgotos domésticos e industriais, regulares ou clandestinos, que podem comprometer o ecossistema. "Você também tem toda uma população do entorno que usa essa água para algum fim. Ela deve ser orientada a não fazer uso doméstico porque não é própria para consumo, mas é comum constatar a presença de pessoas pescando ou tomando banho", diz.

Outros corpos d'água com indicadores ruins foram as Lagoas da Parangaba, com 5,6 mil coliformes termotolerantes por 100 ml; Itaperaoba (4,5 mil), Maraponga (4,2 mil) e Porangabussu (4,2 mil).

Nesta última, localizada no Rodolfo Teófilo, apesar do aspecto mais limpo, existe mau cheiro provocado pela decomposição de centenas de peixes mortos que se acumulam na água, misturados a aguapés, rótulos e garrafas de plástico e marmitas de isopor.

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Legenda: Lagoa do Porangabussu tem acúmulo de lixo, aguapés e peixes mortos.
Foto: José Leomar

Poluentes

"A própria população polui, mas a Prefeitura também deveria dar uma limpeza mais vezes", opina o autônomo Edmilson Santos, que passa pelo reservatório quase todos os dias. Além dos coliformes termotolerantes, a maioria dos recursos hídricos da Capital apresenta índices acima do esperado para elementos químicos como ferro, cromo, fósforo e cobre.

Conforme o professor Maurício Barreto, o fósforo pode ser encontrado no esgoto doméstico, mas os outros são metais pesados e indicativos de contaminação industrial.

Já os níveis elevados de demanda bioquímica de oxigênio, também constatados em várias lagoas, indicam poluição porque a matéria orgânica presente na água está sendo consumida. Nesse processo, a atuação dos seres vivos anaeróbios leva à produção de substâncias de odor desagradável.

Conscientização

"Se o oxigênio baixar até chegar na concentração zero, a gente diz que o corpo d'água está 'morto'. Ele não tem mais condições de se autodepurar (normalizar). Os organismos aeróbios, como os peixes, morrem", alerta o geólogo.

A reportagem do Sistema Verdes Mares perguntou à Seuma como a Prefeitura vem realizando o monitoramento dos recursos hídricos e com qual periodicidade, bem como o índice de poluição e a balneabilidade deles. Manteve contato com o órgão por e-mail e telefone desde a última segunda-feira (4), mas, até o fechamento desta edição, não obteve retorno sobre os questionamentos.

Para Maurício Barreto, a melhoria da qualidade ambiental deve começar com um levantamento sanitário das fontes poluidoras e a cessação dos despejos. Em seguida, com a limpeza do lodo acumulado no fundo; a reintrodução artificial de oxigênio na água, para facilitar o restabelecimento do equilíbrio; e a recomposição da mata nativa ao redor.

Em paralelo, são indicadas campanhas de educação ambiental com a população e empresas do entorno, para evitar novos lançamentos a partir da formação de multiplicadores. "A população pode sim contribuir, mas há outras fontes poluidoras que são muito maiores e definidoras da degradação", reforça.

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