Recreio ou intervalo? O dilema da ‘juventude retrô’ sem celular na escola
O que construímos nos espaços de socialização segue erguido dentro de nós ao longo da vida

Essa história de nomear sentimentos, sensações, épocas da vida e rotinas é também uma maneira de perceber as mudanças ao longo do tempo. Nessas últimas semanas, um fragmento bem específico dos anos de escola tem tomado conta de debates: o espaço de respiro, descanso e diversão entre aulas. Recreio ou intervalo?
Discutir sobre a proibição de celular nas escolas, as rotinas dos “novos recreios” e os impactos de experimentar de outras formas esse momento em um dos principais espaços de socialização da vida, a escola, tem me feito relembrar como eram meus recreios e intervalos. E quais vivências trago, feito marcas, ainda hoje.
Desde muito pequena, sempre refleti sobre o passar do tempo, me encontrando na minha própria história a partir de marcos temporais – tantos de nós fazemos isso. E um desses momentos foi justamente quando me vi confusa entre as palavras recreio e intervalo. Depois eu entendi que não se tratava apenas de palavras, era algo além…
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Eu tinha mudado de escola (mais uma vez), para uma muito maior, com mais espaço, mais gente, mais professores. E muitos sentimentos confusos também. Um deles é muito presente em minha memória e nasceu no primeiro dia da nova escola, quando, durante as boas-vindas, a professora disse à turma: “agora que vocês chegaram à 5ª série, precisam agir com maturidade”.
Àquela altura da vida, com 11 anos de idade, eu já sabia o que era maturidade, mas eu não fazia ideia do que a professora queria dizer com aquelas boas-vindas. Então, a única coisa que pensei foi: “não vou mais poder brincar na hora do recreio”. Pânico. Silêncio.
Como eu estava agora do lado dos prédios dos “alunos grandes”, boa parte deles não falava a palavra recreio, mas sim, intervalo. E muitos também não brincavam, e aquilo me deixava meio preocupada sobre como seriam meus dias ali.

Pois bem: eu tive ainda muitas conversas comigo mesma sobre aquele dilema recreio-intervalo, mas tudo se encaixou rápido neste sentido, justamente, porque eu não me adaptei, mas não à falta de brincadeiras e sim à péssima experiência de socialização que tive no lugar.
Demorou um pouco, mas mudei de escola, de ambiente e de colegas. Meus questionamentos, porém, permaneceram. Cheguei em um novo colégio onde as palavras recreio e intervalo não me traziam dilema nenhum porque não tive tempo, já que adaptei-me perfeitamente à escola, pátio, cantina, teatro, jogos de quadras e a uma das melhores descobertas da vida (naquele tempo): o espirobol. O jogo funciona com uma bola presa a um poste no qual o objetivo é enrolar a corda na direção oposta ao oponente.
Hoje, vendo toda essa (absolutamente necessária) discussão sobre escolas sem celulares, penso em como meus intervalos foram momentos marcantes como espaços de socialização, por meio de conversas (e paqueras, claro), mas também através do esporte, do grupo de teatro que ensaiava entre uma aula e outra, das reuniões apressadas para pensar as fantasias das gincanas anuais, das rodas de conversa para criar as perguntas dos disparates e das experiências de vida que viraram inocentes textos ainda hoje guardados nas agendas de menina.
Não sei quais devem ser os impactos dos novos recreios-intervalos sem celulares, não me arrisco – não neste texto – a discorrer sobre o futuro, mas o presente fez-me pensar no passado e em como o que lá construímos segue erguido dentro de nós ao longo da vida. O que agora consigo dizer é que, os adultos que hoje somos, passam absolutamente pelos recreios e intervalos que vivenciamos – sejam eles dentro ou fora da escola.