Você provavelmente ouviu muito menos sobre ela do que deveria. Simoa era uma mulher que andava pela antiga Praia do Peixe com a coragem de quem sabe que precisava lutar pelos seus. Uma mulher preta, que ficou conhecida como "tia” pelo cuidado que dedicou à sua comunidade. Distanciada da história oficial, seu nome mal foi escrito nos livros e quase se apaga da memória. Preta Tia Simoa, guarde este nome preservado na fortaleza da memória oral. É de uma mulher preta, uma líder que articulou uma mobilização contra a escravidão no país.
Seu nome está enfim sendo escrito em alguns livros. Vamos falar dela para não esquecê-la, mas também para pensar sobre os apagamentos de mulheres pretas que fizeram história. Para tentar fazer mais fácil rastrear a memória de grandes mulheres. É preciso falar delas não apenas neste Mês da Consciência Negra, mas durante todos os outros, durante os anos.
Preta Tia Simoa andava pela Praia do Peixe e, junto com o marido, conversava com os trabalhadores jangadeiros para brecar o transporte de negros escravizados. Era voz ativa contra o tráfico de gente para outras províncias. Foi assim que se tornou uma das líderes da “Greve dos Jangadeiros”, nos dias 27, 30 e 31 de janeiro de 1881, em Fortaleza. E conseguiu findar o embarque de gente escravizada no porto daquela praia onde hoje está a potente comunidade do Poço da Draga, ali na Praia de Iracema.
A coragem de Preta Tia Simoa é parte da pressão de muita gente negra - e, em especial, de muitas mulheres - para alcançar a abolição da escravidão no Ceará, anos depois, em 1884. Você provavelmente nunca ouviu falar de Damazia, uma preta liberta que juntou muito dinheiro para conseguir comprar a liberdade de seus dois filhos escravizados em Redenção mesmo quando já estava em vigor a lei do ventre livre. Eu soube de sua existência recentemente, pela pesquisa de um jovem rapaz chamado Antônio Willame, que se dedicou a pesquisar documentos de séculos passados.
Preta Tia Simoa e Damazia são alguns exemplos de mulheres que lutaram contra a naturalização da venda e da exploração de pessoas, do pensamento escravocrata cujas marcas seguem na sociedade brasileira até hoje e ainda repercutem em uma série de injustiças sociais.
A quem interessa seguir apagando a história de mulheres relevantes na história do Brasil, em especial das mulheres pretas? Por que, em pleno, 2024, ainda é tão difícil conseguir rastrear a memória de mulheres como estas? A reflexão sobre essas perguntas é combustível de novas gerações que lutam com arte e memória contra o que não é esquecimento, mas apagamento. Preta tia Simoa, por exemplo, virou casa, coletivo de mulheres, quilombo urbano. Força agregadora de gente que quer construir um futuro diferente.
Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.
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