Nas cidades, o direito ao lazer não é menos importante

Algumas zonas residenciais permanecem desconectadas da vida urbana e, frequentemente, excluídas de experiências

Escrito por
Alexandre Queiroz Pereira ceara@svm.com.br
Legenda: A descentralização de eventos e programas de lazer e cultura é uma ação importante
Foto: Thiago Gadelha

As profundas desigualdades sociais e os problemas crônicos que caracterizam as cidades brasileiras justificam, em parte, por que a habitação de qualidade, a proteção dos direitos trabalhistas e a melhoria dos ganhos salariais são temas predominantes nos estudos que buscam refletir as demandas dos trabalhadores e trabalhadoras. No entanto, há indícios claros de que outras demandas são negligenciadas, incluindo o direito ao lazer nas cidades.

Constitucionalmente, a Carta Magna de 1988 é clara ao mencionar, no artigo 6º, o lazer como um dos direitos sociais dos cidadãos brasileiros. No entanto, dado que o status de cidadão é incompleto para milhões de brasileiros, não é surpresa que o direito ao lazer seja secundarizado, mesmo pelas mentes supostamente mais progressistas do pensamento crítico social.

Pretensamente, diante dos problemas considerados mais importantes, discutir o direito ao lazer nas cidades seria descuidar de tudo o mais e cair na armadilha do velho "pão e circo" (distrair-se do essencial e contentar-se com o supérfluo). 

Na verdade, não há contradição entre continuar a lutar por demandas sociais clássicas e estabelecer novas, como a demanda por democratizar o lazer nas cidades. O equívoco é estabelecer como parâmetro um ideário distorcido de que a massa de trabalhadores vive apenas do pão.

Na verdade, não há contradição, pois a Classe Média, ao mesmo tempo que não dispensa seu bom apartamento, sabe bem (e não abre mão) do prazer em visitar museus, ir aos cinemas, frequentar shows etc.

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Vejamos como funcionam as grandes cidades brasileiras, como Fortaleza. Os bairros com indicadores sociais mais baixos têm invariavelmente a menor densidade de espaços públicos voltados ao lazer. Além disso, esses bairros estão distantes e inacessíveis aos poucos espaços de lazer da cidade, como parques, teatros, praias e museus.

O sistema de transporte coletivo, quando funciona, está vinculado ao calendário de trabalho. Nos finais de semana e feriados, a oferta de transporte é reduzida, tornando-se um desafio sair de casa para explorar a cidade fora do horário de trabalho imposto.

As moradias populares, construídas em forma de conjuntos habitacionais, priorizam a quantidade de unidades em detrimento da integração dos moradores na cidade e de sua capacidade de se apropriar dela. Em consequência, essas zonas residenciais permanecem desconectadas da vida urbana e, frequentemente, excluídas de experiências como assistir a uma partida de futebol, esporte tradicional das massas, que se tornou difícil devido ao aumento dos preços de acesso às novas arenas e ao modelo sócio torcedor.

O que pode ser feito para alterar o quadro descrito? Existem três ações importantes que podem ser implementadas em diferentes escalas.

Em nível de bairro, é possível reformar e criar novos espaços de lazer próximos às principais áreas residenciais, como parques, praças e centros culturais. Isso inclui a criação de mais CUCAs, por exemplo.

Em nível de cidade, é fundamental melhorar o sistema de mobilidade urbana, conectando os bairros populares aos principais pontos de lazer, como o calçadão da Beira-Mar, durante os momentos de tempo livre. Além disso, a descentralização de eventos e programas de lazer e cultura, como festas juninas, viradas de ano, viradas culturais, festivais de música, teatro e circo, também é uma ação importante. 

Essas ações não são impossíveis de serem implementadas. Ao contrário, existem experiências bem-sucedidas que podem servir de exemplo, como os festejos carnavalescos e a subvenção ao transporte público de menor custo nos finais de semana.

Com essas ações, é possível criar uma cidade menos apavorada pela insegurança das ruas vazias e mais apropriada para práticas de lazer socialmente acessíveis e urbanisticamente descentralizadas.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor. 

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