A adolescência é um pedido de amor

Ao não aprender nem vivenciar o amor, o adulto carrega em si, um vazio doloroso

Escrito por
Alessandra Silva Xavier producaodiario@svm.com.br
Legenda: A adolescência é um pedido de amor, muitas vezes indecifrável, um pedido de amor muitas vezes rejeitado
Foto: Pexels

Muitas vezes a gente esquece a sensação de urgência do tempo, dos desesperos, do medo de decepcionar os pais, a sensação de angústia sem saber o motivo; a impaciência, a irritação, o desconforto com as mudanças do corpo; o receio de não ter o tamanho suficiente, não ter controle sobre o corpo, não ter controle sobre o desejo do outro, não saber como colocar palavras no que se sente, não ter a quem pedir ajuda por não confiar na capacidade de acolher, a raiva diante da contenção das ideias e potências por não ter a famosa "experiência" que parece argumento contínuo quando os adultos querem marcar uma diferença para invalidar afetos, desejos, atitudes e saberes.

A adolescência é um pedido de amor, muitas vezes indecifrável, um pedido de amor muitas vezes rejeitado, um pedido de amor que pode ter vergonha de ser feito, um pedido de amor que pode não ter voz para ser falado e sem ouvidos e corpo para escutar. Um pedido de amor sem saber as palavras, sem saber a quem endereçar, sem nem saber que precisa. Um pedido de amor a si, ao outro, ao mundo. Um pedido de amor para ser visto, querido, respeitado, aceito, para ser cuidado, para ter lugar social. Um pedido de amor para ser amado pelos amigos, para ser do grupo, para ter algo de bom que possa ser valorizado.

Adolescente deitada falando ao celular
Legenda: A adolescência é um pedido de amor, muitas vezes indecifrável, um pedido de amor muitas vezes rejeitado
Foto: Pexels

Um pedido de amor para que a família suporte e ajuda a lidar com a agressividade, a dúvida, a confusão, que apoie a diferença e fortaleça as potências. Um pedido de amor a si, para saber quem se é, para poder existir e gostar de si no meio de tantas dúvidas e nãos. Um pedido de amor no espaço assustador da rejeição, da violência e do abandono. Um pedido de amor para ser visto como alguém diferenciado e especial no meio da multidão. Um pedido de amor ao Estado por políticas públicas de cuidado, um pedido de amor à escola por respeito e alimento para ir para o mundo. Quando não há um cuidado com essas questões, e não foi possível construir um lugar seguro dentro de si com confiança em quem se é, a baixa autoestima pode virar estopim à busca de inimigos para aplacar rejeição e inseguranças.

As inseguranças amorosas e sexuais podem levar a posturas conservadoras e rígidas enquanto defesa diante da falta de controle e o medo sobre os desejos. Muitas vezes, a adoção de padrões de masculinidade tóxicas, misóginas, patriarcais, podem oferecer segurança diante do medo, das inseguranças e das dúvidas, transpondo para as mulheres todo o medo e raiva, responsabilizando-as pelo terror que sentem, transformando inseguranças e desejo em ódio. Infelizmente, diante dos sentimentos ambivalentes em relação às mulheres no que mobilizam de potência e impotência diante do desejo de ser desejado, podem atacar aquilo que não se sentem capazes de seduzir.

As meninas, por outro lado, podem também se tornar reféns desse movimento onde a busca pelo amor, reconhecimento e cuidado, pode ser tão assustador e doloroso que vire apatia, desinteresse, dificuldade em estabelecer vínculos duradouros e confiáveis, e captura em narrativas e relacionamentos abusivos, muitas vezes identificadas com um discurso que diz que o feminino é submissão, sofrimento e sacrifício diante daquilo que seria o amor.

Quando essas experiências de amor não puderam ser constituídas e o olhar do sujeito sobre si é de desprezo, vazio, raiva, desgosto, não conseguindo amar quem se é, abre-se um caminho perigoso para o adoecimento e as violências. Pois se não vem o olhar do outro enquanto amor e desejo, virá pelo medo. Se a dependência é tão dolorosa e me deixa a mercê e me faz sentir vulnerável, posso deslocá-la para a atividade do domínio e da violência. Se na busca pelo olhar de amor e aceitação, aparece a invisibilidade e a rejeição, posso aprender a confiscar minha dor, guardá-la, para não expor minha fragilidade, principalmente se o discurso social for de “crítica às emoções e fragilidades” ou que “é preciso ser duro, forte, vencedor”.

Muitas vezes, encontrando escape no perverso mundo virtual. Essas dores contidas vão gerando tanto desconforto que podem implodir ou explodir. O amor não é produto, não são objetos adquiridos em lojas, não está nos números, o amor se dá nos encontros, nas presenças, nas aceitações, nas trocas, nos cuidados, nas fragilidades e potências partilhadas, no desejo de saber do outro, no seu importar, no cuidar do medo, da dor, da angústia, do suportar as dúvidas, do não desamparar, do aceitar diferenças, do escutar pedidos de ajuda, nas delicadezas, nas sutilezas, no não embrutecer. O amor é um aprendizado à empatia ,tolerância, perceber e cuidar do outro, o amor é um construir gosto por si.

O amor arrefece nossa destrutitividade sobre o outro. Quando as experiências amorosas não são construídas e o outro é visto apenas como uma coisa a ser dominada, possuída, utilizada, descartada, quando não tenho os recursos para lidar com as perdas, frustrações, impotência, quando as relações são marcadas por desrespeito e violências, o outro passa a ser alvo de ódio e eliminação, pois desejo e medo caminham juntos. Assim, ao não aprender nem vivenciar o amor, o adulto carrega em si, um vazio doloroso, protegido com inúmeras chaves e armadilhas explosivas, que podem detonar a qualquer aproximação que lembre, toque ou denuncie, o que desejaria ter recebido e vivido, mas não foi.

*Esse texto reflete, exclusivamente, o texto da autora.

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