Pesquisadores cearenses criam pulseira que detecta alergias a medicamentos e conseguem recurso de R$ 1,4 milhão

Verba será usada para criação de sistema integrado, dispositivo leitor e aplicativo móvel para identificação rápida das condições de saúde dos usuários

Escrito por
Lucas Falconery lucas.falconery@svm.com.br
Dispositivo com tela alerta sobre quais substâncias o paciente é alérgico
Legenda: Dispositivo com tela alerta sobre quais substâncias o paciente é alérgico
Foto: Kid Júnior

No antebraço, a tatuagem alerta: alergia à dipirona, trimetoprima e sulfa. A jornalista Líliam Cunha, de 44 anos, convive com sensibilidade a várias substâncias e decidiu estampar um aviso no local onde as medicações são aplicadas no corpo. "É uma forma de prevenção, em caso de acidente ou em qualquer outro problema na rua", compartilha sobre o medo.

Foi a partir de casos como o da Líliam que a médica alergologista Lorena Madeira idealizou um dispositivo – em forma de pulseira ou colar – para emitir avisos sonoros, luminosos e de texto sobre alergias do paciente para os profissionais da saúde. A tecnologia funciona por aproximação a um outro dispositivo com tela e está em fase de desenvolvimento para evitar erros diante de rotinas exigentes e da grande demanda em unidades de saúde.

A iniciativa recebeu o nome de AlertAlergo, sendo construída após aprovação em edital da CriarCE Hard, uma aceleradora pública de hardware da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece) do Ceará, em 2023. No último mês, o projeto recebeu o recurso de R$ 1,4 milhão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para uma possível aplicação no Sistema Único de Saúde (SUS).

Tatuagem no antebraço avisa sobre alergias a medicamentos em paciente
Legenda: Líliam fez a tatuagem como um alerta neste ano e já viu um resultado positivo
Foto: Acervo pessoal

Isso pode ter um impacto significativo na população, já que cerca de 30% dos brasileiros possuem algum tipo de alergia, conforme a Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI). Em ambiente hospitalar, aproximadamente 16% desses pacientes apresentam complicações alérgicas, das quais 84% poderiam ser evitadas, conforme a médica.

A partir dessa realidade, a proposta também envolve a criação de um botão “minhas alergias” na plataforma Meu SUS Digital como uma forma de garantir a privacidade e o sigilo das condições dos alérgicos.

“Os métodos usados até o momento pelos pacientes consistem em laudos ou carteiras de papel com as informações recebidas por aqueles que tiveram acesso ao especialista em Alergia e Imunologia”, contextualiza Lorena Madeira. A especialista considera que o pânico de receber remédio de forma indevida motiva a realização de tatuagens entre pacientes.

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Isso porque as substâncias podem levar ao quadro de anafilaxia – com irritação na pele, por exemplo –, e até edema de glote que pode bloquear a respiração e levar à morte em casos graves.

“Diante dessa problemática, nos sentimos desafiados a pensarmos uma solução mais eficaz e segura para chamar a atenção dos profissionais de saúde durante o atendimento desses pacientes”, considera a médica motivada a criar uma ferramenta de baixo custo e de fácil utilização, pensando também nos idosos e pessoas com deficiência.

Os esforços são somados pela especialista em Alergia e Imunologia Liana Jucá, a fisioterapeuta e doutora em Ciências Médicas Ingrid Correia, a estudante de Medicina Ludmila Theisen.

Grupo de pesquisadores cearenses criou dispositivo para alertar sobre alergia
Legenda: Grupo realiza reuniões com Ministério da Ciência e Tecnologia para implementação da solução no SUS
Foto: AlertAlergo/Divulgação

Além da CriarCE, pesquisadores de instituições como o Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), a Escola de Saúde Pública (ESP/CE) e a Universidade Federal do Ceará (UFC) Campus Quixadá, no Sertão Central, fazem parte do grupo. 

Mas, afinal, como tirar a ideia do papel?

Tecnologia cearense

O equipamento será desenvolvido para o cuidado dos pacientes alérgicos dentro das emergências para evitar distúrbios, principalmente, em pessoas com comorbidades. Na prática, é um dispositivo discreto com chip, que pode ser molhado e com bateria com duração de até 3 anos.  

“Essa tecnologia utiliza dispositivos em pulseiras e colares conectados ao dispositivo leitor que irá informar em tempo real emitindo alerta sonoro, vibratório, luz de led e escrita para a equipe de saúde”, explica Lorena Madeira. 

São feitas reuniões on-line do grupo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para avaliação da tecnologia atrelada ao Meu SUS Digital e a expansão do uso para pessoas com deficiências e idosos. 

Profissionais da saúde serão alertados antes da aplicação do medicamento
Legenda: Profissionais da saúde serão alertados antes da aplicação do medicamento
Foto: Kid Júnior

“O recurso vem para desenvolvermos um sistema integrado que inclui pulseira inteligentes com informações vitais, um dispositivo leitor e um aplicativo móvel para identificação rápida das condições de saúde dos usuários”, acrescenta a especialista.

Thiago Barros, coordenador da CriarCE Hard, descreve que há uma “jornada” até a implementação da ideia com o levantamento dos requisitos e funcionalidades. Feito isso, o dispositivo passou por uma prova de conceito e feito um teste prático. 

“Esse teste foi feito na Escola de Saúde Pública, no laboratório de simulação realística, sem ser em seres humanos. Como funcionou, vamos dar continuidade ao processo com a homologação na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A solicitação deve ser feita ainda neste ano e avançar conforme o aperfeiçoamento do dispositivo.

Coordenador explica que a solução pode ser implementada em hospitais públicos do País
Legenda: Coordenador explica que a solução pode ser implementada em hospitais públicos do País
Foto: Kid Júnior

Só então poderão ser feitos testes com seres humanos e chegar na última fase: industrialização para uso nos hospitais. "Nas bandejas, vai ter um pequeno display que se conecta com um colar ou pulseira com o paciente. Ele recebe isso do mesmo jeito quando é feito o acolhimento e recebe a pulseira de papel", compara.

A adoção de soluções tecnológicas assistivas no setor de saúde promete inúmeros benefícios, incluindo redução dos erros, melhoria na gestão de informações de saúde, aumento na segurança dos pacientes, facilitando o diagnóstico e tratamento rápido.
Lorena Madeira
Médica arlegologista

Desafios à implementação

Alguns desafios estruturais existem nesse percurso, como pondera Thiago, que envolvem o fluxo dos hospitais e a necessidade de importar alguns equipamentos.

"Ao implementar isso para os hospitais públicos, são milhares de unidades para atender milhões de pessoas. Então, esse desenvolvimento e essa construção no Brasil, onde ainda temos pouca industrialização para componentes eletrônicos, claro que vamos ter um desafio”, pontua.

A adoção de soluções tecnológicas assistivas no setor de saúde promete inúmeros benefícios, incluindo redução dos erros, melhoria na gestão de informações de saúde, aumento na segurança dos pacientes, facilitando o diagnóstico e tratamento rápido.
Thiago Barros
Coordenador da CriarCE Hard

Enquanto isso, foi o aviso no corpo que ajudou Líliam Cunha ao dar entrada em uma unidade de saúde, no último mês. “Fui na emergência e não conseguia falar. A enfermeira viu minha tatuagem, mesmo sem eu mostrar e já foi anotando e me botando a pulseira informando”, lembra.

Tatuagem alerta sobre alergias de paciente
Legenda: Tatuagem já serviu como alerta durante atendimento médico
Foto: Acervo pessoal

O problema com dipirona é sentido desde sempre, mas as demais alergias foram aparecendo ao longo do tempo. “Hoje tenho, por exemplo, alergia a pimenta. Basta alguém passar com ela por perto começo a me coçar”, detalha sobre a sensibilidade.

A jornalista também descobriu alergia à micropore (fita para curativo) “da pior maneira possível”. “Fiz uma cirurgia plástica reparatória em que a cicatriz vertical era no comprimento do abdômen. Comecei a sentir queimar, arder, deformou a cicatriz e tive que passar por duas outras cirurgias para corrigir o estrago que ficou”, completa.

Faço substituição: para dor e febre, paracetamol, se tiver que tomar antibiótico um que seja com outros componentes. Como esparadrapo, uso o transpore.
Líliam Cunha
Jornalista

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