Com quase 100 anos, Hospital César Cals tem futuro incerto e profissionais temem mudanças
Unidade do Centro de Fortaleza pode ter parte dos serviços absorvida pelo novo Hospital Universitário, no Itaperi

Com quase 97 anos de história na saúde cearense, o Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), no Centro de Fortaleza, atravessa um período de incertezas sobre a operação da unidade nos moldes em que funciona hoje. A recente abertura do Hospital Universitário do Ceará (HUC), no Itaperi, reavivou discussões sobre a possibilidade de fechamento do local, o que é negado pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).
A Pasta vem ressaltando que trabalha hoje com estudos técnicos para analisar quais serviços devem permanecer no César Cals - referência no atendimento materno e neonatal - e quais podem ser transferidos ao HUC, cuja capacidade é maior e mais moderna.
Essa indefinição chegou a motivar um protesto no dia 13 de março, em frente ao HGCC. Servidores se manifestaram contrários à desativação do hospital com gritos de “daqui não saio, daqui ninguém me tira”, e fixaram uma faixa na entrada que diz “Diga não ao fechamento do HGCC”.
O Diário do Nordeste esteve no local, na última semana, e conversou com alguns funcionários. Parte deles disse desconhecer tanto as negociações sobre a permanência no local quanto movimentos internos e organizados. Sob anonimato, uma enfermeira relatou que não é contra a inauguração do Hospital Universitário, mas contra o fechamento do César Cals. Outras pessoas não descartam a mudança devido à “modernidade” do novo equipamento.
Veja também
Integrante de um grupo com mais de 100 servidores favoráveis à manutenção do local, o técnico do laboratório de biópsias do HGCC, Leandro Neto, explica que o hospital é referência em vários serviços e fica num local de acesso mais fácil em comparação ao Itaperi.
“Aqui é central, tem metrô e ônibus. Fechar acaba prejudicando o cidadão”, relata. “E as pessoas que trabalham, na parte emocional, elas não têm a certeza do que vai acontecer. Querem transferir, mas não dão prazo”.
Nas últimas semanas, os funcionários vêm se engajando em campanha nas redes sociais. Num dos textos compartilhados em conjunto, eles alegam: “Fechar não é desculpa. Governo que constrói um mega hospital tem que ter recursos para reformar outros que funcionam”.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, a médica e secretária da Saúde do Ceará, Tânia Mara Coelho, rebate as críticas e garante que não haverá o encerramento da unidade. “Não estamos falando em fechamento do HGCC. Estamos avaliando a necessidade de transferir serviços que estão se tornando inviáveis de ficarem naquele hospital. É questão de segurança para os trabalhadores e pacientes”, assegura.
“Queremos dar o melhor aos trabalhadores e pacientes. Estamos fazendo toda uma programação para que não haja descontinuidade, que haja comunicação com a população para que não seja pega de surpresa. Estamos avaliando a maternidade, para que em nenhum momento a gente feche o serviço”, avalia.
Ela lembra que o César Cals é o hospital mais antigo da rede estadual, com 96 anos. Pelo próprio tempo das atividades, ela afirma que ele “já está com a estrutura bastante comprometida”. Por isso, há previsão de obras no local.
“A partir do momento que a gente começar a definir quais são os serviços que poderão migrar, vai haver o planejamento também da Sesa junto com a Superintendência de Obras Públicas (SOP) pra gente requalificar aquele ambiente, aquela estrutura hospitalar”, diz Coelho.

Fechamento de leitos?
O manifesto dos servidores ainda cita a possibilidade de fechamento, ainda que parcial, dos 290 leitos da unidade.
Tânia, contudo, diz que “a gente não sabe ainda quantos leitos nós vamos migrar para lá” (ao HUC). Segundo a projeção do Governo do Estado, o novo Hospital Universitário, quando estiver em pleno funcionamento, terá 832 leitos.
“Queria só deixar ciente e tranquilizar que as coisas estão sendo feitas muito pensadas, entendendo que há uma necessidade de que a gente escute todos os lados para dar o melhor para os profissionais de saúde, para as pessoas que estão sendo atendidas, respeitando o espaço físico e a segurança também, porque é muito importante a gente garantir segurança para os nossos profissionais”, ressalta.
Impacto para os servidores
Os trabalhadores resistentes à mudança também temem uma redução no quadro de funcionários, “pois não se cita ficar com cooperados e terceirizados”, que, segundo eles, “podem ficar desempregados”. Segundo o site da unidade, o HGCC tem 2.300 colaboradores; destes, segundo Leandro Neto, cerca de 1.000 são concursados.
Além disso, parte deles não deseja ser gerida pela Organização Social de Saúde (OSS), atualmente responsável pela administração do HUC. Nesse modelo, a instituição do terceiro setor, sem fins lucrativos, é responsável pelo gerenciamento de serviços de saúde em parceria com a Sesa.
A secretária da Saúde considera que parte das manifestações é prematura. “Tenho mais de 20 anos de gestão. Tudo o que a gente vai iniciar sempre vai receber crítica, mas temos que avaliar se é construtiva”, pensa.
Segundo ela, os funcionários de serviços do HGCC que precisarem da migração serão cedidos ao HUC. “Mas, se eles não quiserem ir pra lá, vão para outra unidade”, define.
Tânia pondera que, “toda vez que você tem mudança, tem pessoas que querem e pessoas que não querem”. Assim, afirma que o Governo do Estado está tentando conciliar todos os interesses sem que os pacientes sejam afetados.
“As pessoas que trabalham para dar essa assistência ao paciente também têm que ser ouvidas. Então, é nisso que a gente está trabalhando: para que a gente possa atender a todos de forma que a gente não prejudique o atendimento do paciente”, destaca.
História do César Cals
A concepção do César Cals foi gerada na Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, pelo médico obstetra Manuelito Moreira. Por ideia dele, foi aprovada a fundação da Sociedade Auxiliadora da Maternidade Dr. João Moreira - Sociedade Civil Beneficente.
A unidade inicialmente funcionou na própria Santa Casa, mas as condições de atuação eram limitadas. Manuelito Moreira e César Cals decidiram adquirir um terreno vizinho à Praça da Lagoinha, onde a sede própria foi inaugurada em 31 de outubro de 1928, com maternidade e casa de saúde.
Em 1973, o hospital atravessava um momento financeiramente difícil. O então governador do Ceará, César Cals de Oliveira Filho, se comprometeu a solucionar o problema. Assim, o Governo do Estado assumiu as responsabilidades administrativas da instituição, comprometendo-se a manter os mesmos serviços.
Além de realizar atendimentos, com o tempo, a unidade também se tornou um importante centro formador de profissionais da saúde, com estágios teórico-práticos e residência médica.
Em 2019, quando anunciou o projeto do HUC, o Governo do Estado informou que os serviços do HGCC seriam transferidos para o campus do Itaperi, dentro do Plano de Modernização da Saúde. Em 2021, a gestão reiterou que o HUC funcionaria como nova sede do César Cals.