A importância de resolver as pequenas coisas

Ao não elaborar as pequenas coisas, dissipar os pequenos desgastes o espaço para lidar com as coisas grandes fica diminuto ou inexistente.

Escrito por
Alessandra Silva Xavier producaodiario@svm.com.br
Legenda: No reino dos pequenos desgostos, o solo é fértil e próspero e multiplicam-se rapidamente desconfortos e irritações
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Existe ampla literatura sobre a relação entre solução de problemas e bem-estar emocional. Infelizmente, ao longo do processo educativo muitos dos esforços concentram-se no desenvolvimento de habilidades cognitivas e descuram do desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e do refletir sobre as questões humanas significativas.

Assim, vemos pessoas impulsivas, que negligenciam problemas, que negam os mesmos, que constroem expectativas mágicas de que os problemas se resolverão sozinhos ou com a intervenção dos outros, que não avaliam a situação em que estão, que não pedem ajuda, não ponderam as soluções, não exploram criativamente alternativas, não ousam se deparar com as frustrações, os medos e as dificuldades de lidar com a realidade.

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Construir essas refinadas habilidades psíquicas é fundamental para a vida e para as relações.

Pessoas que fogem dos problemas tendem a se isolar para não serem cobradas, reagindo agressivamente quando confrontadas. Nas relações, isso pode ser uma imensa fonte de conflito.

O convívio acrescenta obstáculos a serem resolvidos,  pois problemas fazem parte de uma vida que atua no mundo. Cotidianamente somos demandados a colocar energia para lidar com desafios emocionais, cognitivos, a pensar a existência, os dramas, os impactos das ações dos outros sobre nós, o inesperado, as responsabilidades, os desejos, os efeitos da natureza, as mudanças em nosso corpo, lidar com as metamorfoses da vida.

Problemas nos desafiam a pensar nas escolhas que fazemos, na rede de apoio que temos, no suporte que o Estado oferece, é um olhar para si, para o outro, para o mundo.

Muitas vezes, ao ver um problema, as pessoas se sentem impotentes diante deles, e não conseguem transformá-los em pequenos desafios. Desmontar em pequenas partes, começar por aquilo que é possível resolver, amplia a confiança e o gostar de si.

Entretanto, ao ser subjugado por um problema, acrescenta-se aflição e desperdício de energia, gerando muitas vezes cansaço contínuo e preocupações que vão minando as reservas emocionais. 

Em uma relação temos as nossas histórias, expectativas e desejos, que precisam dialogar com os desejos, expectativas e histórias do outro. Essa harmonia, desajuste, tensão e reajuste é dança complexa.

Muitas vezes, para evitar conflito, as pequenas coisas são invisibilizadas, vamos aceitando os pequenos desgastes, as pequenas raivas, as pequenas violências, vamos engolindo as palavras do diálogo que viram monólogo interno de desgosto e tristeza. No reino dos pequenos desgostos, o solo é fértil e próspero e multiplicam-se rapidamente desconfortos e irritações.

Ao não elaborar as pequenas coisas, dissipar os pequenos desgastes, o espaço para lidar com as coisas grandes fica diminuto ou inexistente.

Quando as coisas pequenas vão se acumulando  em uma relação, e algo grande acontece, não existe mais espaço; a paciência foi devorada pela irritação e cansaço, não houve diálogo para encontrar alternativas para o perdão, que deixa o solo limpo para fortalecer o amor. Fica-se sem reserva para acolher novos pequenos ou grandes problemas.

Além disso, nem tudo pode ser resolvido ou solucionado como desejado. Muitas vezes a solução é conviver com o desconforto das diferenças ou a solução possível e não a desejável. Enfrentar o desconforto é possibilidade de tomar posse de si e de conviver com o outro nas suas possibilidades. 

Para não desagradar, problemas não são postos à mesa, então o que será servido em uma relação pode ser não o amor, mas pedaços de si, sob o risco de aos poucos não ter mais nada para chamar de seu.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.