Sogros e sogras: as relações atravessadas pelas diferentes versões de nós
Os sogros e as sogras podem depositar sobre parceiros e parceiras tanto os próprios aspectos, quanto também a projeção das relações envolvendo seus próprios pais.

Quando chegamos na idade adulta, encontramos nossos pais adultos e se não tivermos condições de ressignificar essas relações, elas podem misturar e confundir aspectos daquilo que é nosso do que deles ainda permanece em nós.
No início da vida, não é possível diferenciar qual o meu desejo, do desejo daquilo que meus pais desejam de mim e para mim, até porque não existe ainda um sujeito diferenciado nessa relação. Aos poucos, é possível ir distinguindo, diferenciando, confrontando. Entretanto, para muitos, o desejo de ser aquilo que os pais idealizam pode permanecer por toda a vida, arrastando sofrimentos e sufocando a emergência de existir na própria pele.
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Quando namoramos ou passamos a nos relacionar intimamente com outras pessoas, entram em cena diversos aspectos inconscientes e fantasias que permeiam essas relações, atuando sobre a forma de transferência, ou seja, conteúdos que eram direcionados às figuras parentais passam a ser destinados a esses objetos de amor. Nesse enredo, muitas vezes as miragens se formam e podemos cobrar manifestações de afeto e dívidas emocionais a outrem, que são originárias das relações com os pais.
Por outro lado, os sogros e as sogras podem depositar sobre parceiros e parceiras tanto os próprios aspectos, quanto também a projeção das relações envolvendo seus próprios pais. Desta forma, a mistura transgeracional pode envolver: culpas, medos, dívidas emocionais, expectativas, silêncios, dores, desejos, prazeres que enlaçam pais, avós, filhos e parceiros.
Ao se deparar com o início da vida amorosa e sexual dos filhos e com uma vida fora da dinâmica familiar, os pais são confrontados tanto com o próprio envelhecimento quanto com as fantasias decorrentes do que significa essa ida dos filhos, que carregam as idealizações narcísicas desses pais, para o mundo - será que essa parte de mim realizará o que não consegui? Será melhor do que eu? Continuará me amando? Será mais feliz do que sou?
Medo do distanciamento
Existe o medo do distanciamento dos filhos, de "perderem" o filho para outra família, de serem "trocados", de não serem mais capazes de proteger ou cuidar dos filhos, e também raiva e inveja, pois os filhos podem ter feito melhores escolhas ou terem conquistado objetos de desejo que seriam dos pais e que os mesmos não conseguiram.
As projeções dos pais, conseguem muitas vezes ultrapassar as barreiras emocionais e dúvidas como: “meu filho está escolhendo errado igual a mim”; “essa pessoa não é boa o suficiente”,“ não acredito que meu bebê cresceu e ama mais essa criatura do que eu”; “essa pessoa não sabe cuidar tão bem como eu cuido” passarem a afetar as relações dos filhos com seus parceiros.
Pode acontecer também das escolhas amorosas fazerem espelhos para as sogras e sogros e os mesmos se veem quase duplicados nos namorados e namoradas, provocando disputas e rivalidades decorrentes das miragens narcísicas.
O fato é que muito da nossa vida emocional é colocada em jogo quando nos relacionamos intimamente com alguém e muito dificilmente é possível ter um relacionamento íntimo à margem do relacionamento com a família extensa.
Carregamos os desejos das nossas famílias dentro de nós e muitas vezes podemos usar nossa existência para tentar satisfazer os desejos dos nossos pais que foram sobre nós depositados. Podemos repetir o desejo de salvar e curar os pais através dos desejos de salvar, cuidar, curar, reparar as dores daqueles com quem convivemos.
Podemos querer a aceitação e o amor dos pais através dos relacionamentos de namoro e ou casamento; podemos nos posicionar de forma infantil buscando reparações e cuidados que não foram possíveis na infância e lançar companheiros e companheiras na arena da disputa com nossos pais externos ou os da nossa fantasia, para ver quem sobrevive às minhas provas de amor.
Assim, sogros e sogras podem ver noras e genros como projeções de aspectos seus; da mesma forma, genros e noras podem perceber tanto aspectos seus nos sogros e sogras, quanto aspectos dos seus pais.
Além disso, as representações psíquicas dos namorados, namoradas, esposas ou esposos podem mobilizar afeto, ou desconforto ao dialogarem com os desejos, reparações e fantasias construídas ao longo da história de vida, que se mesclam quando um sujeito ainda não se apropriou da própria trajetória.
Muitas vezes, os genros e as noras podem ser versões atualizadas, aperfeiçoadas ou pioradas dos sogros e das sogras. Não incomum, genros e noras podem vir a se relacionar com as sogras e sogros após a parceria com os filhos destes, no percurso complexo que envolve fantasia e desejo.
Entretanto, as escolhas por quem amamos, diz muito do que somos e do que buscamos, pois quando escolhemos determinado objeto amoroso, são nossos desejos que estão em cena. O que desejo repetir, reproduzir, modificar?
O que se repete do meu olhar sobre quem amo, no olhar e na minha relação com meu sogro e minha sogra? O que está verdadeiramente sendo disputado? O que vejo meu no meu sogro e na minha sogra? O que gosto de ver e o que existe em mim que incomoda quando me percebo no olhar deles? Qual a história dos meus sogros? Onde essa história dialoga com a dos meus pais? O que vejo de mim, criança que aparece na relação com meu sogro e sogra, o que eles acionam dos meus pais em mim?
Após superar a necessidade de validação dos meus pais, posso me sentir confrontado com uma nova validação, por outras figuras de autoridade e que de forma regressiva me colocam em novas situações de embate e revivência de emoções ambivalentes. O que desejo ou me sinto cobrado a provar a meu sogro e sogra que parece repetir o que me sentia cobrado pelos meus pais?
Será que consigo me distanciar e perceber que estou em um redemoinho de fantasias, perdido em competições e conflitos que não me pertencem mais? Será que consigo sair da casa real ou imaginária dos meus pais? Será que consigo conviver com a maternagem e a paternagem de outra família e manter meus limites e minhas fronteiras ou disputo para ser filho ou filha dos pais alheios?
Será que estou com um parceiro ou parceira adulto, ou a demanda é para que dispute com os sogros o lugar de pai e mãe dessa pessoa? Será que consigo receber amor e cuidado dos meus sogros mesmo que isso me lembre que não recebi dos meus pais? Consigo lidar com a inveja de não ter tido o que o parceiro ou parceira possuem?
Aprendemos muito com sogro e sogra, aprendemos muito sobre nós. São testemunhas da trajetória de nossos companheiros e companheiras, e suas primeiras experiências de amor. E se pudermos observar bem, talvez possamos perceber o que iremos receber de herança dessa história que pode ampliar a nossa própria em amor e cuidado ou trazer mais caos e conflito ao que já é meu. Nessa trajetória, cada um tem o sogro e a sogra que escolhe. A questão é descobrir o que estava buscando nessa escolha.
*Esse texto representa, exclusivamente, a opinião da autora.