Fagifor e Funsaúde: por que as duas fundações não deram certo no CE e quais impactos deixam nas gestões?

Fundações de saúde visam agilizar decisões operacionais e facilitar a inovação no setor; especialista explica que esse modelo pode apresentar dificuldades na governança institucional e transparência

(Atualizado às 07:22)
Uma profissional de saúde próximo a um leito de UTI
Legenda: A Fagifor seria responsável, de forma gradual, pela gestão de hospitais da Secretaria Municipal de Saúde
Foto: José Leomar

A exemplo da Fundação Regional de Saúde (Funsaúde), extinta pelo Governo do Estado em abril de 2023, a Fundação de Apoio à Gestão Integrada em Saúde de Fortaleza (Fagifor), criada para atuar na gestão de hospitais, UPAs, postos e demais equipamentos da saúde, também foi encerrada pela Prefeitura Municipal. A extinção da Fagifor, proposta enviada pela gestão de Evandro Leitão à Câmara Municipal, foi aprovada na quinta-feira (13). Se o modelo tinha como promessa dar mais eficiência administrativa e financeira aos recursos da saúde, por que não prosperou?

A Fagifor foi criada por lei em 2014, ainda na gestão Roberto Cláudio, mas só foi regulamentada em julho de 2023, no governo Sarto, quase 10 anos depois. A instituição é responsável por atuar na gestão hospitalar e ambulatorial, na atenção primária, nos serviços de urgência e emergência, no apoio diagnóstico e nas áreas de ensino, pesquisa e educação continuada.

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Como primeira ação, ela foi responsável por aplicar o concurso público para diversas áreas da saúde, em 2024. Além disso, assumiu a gestão do Hospital Distrital Edmilson Barros de Oliveira, mais conhecido como Frotinha de Messejana.

Segundo o contrato de desempenho assinado entre a Fagifor e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a Fundação seria responsável, de forma gradual, pela:

  • Gestão plena do Frotinha de Messejana após concluído o período de transição de 12 meses, contando a partir da assinatura do contrato, e a assunção das aquisições por parte da Fagifor;
  • Gestão técnico-administrativa de 6 hospitais municipais: Frotinha da Parangaba, Frotinha do Antônio Bezerra, Gonzaguinha da Barra do Ceará, Gonzaguinha do José Walter, Hospital da Mulher e Gonzaguinha de Messejana;
  • Gestão do serviço de implantação e gestão da tecnologia da informação, comunicação e inovação desses 7 hospitais municipais;
  • Gestão das escalas dos hospitais municipais e para os demais níveis de atenção à saúde, definidas pela SMS.

Quando a iniciativa foi regulamentada, ainda em 2023, o então secretário da Saúde da gestão de José Sarto (PDT), Galeno Taumaturgo, afirmou que a Fagifor seria “linha de frente”, cabendo à SMS pensar em ações macro. Isso traria para a Secretaria “uma maior agilidade nas políticas públicas”. “A Fagifor não define políticas. Ela realiza. Está na linha de frente para facilitar as ações”, ressaltou em entrevista ao Diário do Nordeste.

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Transição do modelo

Na Câmara Municipal, o líder do governo, Bruno Mesquita (PSD), informou que a extinção da Fagifor se deve ao não cumprimento da vocação prevista quando foi criada. Entre as questões não cumpridas, aponta ele, está a não implementação do Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) dos funcionários.

Na mensagem enviada à Câmara, Evandro Leitão explicou que a extinção da Fagifor “visa aprimorar a eficiência da gestão dos serviços de saúde, garantindo maior transparência, controle e efetividade na aplicação dos recursos públicos”. 

Para a nova gestão, a mudança permitirá a centralização de ações estratégicas na SMS, ampliando a capacidade de resposta às demandas da população. Assim, as atribuições da Fundação devem ser retomadas pela Secretaria.

O Diário do Nordeste solicitou à Prefeitura informações sobre os motivos que levaram à proposta de extinção da Fagifor. Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) disse apenas que com a extinção, "todas as competências e atribuições que deveriam ter sido desempenhadas pelo órgão serão incorporadas à SMS, incluindo a integração dos empregados públicos contratados".

Sem detalhar razões técnicas, a SMS reforçou na nota "que a centralização das ações estratégicas na SMS amplia a capacidade de resposta às demandas, aprimorando a eficiência da gestão dos serviços de saúde".

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Avaliação do Conselho Municipal de Saúde

Questionado sobre a Fagifor e a extinção da fundação agora, o Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza (CMSF) enviou ao Diário do Nordeste posicionamentos registrados pela entidade no relatório referente ao período de 2022-2024 no qual detalha, dentre outras situações, as avaliações em relação às situações envolvendo a gestão municipal, o Conselho e a Fagifor. 

O CMSF é um órgão colegiado permanente, deliberativo e fiscalizador, que integra a estrutura organizacional da Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza e é composto por representantes de usuários, gestores públicos, prestadores de serviço na área de saúde e profissionais de saúde.

Segundo o documento, em fevereiro de 2023, na 260º Reunião Ordinária do Pleno do CMSF, houve apresentação sobre a Fagifor, na qual diz o Conselho: "foram pontuadas algumas irregularidades na legislação e foi recomendado que se realizassem as correções". 

Mas, aponta o documento, “o que se sucedeu foi uma adequação parcial da legislação e uma sistemática exclusão de quaisquer obrigações de submissão ao Conselho de Saúde de contratos e seus respectivos relatórios sobre a execução de metas de desempenho, dos demonstrativos orçamentários e financeiros, que a SMS deve firmar com a Fundação, consequentemente, contrariando as competências deliberativas do CMSF”. 

De acordo com o documento, mesmo que a atuação dos conselhos de Saúde no SUS "pressuponha controle da execução da política de saúde, especialmente no que diz respeito aos aspectos econômicos, financeiros e à gerência técnico administrativa, a implantação da Fagifor prosseguiu a revelia dessas competências".

Diante dessa situação, em julho de 2023, o CMSF encaminhou uma denúncia sobre a Fagifor ao Ministério Público e desde então a situação, diz a entidade, é acompanhada na 138ª Promotoria de Justiça de Fortaleza - 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública.

O documento diz ainda que “a implantação da Fagifor foi tratada como uma 'decisão política do governo', desconsiderando a responsabilidade do Controle Social no SUS na formulação das diretrizes e no controle da execução das políticas de saúde”.

Concurso da Fagifor

Mesmo com o fim da Fagifor, a decisão da Prefeitura é manter a convocação de servidores aprovados no concurso público, desde que dentro do número de vagas previstas. Para isso, optou por prorrogar o certame por dois anos, a contar do término do prazo original.

“A nomeação das vagas remanescentes para o quadro da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) será realizada de forma gradual nos anos de 2026, 2027 e 2028, até que todos os candidatos aprovados dentro do número de vagas sejam convocados”, explica a medida, sem, no entanto, detalhar quantos candidatos devem ser chamados em cada período.

Fachada do Hospital Frotinha do Antônio Bezerra
Legenda: Hospital Distrital Evandro Ayres de Moura, o Frotinha do Antônio Bezerra, era uma das unidades que seriam administradas pela Fagifor
Foto: Divulgação/Prefeitura de Fortaleza

Outro detalhe é que tanto os empregados do quadro permanente da Fagifor em exercício quando os novos convocados devem ser submetidos ao regime estatutário, ou seja, servidores diretos do município de Fortaleza.

Até o fim de 2024, quase 1,3 mil profissionais já haviam sido contratados após 22 convocações, segundo ata da Fundação de 16 de dezembro. Ao todo, o certame ofertou 2.241 vagas para os níveis superior, médio e técnico.

Extinção da Funsaúde

A concepção da Fagifor lembra a da Fundação Regional de Saúde (Funsaúde), ligada ao Governo do Estado. Ela foi criada em 2020, na gestão Camilo Santana, com a promessa de encerrar contratos precários com profissionais por meio de cooperativas, além de gerir unidades de saúde através de um projeto de regionalização.

Contudo, a Fundação estadual foi extinta em abril de 2023. À época, a gestão Elmano de Freitas divulgou que suas competências e atribuições seriam reincorporadas à Secretaria Estadual da Saúde (Sesa). Além disso, se comprometeu a convocar e nomear todos os candidatos aprovados no concurso público promovido pela Fundação.

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O que é e para que serve uma Fundação?

O médico sanitarista, gestor em Saúde e professor universitário, Álvaro Madeira Neto, explica que uma Fundação de Saúde é uma organização pública criada para gerenciar serviços e recursos de saúde com “maior flexibilidade administrativa e financeira” em comparação à gestão direta por secretarias municipais ou estaduais.

Portanto, teria como objetivo central agilizar decisões operacionais e facilitar a inovação no setor. Porém, na prática, “frequentemente observa-se que esse modelo pode apresentar dificuldades na governança institucional e transparência pública, o que pode comprometer sua eficiência e eficácia a longo prazo, tornando-o complexo e vulnerável a influências políticas que acabam prejudicando a continuidade das ações propostas inicialmente”.

Assim, o especialista avalia que a criação da Funsaúde e da Fagifor teve uma proposta positiva, mas a extinção rápida de ambas “sugere desafios no alinhamento entre a proposta técnica e a realidade política local”.

“Esses desafios acabam enfraquecendo rapidamente esses modelos, levando à perda de confiança por parte dos profissionais e também da população”, pondera. Porém, isso não significa que o modelo das fundações seja ruim por si só.

“Na verdade, em alguns casos específicos, ele pode funcionar bem, desde que haja uma governança robusta, transparente e conectada com as necessidades reais da comunidade e dos trabalhadores da saúde”, ressalta Álvaro.

Reincorporação de demandas

Com a aprovação da reestruturação pelos vereadores da Capital, deve-se iniciar um processo de reintegração das atividades realizadas pela Fundação à Secretaria Municipal de Saúde.

Para o médico sanitarista e gestor em Saúde, Álvaro Madeira Neto, isso pode representar “uma decisão acertada”, especialmente se forem analisadas as dificuldades enfrentadas pelo modelo anterior. 

“Uma gestão centralizada, desde que bem estruturada, pode facilitar o controle social, melhorar a transparência no uso de recursos públicos e garantir clareza nas responsabilidades institucionais”, diz Álvaro Madeira Neto.

Segundo o professor, ainda que a administração direta tenha o desafio de superar a rigidez burocrática, uma gestão centralizada bem conduzida e fortalecida com participação ativa dos profissionais e da comunidade “pode garantir resultados mais sólidos e sustentáveis ao longo do tempo”.

 

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