É possível limpar rios e lagos de Fortaleza e liberar para banho da população?
Última atualização sobre balneabilidade dos corpos hídricos da Capital é de outubro de 2024. Secretaria aponta reestruturação do formato de estudo
Após mais de 100 anos de poluição, o rio Sena, em Paris, foi reaberto para banhistas depois de uma limpeza iniciada para os Jogos Olímpicos de 2024. A liberação histórica deixa uma pergunta para os fortalezenses: é possível limpar os rios e lagoas de Fortaleza para banho da população? Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste dizem que sim, mas explicam que isso exige um trabalho de gestão dos órgãos públicos e da sociedade.
Em Fortaleza, a população utiliza lagoas como espaço de recreação e lazer, como as da Parangaba e da Maraponga, apesar de serem classificadas impróprias para banho. Além disso, são realizadas pescas nos principais rios da Capital — Cocó e Ceará — que estão contaminados por agrotóxicos, como mostra um estudo realizado pelo Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A situação dos recursos hídricos de Fortaleza é monitorada pela Secretaria Municipal de Urbanismo de Meio Ambiente (Seuma) e publicada no Sistema de Informações Ambientais de Fortaleza (Siafor), que, atualmente, está fora do ar.
Além disso, o site da Seuma também apresenta a balneabilidade de rios e lagoas da Cidade, mas a última atualização é de outubro de 2024. Segundo a Prefeitura de Fortaleza, “o formato do estudo está sendo reestruturado e não está sendo disponibilizado no momento”.
Apesar disso, a Pasta explicou que as lagoas do Papicu, do Mondubim, Maria Vieira e do Catão, além do Açude Danilo, estão próprias para o banho, conforme resolução 274 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e análises de Escherichia coli (E.coli).
“Já Lago Jacarey, Lagoa da Messejana, Lagoa da Maraponga, Lagoa da Parangaba, dentre outros, fazem parte do grupo de corpos de água que não estão adequados para o contato primário”, diz nota da Seuma. A Pasta atribui esse estado de poluição ao lançamento irregular de esgoto e ao despejo irregular de lixo nos corpos d'água.
LIMPEZA DOS RIOS
A água de um rio é considerada própria para banho quando atende a critérios específicos baseados em indicadores microbiológicos. Segundo o Conama, esses critérios são:
- Máximo de 1.000 coliformes fecais (termotolerantes) por 100 mililitros;
- Máximo de 800 Escherichia coli por 100 mililitros.
Existem diversas formas de fazer a despoluição de um rio e a escolha por uma delas depende do grau de poluição do curso d’água e de que tipo de poluente ele recebe. No caso de Fortaleza, a principal fonte de poluição das águas é o despejo de esgoto sanitário. Os principais materiais encontrados nesses resíduos são matéria orgânica, nitrogênio, fósforo, sólido em suspensão e micro-organismos patogênicos.
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Portanto, a principal forma de fazer essa despoluição é controlando esses despejos. É o que explica o doutor em Engenharia Sanitária Michael Barbosa Viana, professor e pesquisador do Labomar.
“Se o esgoto doméstico não for tratado, desinfectado e despejado com quantidade elevada de microrganismo patogênicos, isso pode tornar a água imprópria para contato primário, para recreação mesmo, o que a gente chama de balneabilidade”, afirma.
Em Fortaleza, a infraestrutura de esgotamento sanitário alcança mais de 900 mil imóveis. Desses, 767,6 mil estão conectados às redes coletoras e outros 118,8 mil possuem ligações ociosas (não utilizam o serviço disponível). As informações são da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), enviadas em nota.
No caso das ligações ociosas, os imóveis utilizam fossa séptica ou realizam ligações irregulares. Conforme o Censo Demográfico 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em fevereiro de 2024, 12.727 domicílios ocupados em Fortaleza não fazem parte da rede adequada, e o esgoto deles é despejado em rios, lagos, córregos ou no mar.
As ligações clandestinas de esgoto doméstico aos sistemas de drenagem elevam o nível trófico da água, reduzindo a oxigenação no recurso hídrico. É o que explica o coordenador de Políticas Ambientais da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (Seuma), Gustavo Rocha.
“A principal forma de combater isso é garantir a universalização do serviço de esgotamento sanitário, sobretudo, nas áreas próximas a estes recursos, o que contemplaria, também, a limpeza dos rios e demais mananciais da cidade”, afirma.
Assim, é preciso eliminar as fontes poluidoras ou diminuir a carga de poluentes por meio de despejo de esgoto tratados e brutos. Em entrevista ao Diário do Nordeste, o gerente de Serviços da Ambiental Ceará, Remison Fortes, explica que a Parceria Público-Privada (PPP) firmada com a Cagece prevê a coleta do esgoto e a destinação correta.
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A despoluição é consequência da ampliação desse trabalho. “Ela vem através da melhoria e da ampliação do sistema de esgotamento sanitário em volta dos corpos hídricos”, afirma. Somado a isso, são realizadas ações de conscientização da população e fiscalização dos imóveis.
“Mais importante do que a gente investir de milhões de saneamento, em infraestrutura, é trazer a população para perto da gente. Imagina implantar a estação de tratamento, estação elevatória, rede de ligações, se a população não se interligar e não se interligar da forma correta”, explica.
O professor do departamento de Geografia da UFC, membro do Observatório das Metrópoles e colunista do Diário do Nordeste, Alexandre Queiroz Pereira, reitera a necessidade de regularização dos esgotos em Fortaleza. “É preciso sanar as dificuldades de ligações clandestinas, democratizar [o acesso ao saneamento básico] e acompanhar, além de fiscalizar ponto a ponto toda a bacia hidrográfica”, diz.
Na nota enviada à reportagem, a Seuma informa que as estratégias de despoluição dos corpos d'água incluem:
- Remoção de vegetação aquática excessiva e de resíduos sólidos flutuantes e submersos;
- Identificação e eliminação de ligações clandestinas de esgoto;
- Implementação de programas contínuos de educação ambiental, voltados à conscientização da população sobre os impactos ambientais dessas práticas inadequadas.
Para manter os rios limpos, o pesquisador do Labomar, Michael Barbosa Viana, acrescenta que é preciso realizar o monitoramento contínuo da qualidade da água, medindo o grau de poluição dos corpos d’água e evitando o retorno da poluição.
Em nota, a Seuma afirma que vem investido em infraestrutura, soluções de aeração, fitorremediação e controle de lançamentos de efluente para a manutenção e despoluição dos recursos hídricos urbanos.
Em 2025, já foi realizada a limpeza de 146 canais, 25 lagoas e 5.805 bocas de lobo na Cidade. Essas ações evitam a poluição das bacias hidrográficas de Fortaleza e contribuem na preservação dos recursos.
ÁGUAS DA CHUVA
Aliado a isso é preciso fazer o controle da água de escoamento urbano, a chamada drenagem pluvial urbana. “Essas águas de chuva acabam ‘lavando’ tudo que tem no continente, carreando tudo para os rios, e vai muita impureza de todo tipo”, explica o professor Michael Barbosa.
Fortes reitera que a rede de esgoto não é projetada para receber águas pluviais. “A partir do momento que você joga água da chuva na rede, ela sobrecarrega, recebe mais do que foi projetada e acaba vazando”, afirma.
Um dos riscos desse escoamento é quando existem áreas de plantação com uso de agrotóxicos próximos a bacias hidrográficas. Quando chove, esses fertilizantes são levados para os rios e as substâncias ficam acumuladas nos animais que ali vivem. Se a população consome esses peixes, pode ingerir esses elementos potencialmente cancerígenos.
Para um escoamento eficaz, o professor do Labomar exemplifica que podem ser aplicadas soluções baseadas na natureza (SBN). Essa metodologia reconhece a natureza e seus processos como fundamentais na construção das cidades, utilizando desses elementos para evitar problemas urbanos. Com isso, é possível substituir intervenções humanas poluidoras ou ambientalmente agressivas.
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Outra metodologia para despoluição é a dragagem e remoção de sedimentos, que consiste na retirada dos resíduos que ficam no fundo dos rios, acumulando poluentes, com uso de tratores ou escavadeiras. Isso ajuda a remediar a contaminação das águas e acelera o processo de recuperação dos rios.
RIO COCÓ
Em dezembro de 2023, o então novo gestor do Parque, o agrônomo Narciso Ferreira Mota, colocou a despoluição do rio como um das principais prioridades da gestão. “O rio vem sofrendo muito com vários tipos de poluição, então despoluir e reflorestar as áreas necessárias são dois pontos prioritários da gestão”, disse à época.
Em nota, a Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) informou que realiza regularmente ações de limpeza do rio, integração das comunidades do entorno, atividades semanais de educação ambiental e mutirões de limpeza.
Além disso, a Pasta vem realizando a articulação entre os diversos órgãos de governo (municipal, estadual e federal), setor privado e sociedade civil, instalados e atuantes direta e indiretamente no território da Bacia Hidrográfica do Rio Cocó para resolução do problema, por meio da retomada do projeto Pacto do Cocó.
RIO MARANGUAPINHO
Um dos principais recursos hídricos urbanos da Região Metropolitana de Fortaleza, o rio se estende por 34 km de extensão, abriga manguezais e corta três municípios. A Área de Preservação Ambiental (APA) do Maranguapinho foi criada por decreto estadual em 2021, e possui área total de 1.780 hectares.
Em nota, a Sema diz que “a gestão da APA do Rio Maranguapinho executa o monitoramento periódico da unidade de conservação e tem requerido oficialmente à Prefeitura de Fortaleza a limpeza dos pontos de deposição de resíduos sólidos domésticos e de construção civil no Rio Maranguapinho”.
A Prefeitura de Fortaleza, em parceria com o Instituto Winds for Future, instalou quatro ecobarreiras no rio, na altura do parque Rachel de Queiroz, e prevê outra quatro nos bairros Conjunto Ceará e Bom Jardim. A estimativa é que os equipamentos retirem entre 250 e 300 toneladas de resíduos por ano.
Os materiais coletados serão encaminhados para reciclagem ou, no caso dos não recicláveis, terão a destinação final adequada. A responsabilidade da triagem é do Instituto Winds.