Garantir a oferta de ensino médio em tempo integral em 100% das escolas públicas do Ceará até 2026. A meta, anunciada ainda na gestão de Camilo Santana (PT) e reafirmada por administrações posteriores, foi reforçada no Estado por uma lei em 2022 (17.995/22) e retomada como compromisso de campanha do atual governador Elmano de Freitas (PT) no mesmo ano. Às vésperas do início do ano de alcance da meta, o cenário já avançou, mas ainda é desafiante.

O Diário do Nordeste mostra como a rede estadual vem sendo reorganizada para cumprir o objetivo, em que ritmo a política avança e os impactos gerados nesse processo de adequação, como o fechamento de turmas. 

Em diferentes unidades escolares estaduais, o momento é de discussões internas e até protestos diante das mudanças adotadas pela Secretaria da Educação (Seduc) para o alcance da meta. A universalização do tempo integral, com jornadas de 45 horas semanais, cerca de 9h por dia, exige a construção de novas unidades e a adaptação de prédios já existentes, incluindo, por exemplo, a criação ou adequação de laboratórios, bibliotecas, quadras, vestiários e áreas de convivência.

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Legenda: O tempo integral no Ceará tem jornadas de 7h e 9h por dia na escola
Foto: Thiago Gadelha

Além disso, para que as escolas estaduais mudem do modelo regular (no qual os alunos passam apenas um turno na unidade) para o integral, é preciso, dentre outros,  reorganizar turmas, redefinir a quantidade de alunos em cada escola, ajustar a jornada de trabalho dos professores e reformular o currículo.

Na prática, essas medidas têm impactado a oferta de vagas, a permanência dos estudantes e, em alguns casos, levado ao fechamento de turmas e até de unidades, já que está em curso um reordenamento da rede.

O Diário do Nordeste publica neste mês uma série de matérias para discutir como está a tentativa do Governo do Estado de cumprir a promessa de universalizar o tempo integral no ensino médio das escolas da rede pública estadual em 2026, detalhando o número de unidades que ainda precisam efetivar a política, assim como os diferentes impactos para a comunidade escolar.

Isso ocorre porque, em prédios já existentes, uma escola regular consegue, por exemplo, atender cerca de 800 alunos distribuídos em dois turnos. Ao se tornar de tempo integral, a unidade passa a receber um número menor de estudantes, já que as turmas ocupam o espaço escolar durante todo o dia. Como consequência, há redução no total de matrículas e a necessidade de realocação de parte dos alunos para outras unidades da rede.

Qual a situação das escolas do Ceará?

No quadro geral, a rede estadual tem 766 escolas, das quais 531 funcionam em tempo integral, segundo a Seduc. Esse conjunto reúne diferentes modelos de ensino: escolas de tempo integral (sem formação profissionalizante); escolas de educação profissional (que une ensino médio à formação técnica); escolas do campo; escolas militares; e uma unidade quilombola.

Em todos esses formatos, os alunos ficam na escola em dois turnos, com jornadas diárias que variam de 7 a 9 horas de aula.

Mas, outras 235 unidades ainda não operam em regime de tempo integral. Destas, 151 devem ter a jornada ampliada até o fim de 2026, já que, embora a meta oficial seja ofertar o ensino médio em tempo integral em 100% das escolas públicas do Ceará até esse prazo, na prática a mudança de modelo não alcançará todas as unidades. 

Segundo a Seduc, 79 unidades têm modalidades específicas e não devem adotar o tempo integral no momento, como escolas indígenas, os Centros de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) e a unidade do sistema prisional. Assim, a ampliação precisa alcançar 151 escolas que ainda funcionam no modelo regular.

Vale destacar que a implementação do ensino em tempo integral ocorre de forma gradual. A universalização começa com os estudantes do 1º ano e, ao longo de três anos, é estendida a todas as turmas das escolas que passam pelo processo de transição.

Dessa forma, ao final de 2026, as 151 escolas deverão ter todos os alunos do 1º ano em tempo integral, enquanto os estudantes do 2º e 3º anos permanecerão no regime regular, sendo incorporados ao novo modelo apenas em 2027 e 2028, respectivamente.

Na mudança de modelo, em curso no Ceará há anos, escolas já foram adaptadas e outras construídas. A Seduc informou, sem detalhar quanto já foi executado que, a universalização do tempo integral exige a construção de 138 escolas, com investimento superior a R$ 1,6 bilhão.

Embora questionada pela reportagem, a pasta não detalhou quantas unidades estão em obras, quantas devem ser entregues em 2026 ou quantas ainda serão iniciadas.

A secretária executiva do Ensino Médio e Profissional, Jucineide Fernandes, em entrevista ao Diário do Nordeste, reforça que o momento é de organização.

Em 2026, não vamos começar 100% (das escolas no tempo integral) em janeiro. Até o final do ano, a gente fica com todas as primeiras séries, porque ainda estamos construindo algumas escolas. Até agosto a gente consegue alcançar 100% das turmas de 1ª séries no tempo integral. 
Jucineide Fernandes
Secretária executiva do Ensino Médio e Profissional

De acordo com ela, algumas escolas devem ofertar o tempo integral em maio e outras em agosto. No caso de Fortaleza, cidade cuja demanda por construção e adaptação de escolas é a maior, Jucineide diz que 27 escolas regulares se tornarão de tempo integral em 2026. Dentre elas, instituições tradicionais como a César Cals e a Adauto Bezerra, que, nesse momento, estão passando por reformas para adaptação da infraestrutura.

Nosso trabalho agora é fazer análise de matrícula, conversar com a comunidade escolar, organizar a estrutura. Estamos nesse processo.
Jucineide Fernandes
Secretária executiva do Ensino Médio e Profissional

Além disso, um dos efeitos é que com a redução da oferta de vagas nessas escolas, a orientação da Seduc é que as instituições priorizem os estudantes que moram nas proximidades de cada unidade.

"Realmente vamos diminuir a oferta de vagas da primeira série nessas duas escolas (Cesar Cals e Adauto Bezerra) e em todas que vão ofertar o tempo integral, mas não vai faltar vagas para os estudantes de Fortaleza, pois estamos reordenado em outras escolas próximas que não tinham tanta procura", destaca.

Em relação a data que os novos alunos do tempo integral começarão a permanecer na jornada ampliada, Jucineide diz que as famílias e adolescentes estão sendo informados que o tempo integral será aplicado ou a partir de maio ou de agosto de 2026. “Eles começarão no regime de tempo parcial, mas passarão para o tempo integral a partir desses meses”, reitera. A transição ocorrerá à medida que as escolas forem entregues.

Fechamento de turmas e adaptações

Esse processo tem gerado tensões nas unidades afetadas pelo remodelamento. Uma delas é a Escola de Ensino Fundamental e Médio Getúlio Vargas, na cidade de Farias Brito, no Cariri cearense. Conforme apurado pelo Diário do Nordeste, na escola, que tem quase 80 anos de existência, haverá, em 2026,  o fechamento das turmas de 1º ano. 

“A escola foi impedida pela Crede 19 de abrir 1° ano na sede. Um processo na Justiça foi aberto pelos pais pois foi negado o direito de matrícula nos 1° anos”, relatou uma fonte que não será identificada, a pedido da mesma. De acordo com a fonte, os alunos que iriam ingressar na Getúlio Vargas foram direcionados a outra escola, uma unidade profissionalizante aberta na cidade há 2 anos. 

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“Sugerimos abrir um CEJA, mas a resposta foi não. Conveniente é lotar turmas com 45 alunos, ao invés de distribuir de forma justa.  Deixar apenas duas escolas em tempo integral tira o direito do aluno de escolher onde estudar e de optar por um único turno”, aponta a fonte e completa: “os professores efetivos serão transferidos para a EEMTI de Farias Brito, porém os outros funcionários serão demitidos. Serão 54 desempregados, professores temporários, auxiliares, vigilantes que ficarão sem ter como sustentar suas famílias”, explicou.

Segundo a Seduc, Escola Getúlio Vargas "não oferecia a 1ª série desde 2023. Em 2024, ficou com a 2ª e 3ª e em 2025, esteve só com a 3ª série". 

Em Fortaleza, onde está concentrado o maior número de escolas regulares da rede estadual que devem ser convertidas em tempo integral,  situações semelhantes têm gerado protestos de comunidades escolares. 

Na EEFM Constança Távora, no bairro Cajazeiras, a gestão escolar foi convocada pelo Governo para uma reunião, no final de novembro, na qual foi informado que a escola não ofertará vagas para turmas de 1º ano do ensino médio em 2026 e que alunos do 9º ano da unidade serão remanejados para outra escola. “Não houve reunião prévia ou ofício, somente essa reunião”, acrescenta a fonte que não será identificada.

De acordo com a fonte, a sensação é de apreensão na unidade pois “com o fechamento da primeira série, nós teremos um esvaziamento do ensino médio da escola e, em 2027, quem garante que continuaremos a funcionar como tal? Quem garante que nossa escola não entre em um processo de municipalização? O ponto que levantamos é que nossos alunos tenham o direito de escolher onde desejam estudar e que toda a rede possa se fortalecer”.

Na mesma escola, o professor Elton Barreto, que é o coordenador pedagógico, argumenta que não há motivo pedagógico ou administrativo para a medida. A única explicação provável, defende ele, é um interesse político. Ele também ressalta que, com a mudança, os alunos terão que migrar para a nova EEMTI Paulo Ayrton, mas essa migração, chamada por ele de forçada, na avaliação dele, ignora as dinâmicas socioespaciais e a segurança.

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Legenda: Hoje, cerca de 77% das escolas da rede estadual já são de tempo integral
Foto: Thiago Gadelha

Isso porque, embora a nova escola (Paulo Ayrton) fique a cerca de 2 km da Constança, as duas escolas atendem a públicos distintos. Segundo Elton, muitos estudantes não podem transitar entre os territórios devido aos conflitos entre facções. Os pais dos alunos do 9º ano já informaram que não irão matricular os filhos na Paulo Ayrton se o 1º ano não for ofertado na Constância Távora, por medo da insegurança, aponta.

Em reação, a comunidade tem se mobilizado para impedir o que, segundo ele, considera um "golpe" contra a escola, realizando abaixo-assinados e reuniões. O professor também mencionou que a escola possui uma infraestrutura limitada, sem quadra coberta, refeitório adequado, laboratório de ciências ou auditório, mas que, apesar disso, a qualidade educacional e a procura por matrículas melhoraram.

Questionada pelo Diário do Nordeste, a Seduc informou que em 2025 a rede estadual registrou 109.311 estudantes matriculados na 1ª série do ensino médio. Em 2026, diz a pasta, “serão disponibilizadas todas as vagas necessárias para atender à demanda de matrícula, garantindo o acesso de todos os estudantes”.

O Diário do Nordeste também indagou a Seduc sobre esse processo e quantas escolas serão fechadas nesse redimensionamento para a universalização. A pasta garante que em 2026 “apenas a Escola Getúlio Vargas, em Farias Brito, encerrará suas atividades”. No município, as matrículas serão redistribuídas entre as escolas EEMTI Gabriel Bezerra de Morais e a EEEP Antônio Valmir Ribeiro, inaugurada em 2024.

Em Fortaleza, até o momento, a Seduc admite que as turmas do 1ª ano de duas escolas (Constança Távora, no bairro Cajazeiras; e a Dias Macedo) serão afetadas e absorvidas, respectivamente, pelas EEMTI Paulo Ayrton e Guilherme Wassen. Segundo a pasta, as unidades que irão receber os alunos “passaram por ampliação dos espaços e dispõem de estrutura adequada para receber a demanda do tempo integral”. 

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Já as escolas Constância Távora e Dias Macedo “seguirão funcionando normalmente, mantendo a oferta para a 2ª e a 3ª séries do Ensino Médio e também do Ensino Fundamental.”, diz a secretaria. 

A Seduc defende que “as decisões foram construídas em diálogo com as gestões escolares” e que “a Secretaria realiza estudos anualmente com o objetivo de fortalecer o projeto pedagógico das unidades escolares, aprimorar a organização da rede e ajustar a oferta educacional conforme a demanda apresentada por cada território”.

Histórico do tempo integral no Ceará

No Ceará, conforme já publicado pelo Diário do Nordeste, a experiência do tempo integral na rede estadual teve início em 2006, com a implantação do modelo no Colégio Justiniano de Serpa, em Fortaleza. A partir dessa iniciativa, o Estado foi passou a expandir gradualmente a jornada ampliada, incorporando, em 2008, as Escolas Estaduais de Educação Profissional, que ofertam cursos técnicos conectados ao Ensino Médio. 

Ao longo dos anos, leis estaduais têm consolidado o modelo e a ampliação na rede estadual se deu em diferentes regiões do Ceará. Com  isso, o tempo integral passou a ser uma das principais estratégias da política educacional do Estado.

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Legenda: Na jornada ampliada os alunos têm contato com atividades diversificadas dentro e fora das salas
Foto: Thiago Gadelha

Atualmente, a rede estadual conta com diferentes formatos de ensino em tempo integral. As Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, chamadas de EMTI oferecem uma jornada ampliada com foco na formação geral e no desenvolvimento de competências socioemocionais e projetos de vida. 

Já as Escolas Estaduais de Educação Profissional, chamadas de EEP, articulam o ensino médio à formação técnica, com estágio obrigatório no último ano. Esses modelos atendem tanto áreas urbanas quanto municípios do interior e a matrícula envolve um processo de seleção. 

Apesar dos avanços, a expansão do tempo integral no Ceará, nas últimas décadas, é cercada de desafios, como a necessidade de investimentos em infraestrutura, alimentação, recursos pedagógicos e adaptação do trabalho docente. No modelo de jornada ampliada, a formação geral básica é combinada com atividades diversificadas, como projetos pedagógicos, práticas esportivas, ações culturais e, em alguns casos, formação técnica. 

*Estagiária sob supervisão da jornalista Dahiana Araújo.