Da Praia da Barra à Sabiaguaba: a geografia de Fortaleza tem 4 pontos onde rio e mar se misturam

Alguns cursos d’água importantes para a História social e ambiental da capital cearense são confundidos com esgotos

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Encontro do Rio Cocó com o mar na Praia da Sabiaguaba
Legenda: Encontro do Rio Cocó com o mar na Praia da Sabiaguaba, em Fortaleza
Foto: Thiago Gadelha

Fortaleza nasceu, 296 anos, à margem esquerda do Riacho Pajeú. Hoje, esse berço da cidade está quase todo soterrado por ruas e avenidas, esquecido. Numa cidade de encontros e desencontros, o curso d’água se abraça com o mar, mas se aparta da memória coletiva – assim como os outros 3 pontos da capital onde água doce e salgada se misturam.

No 296º aniversário da capital cearense, neste dia 13 de abril, mostramos os pontos de encontro de rios e riachos com o mar, importantes para a História social e ambiental da cidade, mas desvalorizados por quem vive e quem governa aqui.

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1- Riacho Pajeú e Poço da Draga

Foi ao redor do Pajeú que a cidade cresceu e foi ocupada, em 1726. Agora, o riacho só pode ser visualizado em alguns trechos no Centro de Fortaleza, como pontua Fábio de Oliveira Matos, doutor em Geografia e professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar).

“Ele é totalmente invisibilizado, porque está canalizado por baixo de construções ou nem é percebido como um curso d’água. Com o crescimento da cidade, ela engoliu o riacho. Hoje, ele é depositário de ligação de esgoto clandestino”, lamenta.

Trecho aberto do Riacho Pajeú no Centro de Fortaleza, em 2019
Legenda: Trecho aberto do Riacho Pajeú no Centro de Fortaleza, em 2019
Foto: Helene Santos

O riacho nasce no encontro entre as ruas Silva Paulet e Bárbara de Alencar, embaixo de condomínios e supermercados; e segue pelo Centro da cidade até desaguar na Praia do Poço da Draga – ponto que, aliás, é dia a dia mais frequentado pelos fortalezenses.

poço da draga
Legenda: O riacho nasce no encontro entre as ruas Silva Paulet e Bárbara de Alencar e segue pelo Centro da cidade até desaguar na Praia do Poço da Draga
Foto: Kid Júnior

Para ver a água turva, basta ir até o Bosque do Riacho Pajeú – ou Praça da CDL –, à Cidade da Criança ou ao Paço Municipal, trecho onde o recurso hídrico é melhor mantido, como destaca o professor Fábio.

2- Riacho Maceió e Praia do Mucuripe

A foz do Riacho Maceió fica no Parque Bisão, na Avenida Beira Mar, ponto onde a água doce toca o sal do mar do Mucuripe. “Ele tem um papel histórico-social importante. Jangadeiros utilizavam a água tanto para consumo como para a pesca”, relembra o geógrafo.

Hoje, o entorno da área aberta do Maceió é marcado por intervenções de urbanização, na tentativa de controlar o processo de ocupação das margens – que se tornam área de risco em período de chuva, uma “resposta da natureza” ao esquecimento.

Encontro do Riacho Maceió com o mar na Praia do Mucuripe
Legenda: Encontro do Riacho Maceió com o mar na Praia do Mucuripe, em Fortaleza
Foto: José Leomar

“Fizemos uma pesquisa e os moradores ao redor nem sabem que aquilo é um rio, acham que é canal, esgoto. O Maceió tem como foz um dos principais pontos turísticos da cidade, que é a Beira Mar, mas não há qualquer indicativo de que aquilo é um riacho”, critica Fábio.

O Parque do Riacho Maceió – ou Otacílio Teixeira Lima Neto (Bisão) – foi revitalizado pela Prefeitura de Fortaleza e entregue em julho de 2014. Cerca de R$ 7 milhões foram investidos em urbanização, recuperação do recurso hídrico e em obras de drenagem.

3- Rio Ceará e Praia da Barra do Ceará

Um dos cartões-postais de Fortaleza é (ou deveria ser) a paisagem composta por rio, mar e a ponte sobre eles, na Barra do Ceará. Muitos defendem, aliás, que foi lá que a cidade nasceu, e não no Pajeú. De uma forma ou de outra, o encontro das águas é também de gentes, veias por onde flui o DNA do fortalezense.

“A população local utiliza muito o espaço da Barra, que se modificou, mas ainda mantém a relação. Crianças pulam do mirante, nadam na foz do rio Ceará. Há passeios de barco. Isso perpassa pela valorização, por políticas públicas”, destaca o professor do Labomar.

Trecho do Rio Ceará, próximo ao encontro com o mar da Barra do Ceará
Legenda: Trecho do Rio Ceará, próximo ao encontro com o mar da Barra do Ceará
Foto: Natinho Rodrigues

O geógrafo recobra que mais de 100 embarcações transportavam pessoas entre Fortaleza e Caucaia, por meio do Rio Ceará. Hoje, com o assoreamento, a navegabilidade está prejudicada, mas o espaço resiste em beleza e utilidade, como observa Maria do Céu de Lima, doutora em Geografia Humana e professora da UFC.

“A preservação dos recursos hídricos é essencial para manter as condições hidrográficas. Além da beleza paisagística, os rios Ceará e Cocó, mesmo sob os impactos das atividades econômicas e dinâmicas urbanas, têm grande importância para a manutenção dos ecossistemas costeiros na cidade.”

4- Rio Cocó e Praia da Sabiaguaba

Um dos cursos d’água mais longos, ricos e essenciais de Fortaleza, o Rio Cocó nasce na Serra da Aratanha, em Pacatuba, e deságua na Praia da Sabiaguaba – encontro que forma uma das paisagens mais bonitas da Capital, mas marcado pelo reflexo de problemas sociais.

“Na Sabiaguaba, temos uma questão mais complexa: a problemática do uso do espaço. Ainda há ocupação por pessoas em situação de vulnerabilidade, por ausência de planejamento público”, analisa Fábio Matos.

Na área mais central, a natureza é sufocada pelo concreto: o universo ao redor do Cocó é um dos mais afetados pela especulação imobiliária, como avalia Fábio. “É preciso uma corresponsabilização entre sociedade e poder público para entender que o Cocó e os demais encontros são essenciais à vida na cidade, ao clima e às espécies.”

Trecho do Rio Cocó, próximo ao encontro com o mar da Praia da Sabiaguaba
Legenda: Trecho do Rio Cocó, próximo ao encontro com o mar da Praia da Sabiaguaba, em Fortaleza
Foto: Thiago Gadelha

A professora Maria do Céu acrescenta que a urbanização das áreas de entorno dos rios Cocó, Ceará e dos riachos Pajeú e Maceió impossibilitaram a permanência de usos tradicionais pelas populações, “como banhos e uso da água”.

“Não resta dúvida que significativas mudanças das características hidrográficas foram provocadas em seus cursos. Mas eles fazem parte da história do processo de ocupação e constituição do território fortalezense. São patrimônios na cidade.”

“Fortaleza não valoriza esses encontros”

Para o fortalezense, a capital cearense, aniversariante do dia, é uma das mais lindas do País. Esta repórter, aliás, ganha olhos de turista ao olhar o mar, os rios e toda a diversidade de paisagens da cidade. Mas a gente, de fato, valoriza esses encontros?

O geógrafo Fábio Matos é enfático ao dizer: “não, não valoriza. Isso está estampado pela forma de tratamento que os encontros de rio com o mar recebem, o estado em que estão.

Riacho Maceió Fortaleza
Legenda: Trecho em que o Riacho Maceió deságua no Mucuripe
Foto: Kid Júnior

Segundo ele, “a grande problemática dos 4 pontos é a necessidade de um planejamento urbano que inclua esses rios como parte da paisagem, garanta a sustentabilidade dos recursos hídricos”. 

A exemplo do Riacho Maceió, na Beira Mar; e do Pajeú, que repercute na Heráclito Graça; recursos ricos viram, na realidade, “áreas alagadas e de risco”, como resposta natural aos maus-tratos.

É preciso responsabilidade da sociedade e políticas públicas para que esses lugares possam se manter saudáveis enquanto rios, que fauna e flora possam se sustentar nesses espaços.
Fábio de Oliveira Matos
Geógrafo

Em nota, a Secretaria do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) informou que “possui políticas públicas ambientais para preservação e fiscalização dos recursos hídricos”, a lista projetos em execução na cidade:

  • Captação em Tempo Seco: intercepção dos efluentes nas saídas das galerias pluviais, redirecionando para a rede de esgoto, com destinação final na estação de tratamento; 
  • Vídeo Inspeção de Galerias de Drenagem: atua em 150 km de galerias pluviais, realizando a desobstrução e o tamponamento de ligações clandestinas;
  • Se Liga na Rede: visa realizar a ligação de até 2.500 imóveis de baixa renda, situados na bacia da vertente marítima, à rede de esgoto, além da fiscalização da regularidade das ligações de esgoto de 13 mil imóveis situados na parte leste da orla;
  • Monitoramento da Água: análise da qualidade da água de recursos hídricos e de Estações de Tratamento de Efluentes (ETEs) de Fortaleza. 

Todas as ações, complementa a Pasta, “visam a melhoria dos corpos hídricos para balneabilidade e preservação da vida marinha”.

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