Qual o seu lugar em Fortaleza? Espaços públicos permitem reencontros após isolamento social

No aniversário de 296 anos da Capital, locais reformados ou construídos durante a pandemia ganham vida com a presença de fortalezenses sem medidas restritivas

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Casal
Legenda: Voltar aos espaços públicos traz a esperança de dias melhores depois do isolamento social imposto pela pandemia
Foto: Thiago Gadelha

Sol na pele, vento no rosto, gente ao redor. Fora de casa, o respiro se liberta depois do peito preso por dois anos de tensão e de perdas incalculáveis em Fortaleza. Hoje, quem vive aqui celebra a existência em espaços construídos ou reformados durante a pandemia - pontos de reencontros possibilitados pela proteção coletiva contra a Covid-19.

Fortaleza completa 296 anos, nesta quarta-feira (13), no momento em que a população volta a ocupar espaços públicos. Por isso, o Diário do Nordeste percorreu alguns dos ambientes escolhidos por famílias e amigos para o processo de reconhecimento da cidade.

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Essa experiência acontece sobre as rodas de um patinete para o pequeno Davi Ribeiro, de 7 anos, no Parque Rachel de Queiroz, no bairro Presidente Kennedy. O espaço com área de 203 hectares ganhou uma nova estrutura entregue em fevereiro deste ano.

“É um lazer que nós estávamos precisando há muito tempo, esse espaço não existia aqui no Presidente Kennedy”, conta a avó Luíza Ribeiro, de 60 anos. Moradora do local há 15 anos, o significado do local passou de medo para acolhimento, como define.

Avó e neto
Legenda: Avó e neto aproveitam atividades ao ar livre perto de casa
Foto: Lucas Falconery

“Essa era área muito isolada, nós tínhamos problema até de querer passar por aqui porque não tinha condição. Eu fui assaltada duas vezes aqui”, lembra. Agora o parque faz parte da rotina de cuidados com a criança.

“Meu neto é autista e o tratamento dele não parou, então ele teve que ficar comigo para fazer o traslado dele e essa era a única coisa que nós saímos”, destaca sobre o período de isolamento.

Os dias em casa exigiram cuidados com a saúde física e mental para manter-se bem e cuidar do neto. “Saí de uma liberdade que eu tinha para ficar numa condição de prisioneira da situação com a pandemia”, resume.

Luíza nasceu e ama Fortaleza, como frisa, e enxerga a importância de ter alternativas de lazer espalhadas pela cidade. “Estamos voltando aos poucos, com cuidado, porque a gente não pode achar que está uma maravilha”, pondera sobre o aumento de síndromes gripais no período da chuva.

Parque Rachel de Queiroz
Legenda: Parque Rachel de Queiroz reúne espaços para prática esportiva, piqueniques, caminhadas e passeios de bicicleta
Foto: Thiago Gadelha

Ainda assim, as máscaras já não encobrem mais o sorriso dos casais, que percorrem o espaço de mãos dadas. Nem das crianças que aproveitam para pedalar ou soltar pipa. 

Quem aproveita o campo para uma partida de futebol, volta a ter o contato físico inimaginável sem as vacinas

“Eu estou querendo muito que essas árvores se desenvolvam, porque a gente vai ter mais uma opção: fazer piquenique. Só está faltando uma sombra”, completa Luíza.

inter@

Retorno à infância

A Cidade da Criança, no Centro de Fortaleza, voltou a abrir os portões em uma nova configuração em dezembro do ano passado. O equipamento público, de 27 mil m², abriga cerca de 120 anos de vivências dos fortalezenses.

Entre essas histórias, está a da economista Marilene Costa, de 57 anos, que reencontra as memórias da infância. “Me traz boas recordações, porque quando eu era criança vinha aqui com minhas irmãs e meus pais. Hoje, estou de volta para ter aula”, destaca.

Idosas
Legenda: Lazer ao ar livre faz parte da programação de crianças a idosos nos espaços reformados durante a pandemia
Foto: Thiago Gadelha

Isso porque agora Mari, como gosta de ser chamada, consegue movimentar o corpo fora de casa e aproveita para aprender a pedalar no projeto Bike Anjo.

“Quando as atividades foram voltando aos poucos, e eu já tinha tomado as duas doses da vacina, eu vi que podia sair de casa para lazer e me inseri em grupos de trilhas”, destaca.

Mari
Legenda: Mari encontra sentido na rotina por meio da prática de exercícios físicos
Foto: Lucas Falconery

Desde então, Fortaleza virou pista de corrida - em alguns momentos de até 21 km - para a economista. Os bancos dos parques se tornam espaço para troca de conversa. Antes disso, a falta do ar livre perspassava a saudade da praia, de onde ficou longe por dois anos.

“Essas atividades que eu comecei a participar, como corrida de rua, pilates, as trilhas é importante pela questão do bem-estar, porque a saúde não é só a questão de tratar da alimentação e fazer atividade'', destaca.

“Não foi fácil para ninguém e, eu que sou uma pessoa muito ativa, foi bem complicado, me dediquei aos cuidados com a minha mãe para diminuir os riscos, mas mantive minha rotina de atividades físicas em casa”, lembra.

Outros usos do espaço

Rafael de Sousa, de 32 anos, brinca com a pequena Ester, mesmo com o sol forte típico de Fortaleza, no Parque Dom Aloísio Lorscheider, no bairro Itaperi, onde já funcionou o Instituto Penal Professor Olavo Oliveira (IPPOO) I.

O parque possui 27 m², com estrutura para brincadeiras e espaço onde deve funcionar uma biblioteca. Parte do trajeto, Rafael escolheu o lugar para aproveitar o momento com a filha.

Pai e filha
Legenda: Rafael busca espaços para prática esportiva e de lazer no tempo livre com a filha
Foto: Lucas Falconery

“Eu já conhecia, porque minha namorada mora aqui próximo, e era um local totalmente mal aproveitado devido ter sido um antigo presídio. Então, é um melhor aproveitamento do espaço público, principalmente, pro lazer. Não só das crianças, mas também adultos”.

O período em casa levou um dos aspectos mais importantes do cotidiano, como reflete, sem o convívio social. “A quebra da rotina, de sair pro trabalho, eu tinha o hábito de ir ao shopping, ir com minha filha para o cinema. Foram meses muito difíceis”, ressalta.

Fortaleza se expandiu muito, mas do meu ponto de vista, a parte de infraestrutura para lazer melhorou bastante. Começou com as atividades físicas e, infelizmente, nem todo mundo tem acesso por questões financeiras
Rafael de Sousa
Vendedor

“Eu acho que pegar mais a periferia mesmo, aqui é um local que não deixa de atender vários públicos, mas tem quem ficar a desejar. Existem bairros bem carentes, a gente está no caminho, mas que deve seguir mais para atingir essas pessoas”, conclui.

A percepção do Rafael se evidencia ao circular entre os espaços abordados nesta reportagem. Os desafios urbanos causados pela desigualdade social não somem da vista. Os bancos da Praça da Bandeira, assim como a escadaria da Faculdade de Direito, continuam ocupados por pessoas em situação de rua. 

Na Praça Otávio Bonfim, no bairro Farias Brito, um menino de calção laranja permanece na incerteza quanto ao que comer. Numa manhã, um pão carioquinha da banca de lanches foi o alimento.

Quem frequenta esses espaços?

O planejamento urbano deve considerar os usos da população do espaço público e permitir o acesso da população aos espaços de lazer, como explica Wellington Maciel, professor da Universidade Estadual do Ceará e coordenador do Grupo de Pesquisa Ciências Sociais e Cidade (CSC).

Se você observar, o planejamento urbano prevê um uso para os espaços na cidade, só que o uso cotidiano, que a população imprime para esses espaços, às vezes não coincide com esses planejamentos
Wellington Maciel
Sociólogo

O especialista observa um crescimento intenso da população, que não acompanha a geração de renda. Além disso, o gerenciamento dos espaços urbanos como resposta ao cenário de violência.

Incluir a população nos espaços que demarcam a cidade possibilita uma vivência menos desigual desses espaços.

Por isso, é preciso analisar quem frequenta os locais disponíveis. “São de classe média, um público mais intelectualizado, que tem uma outra relação com a estética e consumo da cidade”, observa sobre trechos da cidade, como a Cidade da Criança.

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