Como o terceiro ano de pandemia e a nova onda de casos de Covid impactam a saúde mental da população

Retorno das limitações para encontros afetivos e receio da infecção podem gerar sensação de angústia, mas avanço na imunização dá maior segurança à população

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Isolamento
Legenda: Isolamento mais rígido voltou a ser o aconselhamento no cenário de maior transmissão do coronavírus
Foto: Camila Lima

Enxergar o fim da pandemia parece mais difícil quando, na verdade, o que se vê é o alto número de contaminados pelo coronavírus desde o fim do último mês no Ceará. O medo, as incertezas e os riscos da doença - e de seus impactos -, somados à relevância de intensificar o isolamento social, no terceiro ano da crise sanitária, podem se manifestar por meio de ansiedade, depressão e burnout. Mas há um apoio.

Especialistas em saúde mental ouvidos pelo Diário do Nordeste ressaltam a importância dos avanços científicos, com destaque para o processo de imunização contra a Covid-19, como o pilar determinante para superar a pandemia que insiste em desolar os cearenses.

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“Agora que já estamos na pandemia há bastante tempo, somente pensar na possibilidade de um agravamento do quadro, pode trazer sentimentos negativos para muitas pessoas. É uma atualização da experiência anterior”, define a psicóloga Ayra Moraes.

Isso acontece como quebra no momento em que os cearenses, de modo geral, estavam mais seguros para retomar atividades presenciais com o avanço da imunização. O Estado possui mais de 70% da população imunizada.

É entrar em contato novamente com inseguranças e medos podendo trazer uma sobrecarga emocional e grande estresse. O retorno de algumas medidas restritivas e novos casos sendo confirmados, pode ser igualmente, ou até mais difícil para algumas pessoas devido à experiência anterior
Ayra Moraes
Psicóloga

O medo, então, ganha o plural nos pensamentos negativos sobre a pandemia não ter fim, a possibilidade de se infectar e transmitir a doença para pessoas mais vulneráveis.

“Tudo isso pode gerar uma grande desmotivação: se não vejo perspectiva para o futuro, se não consigo fazer planos já que não sei se vou poder realizá-los, não vou mais me engajar em muitas das minhas atividades porque elas deixam de fazer sentido”, aponta.

Esse somatório de frustrações acaba por levar mais pessoas aos consultórios, que se tornaram em grande parte virtuais durante a pandemia, na busca por suporte psicológico.

Terapia
Legenda: Terapia surge com maior evidência entre as formas de lidar com a pandemia
Foto: Camila Lima

“Há um aumento crescente na busca por atendimentos individuais, em sua maioria com demandas de ansiedade e quadros depressivos pelo efeito prolongado da pandemia. Nos mais jovens vemos falta de motivação e desânimo com o futuro também”, acrescenta Ayra.

A análise está em conformidade com a observação da psicóloga e doutora em saúde coletiva Layza Castelo Branco. “O quadro de ansiedade aumentou bastante e, nas clínicas, a procura por psicoterapia e por consultas psiquiátricas aumentou muito com a pandemia”.

No atual cenário, os medos são diferentes dos relatados na 1ª e 2º ondas pandêmicas. O receio da morte reduziu com a distribuição das vacinas e mesmo a preocupação com os imunizantes, sentido por parcela da sociedade, não ecoa de forma considerável, como observa. 

"Também tem sido uma incerteza, quando as crianças vão se vacinar? O governo liberou ou não liberou? Então, eu acho que com medo de não ter a vacina tem causado algumas ansiedades”, frisa.

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As incertezas também dizem respeito às mudanças no cotidiano, como observa o psicólogo e professor na Universidade Federal do Ceará (UFC), José Olinda Braga. 

“Muitas pessoas, de fato, são afetadas do ponto de vista psíquico, emocional, porque passam obrigatoriamente a ter um estilo de vida diferente. Alguns têm, talvez até a maioria, dificuldades enormes de prosseguir no seu trabalho, de ter a garantia da sua sobrevivência e dos seus familiares e tudo isso afeta significativamente a saúde”

Impactos conforme faixa etária

Quem fica mais tempo em casa por causa das restrições da pandemia perde os benefícios da troca de afeto e das descobertas na troca com o outro. Mas esse impacto acontece de forma diferente dependendo do momento em que se vive.

No caso dos pequenos, não só a formação escolar é comprometida como as habilidades treinadas com os pares. “O impacto é no desenvolvimento físico e psicossocial de crianças pequenas que precisam conviver”, analisa Layza Castelo Branco.

Já os jovens são afetados pelas possibilidades de amadurecimento negadas pela necessidade de permanecer em casa por dois anos e com restrições ainda válidas.

“A adolescência é exatamente o período de ruptura dessa relação com pais supostamente heróis, que cuidam e resolvem tudo, é quando precisa encontrar pessoas da mesma idade, de vivenciar as primeiras relações afetivas e sensações de liberdade”

Os idosos acompanham os prejuízos do isolamento à medida que são mais vulneráveis à Covid-19 e têm suas atividades de lazer e sociabilização anuladas em detrimento da proteção contra a doença.

Idosos
Legenda: Idosos são mais vulneráveis não só à Covid-19, mas também aos prejuízos emocionais
Foto: Honório Barbosa

“Tem muito idoso que também entrou no processo de depressão e de solidão, porque são pessoas que não mexem tanto em mídias eletrônicas”, destaca sobre a principal alternativa para sociabilização e resolução de atividades em um contexto de isolamento.

Pandemia: problema comum, mas com prejuízos diferentes

Além da idade, as condições sociais e financeiras são importantes ao se avaliar o efeito da volta do isolamento com a crescente de casos.

“A angústia está mais ligada aos processos de luto, são situações de perda de emprego, de familiares e amigos. Até uma perda simbólica da liberdade, que não é só perder efetivamente algo, mas perder possibilidades de ser”, avalia Layza.

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Há quem perdeu também "a casa” e deixou de lado “a possibilidade de sonhar com o filho na faculdade”, como exemplifica a especialista.

Então, nesses dois últimos anos aconteceram essas perdas que não necessariamente são de pessoas e que trouxeram essas situações de angústias que podem ser disparadores para outros tipos de adoecimento mental como a depressão
Layza Castelo Branco
Psicóloga e professora na Universidade Estadual do Ceará

Ayra Moraes percebe existir mais fatores de risco nos pacientes com transtornos relacionados ao estresse. “Quem está pagando um preço ainda maior são aqueles que tinham algum tipo de vulnerabilidade antes da pandemia. Seja porque já tinham diagnóstico psiquiátrico ou outro problema, ou por condições sociais e financeiras”, completa.

Então, ao que se apegar nesse momento?

Deixar de ver as pessoas pode trazer insegurança, medo, frustração e angústia, como lista Ayra Moraes. Os reflexos também podem se apresentar como transtornos de humor, estresse excessivo, ansiedade patológica, irritabilidade, medo e insônia.

“Manter a interação social, mesmo a distância, pode ser a chave para driblar os efeitos negativos da quarentena, uma vez que esse cenário contribui para a prevalência de efeitos psicológicos negativos”, indica.

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Nutrir a esperança na redução dos casos graves devido à imunização também contribui para acalmar a mente. “Com o maior número de pessoas vacinadas, redução do número de casos graves, aprimoramento dos estudos em relação à vacina. É preciso viver as situações conforme os acontecimentos, desta maneira minimizamos sinais de ansiedade”.

Nesse contexto, é importante:

  • Ter momentos de autocuidado
  • Compreender e trabalhar sentimentos de ansiedade, medo e auto-culpabilização
  • Estar perto de pessoas que sejam uma rede de apoio
  • Praticar atividades físicas
  • Ter momentos de descanso

Layza Castelo Branco aponta a fé como ferramenta para algumas pessoas no enfrentamento da pandemia. A ciência, que já lidou e erradicou outras doenças, desponta como ponto de apoio.

José Braga também resgata outros momentos em que doenças foram superadas como crença no fim da atual pandemia.  “Na história da humanidade nenhum vírus ou bactéria perdurou a vida inteira, ele sempre tem um ciclo de pra acabar”, ressalta.

A melhor forma de lidar com o medo é suprir o medo de conhecimento à medida que nós formos informados e corretamente informados sem exageros, mas fundamentos, com conhecimento científico
José Olinda Braga
Psicólogo e professor na UFC

Uso de medicações para a saúde mental

Quem enfrenta um abalo mais intenso da saúde mental deve buscar ajuda especializada e não partir para a automedicação

“Muitas vezes o vizinho, balconista da farmácias, recomendam esses medicamentos que são ‘bandeides emocionais’. Mas é preciso muito cuidado com a liberalidade que se criou com os remédios de faixa preta”, alerta a psiquiatra Luísa Bisol.

Também professora na UFC, a especialista lembra a necessidade de não confundir tristeza com depressão ou ansiedade normal com transtornos.

A gente está numa situação em que todos ficamos preocupados, mas a partir do momento que eu deixo de fazer as coisas ou há uma intensidade que eu não consigo lidar pelos mecanismos internos, a resiliência, posso ficar vulnerável
Luísa Bisol
Psiquiatra

Além dos medicamentos, o álcool ou outras substâncias são usadas como válvula de escape, mas que podem agravar a situação.

“Essa sensação muito ruim que a gente deu um passo para trás, porque a gente vinha avançando, que aumenta um pouco a sensibilidade ao estresse, porque parece que não tem fim”, conclui sobre o cenário.

Onde procurar ajuda

Plantão Psicológico - ProVida (Sesa) 

Por meio da plataforma digital Plantão Coronavírus, a Secretaria Executiva de Políticas de Saúde da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) implementou o ProVida.

O atendimento é realizado por psicólogos habilitados e capacitados em Primeiros Socorros Psicológicos de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h.

O serviço pode ser acessado pelos seguintes canais: WhatsApp (85) 8439-0647, Telegram (@plantaocoronavirus), hotsite Coronavirus Ceará, chat pelos sites do Governo do Estado e da Sesa, além do Ceará App, disponível nas plataformas Android e iOS.

Plantão Psicológico - UFC 

Por iniciativa do Laboratório de Estudos em Psicoterapia, Fenomenologia e Sociedade (LAPFES), a Universidade Federal do Ceará (UFC) oferta, de forma on-line, plantão psicológico gratuito. O serviço funciona às terças (de 14h às 19h) e sextas-feiras (entre 08h e 12h; e entre 14h e 19h).

Para solicitar vaga, é necessário preencher um formulário eletrônico no mesmo dia em que se busca receber o atendimento.

Às terças, o formulário para inscrições é aberto às 10h. Já nas sextas, é aberto às 7h, com atendimentos pela manhã; e às 10h, com atendimentos à tarde.  A marcação prossegue até o preenchimento do número de vagas para a data.

Instituto Bia Dote 

Organização não governamental e sem fins lucrativos que trabalha com a prevenção do suicídio, o Instituto Bia Dote oferece atendimento psicológico gratuito em Fortaleza para pessoas a partir de 12 anos. Interessados devem entrar em contato com a instituição pelo WhatsApp (85) 9 9842-0403. 

Após o contato, é realizado um cadastro e o paciente entra em uma fila de espera. Em seguida, participa de uma triagem, a partir da qual pode ser chamado a fazer psicoterapia uma vez por semana, presencialmente, na instituição.

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