Com 5,1 milhões de pessoas na pobreza, CE tem 33% da população em situação extrema vivendo com R$ 89

Segundo registros do Cadastro Único, mecanismo do Governo Federal, 3 milhões de cearenses vivem em condição de pobreza extrema

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Legenda: Elizabeth da Silva, moradora do bairro Alto da Balança, ressalta as limitações devido à falta de renda.
Foto: Natinho Rodrigues

Sobreviver com R$ 89,00 por mês. Condição extrema que no Ceará, segundo registros do Cadastro Único, mecanismo do Governo Federal, era a realidade de 3.068.443 de pessoas em outubro de 2020. Os dados são os mais atualizados disponíveis pelo Ministério da Cidadania. Conforme a pasta, no Ceará, 5.121.972 pessoas vivem em situação de pobreza e extrema pobreza, pois as famílias têm renda de até meio salário mínimo por pessoa ou até 3 salários mínimos de renda mensal total.

O Cadastro Único, mecanismo do Governo Federal de acesso a programas sociais para a população vulnerável, reúne um conjunto de informações sobre a condição dos indivíduos e das famílias brasileiras. No primeiro ano da pandemia, a situação de pobreza avançou. No Ceará, o total de famílias registradas no Cadastro Único em outubro do ano passado - 1.891.694 - , foi o maior número desde dezembro de 2014, quando 1.882.907 grupos familiares estavam em condição de baixa renda e miséria. 

No Estado, a população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano passado era de 9.187.103. Assim sendo, o total de pessoas no Cadastro Único em situação de pobreza ou extrema pobreza representava 55,75% da população. Já aqueles em condição de miséria, cuja renda é de somente R$ 89,00 mensais, representam 33% do total de habitantes estimados pelo IBGE. 

Por meio do sistema do Cadastro Único, o Governo Federal e, consequentemente, os estaduais e municipais, têm conhecimento sobre quem e quantas são as pessoas que estão na pobreza e extrema pobreza no Brasil. A partir dos dados é possível projetar e executar políticas de assistência social, incluindo as ações de transferência de renda. O programa social mais conhecido que utiliza o Cadastro Único é o Bolsa Família. Mas, durante a pandemia foi esse sistema que norteou a disponibilização do auxílio emergencial.  

Em Fortaleza, a autônoma Elizabeth da Silva Lorenço, moradora do bairro Alto da Balança, está registrada no Cadastro Único e ressalta as limitações vivenciadas na pandemia devido à falta de renda. No dia a dia, explica, vende roupas usadas em uma feira de rua na Aerolândia, enquanto o marido trabalha com o comércio de frutas nos semáforos da região e, segundo ela, recebe cerca de R$ 200 a 300 por mês. Além de informais, as duas rendas são baixas.    

A casa de  Elizabeth é um vão, no qual o único compartimento separado é o banheiro. Na residência, vivem, além do casal, dois filhos adolescentes, estudantes de escolas públicas.

“Na pandemia, eu fiquei sem trabalho porque não tinha feira e meu marido ficou em casa também porque não podia vender no sinal. Ficou muito apertado. Depois voltamos a trabalhar, mas sem o auxílio é muito complicado”, conta.

O registro da condição de vida via sistema do Cadastro Único faz com que a parcela pobre da população possa ter acesso a direitos como moradia, alimentação, educação e renda. Nos municípios para se cadastrar é preciso buscar os Centros de Referência da Assistência Social (Cras).

“Cada município tem um Cras. Quando tem esse nível de pobreza, eles procuram o Cras, que faz o cadastro e remete [a nós]. Ao mesmo tempo, quando há violação de direitos, eles vão até o Crea, que também nos remetem, e a gente vai catalogando tudo isso”, detalha Socorro França, titular da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania Mulheres e Direitos Humanos (SPS) no Ceará. 

A secretária defende que o assistencialismo seja aliado a ações e programas voltados à capacitação e geração de oportunidades para a parcela da população que se encontra em situação de vulnerabilidade. Nesse contexto, ela reforça a necessidade de incentivar efetivamente o trabalho dos Cras e dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) em cada município, como forma de tornar mais abrangente o contato com quem mais precisa do apoio do Estado. 

"Hoje mesmo o governador anunciou que assinou um decreto para viabilizar empréstimos de até 3 mil reais, se não me engano, para fazer com que mães e mulheres possam ser capacitadas e gerar renda em casa, como montar salão de beleza, fazer comércio. Outra coisa que estamos fazendo é capacitar a juventude através do programa Criando Oportunidades", lembra Socorro França.

Com a crise sanitária, foi preciso tomar medidas extras para reduzir os efeitos da paralisação de atividades. A titular da SPS enfatiza as ações de distribuição de alimentos, máscaras e materiais de higiene, promovidas pelo Governo do Estado. Ela garante que a gestão está se organizando para que possa não só atender de imediato, mas também oferecer novas oportunidades às pessoas em situação de vulnerabilidade.

“Nós olhamos muito para os focos principais, Educação, Saúde e Segurança, que são essenciais, mas poderia ser colocar nesse mesmo patamar a assistência social. Porque nós temos uma população pobre, IDH abaixo, uma população que continua ainda sofrendo, e chegou uma pandemia que ninguém esperava, provocou mudanças muito drásticas, e a gente precisa estar atento à assistência social”, destaca.

Análise

Luciana Custódio

Assistente Social, atual gestora da OSC Projeto Frente Beneficente para Criança

 

Dilema social

A extrema pobreza, tão expressiva na Região Nordeste, permeia a realidade de quem vive no campo e na cidade. Todavia, nos centros urbanos, a miséria ocupa o mesmo território da extrema violência. São duas facetas da mesma vivência social que impõem uma dura realidade e encerra qualquer expectativa de superação desse cenário de marginalização e desigualdade social.

Se a miséria não pode ser considerada condição factual para a violência, sua causa não deita raízes apenas na instância moral do ser humano. É bom lembrar que o desemprego, as situações precárias de trabalho e de miséria atingem principalmente as mulheres, sobretudo as pretas e pardas, em grande parte, responsáveis pelo sustento da família nessas comunidades. Muito cedo elas veem seus filhos encarcerados ou mortos. Os que sobrevivem reproduzem o contexto de miséria ao não alcançarem níveis desejáveis de educação e ocuparem postos de trabalho informais e precários, com renda muito aquém à necessária para uma vida de qualidade. Isso quando não são arregimentados, ainda na adolescência, à associação ao tráfico de drogas, em facções criminosas.

O pior erro é pensar que a solução está em ações repressivas que atuam nos efeitos dessa realidade. As Políticas Públicas precisam ser pensadas e aplicadas à base, atuando nas causas dessa condição social. Só com políticas que reparem erros históricos; que assegurem Assistência para quem dela necessite, com recurso suficiente a toda sua implementação; com Educação de qualidade acessível a toda a população; com Sistema Público de Saúde capaz de promover saúde integral ao cidadão; com geração de emprego e renda que valorize a classe trabalhadora é possível superar a extrema miséria e desigualdade social.

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