15 cidades da Chapada do Araripe no CE terão áreas reflorestadas até 2026 para conter crise do clima
Projeto acontece simultaneamente em três estados com ações para melhora da qualidade do ar, a recuperação de áreas degradadas e a proteção de recursos hídricos
A possibilidade de desertificação ameaça um território-abrigo para árvores, animais, fontes de água e populações do Ceará, Pernambuco e Piauí: a Chapada do Araripe. Por lá, um grupo atua com a missão de reflorestar uma área de 500 hectares – algo como 500 campos de futebol – com 1,2 milhão de árvores nativas. Essas ações para a conservação da caatinga começaram há dois anos e seguem até 2026.
A primeira metade da iniciativa aconteceu com a mobilização de proprietários formalização de parcerias com nove instituições, capacitações, identificação de 30 propriedades para implantação de agroflorestas e mapeamento de mais de 30 nascentes.
Os recursos para a continuidade do projeto estão garantidos e o grupo atua na região onde desmatamento e as queimadas estão entre os principais problemas ambientais. Isso ligado ao manejo de fogo para uso do solo com finalidade de agricultura ou pastagem. A Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada do Araripe possui 972.605,18 hectares.
Considerada a maior bacia sedimentar do interior do Nordeste, a Chapada do Araripe também pode ser chamada de “caixa d’água do semiárido” por causa da abundância de nascentes e pela absorção da água da chuva. A área, inclusive, divide bacias hidrográficas do Jaguaribe ao Norte, do São Francisco ao Sul e do Parnaíba a Oeste.
É nesse contexto que atua a Rede de Conservação e Restauração da Chapada do Araripe, que é uma iniciativa do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), uma organização sem fins lucrativos criada na Universidade Federal de Pernambuco. Para isso, há um apoio do Fundo Socioambiental da Caixa Econômica para a realização das atividades.
As metas envolvem:
- Restauração florestal de 500 hectares;
- Implantação de 30 sistemas agroflorestais;
- Realização de capacitações;
- Estruturação de mercados locais de sementes e mudas de espécies nativas, entre 2022 e 2026.
O grupo também pretende engajar comunidades tradicionais para as demandas do projeto.
A área da Chapada do Araripe onde há atuação da equipe envolve 15 municípios cearenses, nove em Pernambuco e outros nove no Piauí. A estimativa do grupo é de que mais de 30 mil pessoas sejam beneficiadas de forma direta e indireta.
As propriedades são usadas, principalmente, para a produção de alimentos como mandioca, feijão, milho, pequi e banana. Também há uma atuação forte na pecuária com a criação de bovinos e caprinos. Além disso, alguns se dedicam à apicultura e à produção de soja.
Joaquim Freitas, coordenador da iniciativa, explica que o Cepan já atuou no reflorestamento de 100 hectares na região em 2020 e, em 2022, começou o esforço para atuar na recuperação de uma área ainda maior.
"Agora a gente quer ganhar escala nessas ações de capacitação, principalmente, conseguindo envolver a comunidade tradicional e agricultores no processo de restauração para internalizar essas práticas no dia a dia", avalia.
Veja também
Além de atuar diretamente com proprietários de terras que podem ser acompanhados pelo grupo, há um objetivo de gerar recursos para a comunidade por meio da coleta de sementes nativas e produção de mudas que são utilizadas para o reflorestamento.
Saiba 10 espécies usadas no reflorestamento e o uso:
- Jatobá (Hymenaea courbaril L.): Alimentícia, Medicinal
- Pau-d’óleo (Copaifera langsdorffii Desf.): Medicinal
- Aroeira (Astronium urundeuva): Medicinal
- Angico (Anadenanthera cf. colubrina): Madeireiro, Medicinal, Melífero,
- Jacarandá-violeta (Ducke): Madeireiro, Melífero, Ornamental
- Jucá (Libidibia ferrea): Celulose, Forrageiro, Madeireiro
- Jurema-preta (Mimosa tenuiflora): Cosmético, Forrageiro
- Umbú (Spondias tuberosa): Alimentício, Artesanal, Madeireiro
- Mandacaru (Cereus jamacaru DC): Alimentício, forrageiro
- Timbaúba (Enterolobium contortisiliquum): Artesanal, Forrageiro, Madeireiro
Além do plantio, são implantados sistemas agroflorestais para diminuir o impacto da agricultura tradicional sobre o meio ambiente e melhorar a segurança alimentar da população. Nesse caso, árvores ou arbustos são combinados de maneira planejada para diversificar a produção e proteger o solo.
“A região tem escassez hídrica e dificuldade para ter uma diversidade de culturas por causa da questão climática", indica Joaquim.
"Nós queremos recuperar 30 nascentes que estão degradadas ou em processo de degradação, recuperando a vegetação nativa para a gente conseguir manter essa disponibilidade hídrica para essa que é uma das caixas d'água do semiárido”, acrescenta o coordenador.
Municípios cearenses na Chapada do Araripe
- Abaiara
- Araripe
- Barbalha
- Brejo Santo
- Campos Sales
- Crato
- Porteira
- Jardim
- Jati
- Missão Velha
- Nova Olinda
- Penaforte
- Potengi
- Salitre
- Santana do Cariri
Mudanças climáticas
O reflorestamento é uma ferramenta de combate às mudanças climáticas, a preservação da biodiversidade, proteção dos recursos hídricos, melhoria da qualidade do ar “e tudo isso garantindo a sobrevivência da vida humana, pois somado a importância ecologia, temos a social e econômica”.
A análise é de Lamartine Oliveira, professor de silvicultura, assessor técnico em manejo da arborização e coordenador da Secretaria do Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará (UFC). Para o especialista, é urgente restaurar ecossistemas degradados e promover a sustentabilidade.
“Na atual crise climática mundial, o reflorestamento tem como objetivo principal salvar o nosso planeta, não existe ‘Planeta B’. Assim, essa é umas das ações que precisamos adotar para frear ou sair dessa crise”, sendo o plantio de mudas nativas uma saída.
O principal gás responsável pelo aquecimento global é o dióxido de carbono e árvores em pleno crescimento capturam e armazenam carbono da atmosfera. Além disso, o reflorestamento contribui com a recuperação do solo, que também tem potencial para armazenar carbono.
Joaquim reflete que qualquer ação de plantio tem um efeito local com melhora do microclima, da biodiversidade e da percolação de água. Com uma escala maior, como o projeto propõe, o efeito pode ser regional.
"Essas ações de restauração escalonadas têm o potencial grande de impedir que as fronteiras de desertificação se expandam. Essas fronteiras são causadas, para além da alteração climática, pela desregulação do uso do solo", completa.
“Uma vez que essa floresta está sendo colocada em solos de áreas degradadas, estamos minimizando esse processo, melhorando a qualidade dele"
Joaquim também enxerga o potencial de geração de renda num contexto no qual, por vezes, são necessários até 100 kgs de semente por hectare.
“Nacionalmente, nós temos o mercado de sementes nativas para restauração florestal. Temos grandes redes de sementes, a maioria de caráter comunitário e de populações tradicionais, que estão conseguindo recursos com isso”, acrescenta.
Como acontece o reflorestamento
O reflorestamento é o processo de recuperação de uma área vegetal que estava parcialmente ou totalmente comprometida. Conforme Lamartine, a principal técnica é o plantio de mudas de árvores.
A partir disso, o processo de reflorestamento de um terreno vai depender do nível de degradação e do objetivo final e isso exige uma análise de quem entende do assunto para definir a melhor estratégia.
"É fundamental buscar apoio de um especialista, para avaliar o terreno, determinar as técnicas a serem utilizadas, estabelecer o planejamento, implementar e realizar o monitoramento e possíveis intervenções ao longo do tempo a fim de alcançar o objetivo pretendido".
Mas, quais são as melhores espécies para o reflorestamento? Para Lamartine, uma resposta é certa: nativas da região. "Elas são mais adaptadas ao clima, solo e outras condições locais". O especialista frisa ser "inaceitável o uso de espécies exóticas invasoras".
Transformação na propriedade
Para o proprietário Paulo Ernesto Arrais, de 50 anos, o projeto da Rede de Conservação foi interessante pela diversidade das sementes e pela possibilidade de um diálogo sobre o projeto que visava recuperar uma área bastante degradada que ele possuía.
"Pesquisando algumas ações que já existiam no Cariri, eu ouvi falar sobre a Cepan, que estava fazendo reflorestamento", lembra o dono de uma propriedade de 11 hectares no município de Santana do Cariri, no Ceará.
Paulo decidiu destinar quatro hectares para o plantio da agrofloresta no sistema de “muvuca”. Esse método “imita” a natureza com o plantio de diversas sementes de espécies nativas diferentes ao mesmo tempo.
Em outros terrenos, o proprietário já desenvolvia atividades com plantação de café, abacaxi, caju, milho e feijão. Em relação ao atual espaço, Paulo busca recuperar a área – devido a alta acidez do solo. O Ceplan desenvolveu uma ideia para a área, mas ele também teve espaço para opinar e sugerir mudanças.
"A gente participa dessa ideia sugerindo, a gente planta junto, as contrapartidas são todas combinadas também. Então é bem interessante, e foi muito bom ter feito o projeto e deu tão certo que agora estou desenvolvendo outro projeto, que é de recuperação de nascentes"
Ele destacou que a escolha do plantio também é positiva pela facilidade de manejo, porque "como você planta em linhas, fica mais fácil depois você excluir as plantas que você quer ficar, você quer fazer podas, então achei bem interessante, principalmente pela variedade de sementes. Experimentamos mais de 19 sementes", detalha.
Além do projeto em Santana do Cariri, ele também está realizando uma segunda ação, no bairro Belmonte, no Crato, que também fica na Região do Cariri, em uma área urbana com características de propriedade rural.
A mudança é visível, e ele afirma conseguir ver surgir aos poucos a agrofloresta. "A mudança é enorme, porque se você imaginar uma área completamente degradada, com acidez de aproximadamente 5, então é uma área bem degradada, em que é difícil a recuperação de solo e o surgimento de plantas”, reflete.
Além disso, Paulo considera que esse resultado só é alcançado porque o “sistema é pensado”. “A gente planta sementes que já germinam rápido para que elas possam fornecer energia e nutrientes para as outras plantas que estão por vir, então é bem bonito ver crescer e ver que as coisas realmente funcionam", conclui.
Adrielle Leal, analista de projetos do Cepan, explica que há vários métodos de mobilização de pessoas – desde bater de porta em porta até engajar moradores em reuniões de associações e conselhos.
"Vamos entender como está o solo, se está compactado, se precisa de um tratamento especial, quais são as espécies que estão ali, se existem muitos fatores de degradação e até a entrada de grandes animais que possam pisar nas mudas”, detalha.
Só então é feito o plantio personalizado para a realidade de cada proprietário de terrenos na Chapada do Araripe. "A gente faz um monitoramento a cada seis meses, visitamos a área para saber se aquela ação de restauração está dando certo ou não e os motivos”, completa.
Riqueza natural
A Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ) divulgou que foram registradas em áreas pertencentes ao setor brasileiro de florestas plantadas, ao todo, mais de 8.300 espécies. Isso inclui mamíferos, aves, peixes, répteis, anfíbios, invertebrados e fungos, além de espécies da flora.
Os registros foram feitos ao longo de cinco biomas brasileiros: Amazônia, Caatinga – onde está a Chapada do Araripe –, Cerrado, Mata Atlântica e Pampa.
Veja também
Conforme a Ibá, nos biomas Cerrado e Mata Atlântica, 26 espécies (incluindo aves, mamíferos e da flora) foram classificadas como bioindicadores. Isso significa que são espécies muito sensíveis às modificações no ambiente e, por isso, consideradas como indicadores de qualidade ambiental.
Nesses mesmos biomas, sete espécies da flora e 14 da fauna foram classificadas como raras. Isto é, as áreas das empresas, de plantio e de conservação, têm se tornado refúgio para a biodiversidade brasileira.
A partir desse mapeamento, as companhias estudam e implementam ações de planejamento espacial, restauração, conservação, manejo e manutenção da diversidade genética. As medidas estão alinhadas ao Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, estabelecido no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica.