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O que é necessário para o debate eleitoral em Fortaleza quando o assunto é a crise climática

Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste opinam sobre desafios e necessidades da quarta maior capital do Brasil no campo do meio ambiente e das adaptações às mudanças do clima

Escrito por Bruno Leite, Lucas Falconery , politica@svm.com.br
Parque Rachel de Queiroz
Legenda: Trecho do Parque Rachel de Queiroz, na região Oeste de Fortaleza.
Foto: Thiago Gadelha

O avanço do nível do mar, a variabilidade climática, a ocorrência de desastres e a redução dos recursos hídricos: esses são apenas alguns dos efeitos da crise climática previstos para o Nordeste do Brasil, segundo informações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (CETENE).

Fortaleza, maior PIB da região e quarta capital mais populosa do País, está diretamente inserida nesse contexto de crise climática, em que autoridades em todo o planeta debatem a necessidade de ações que mitiguem os impactos e garantam resiliência aos territórios. 

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Em um ano eleitoral, decisivo para o futuro da cidade, a temática entrou, de diferentes maneiras, nos projetos políticos apresentados pelos nove candidatos à administração municipal e disponibilizados pela Justiça Eleitoral na plataforma DivulgaCand.

Pensando em ampliar o debate em torno do meio ambiente e da crise climática, o Diário do Nordeste ouviu especialistas para que pudessem opinar quais os desafios a serem enfrentados e as prioridades que deverão ser estipuladas por quem irá comandar o Município pelos próximos quatro anos. 

Visão ampla

Professora do Departamento de Estudos Interdisciplinares (Deinter) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutora em Desenvolvimento Sustentável, Suely Salgueiro Chacon afirma que falar da emergência climática “requer compreender a relações sociais e econômicas, bem como os arranjos institucionais e as escolhas políticas da sociedade”. No entendimento dela, essa visão ampla é que poderá permitir uma efetiva ação.

E as cidades, segundo a professora, são o berço de muitos dos problemas ambientais que causam a crise. Nelas, há parcelas distintas da população que sentem os efeitos de maneiras distintas. "Especialmente as zonas periféricas e, mais fortemente, as mulheres e meninas que residem aí. É o que se denomina de Racismo Ambiental, ou seja, é o processo de discriminação e injustiças sociais que populações de minorias étnicas sofrem, devido à degradação ambiental e em decorrência das mudanças climáticas", explica.

No entendimento dela, as políticas públicas precisam atender a duas frentes: "preparar os territórios para se proteger da emergência climática, e, ao mesmo tempo, criar novas ações de mitigação, adaptação e prevenção, atuando simultaneamente em todas as dimensões do desenvolvimento sustentável (ambiental, econômica, social e institucional-política)", enumera a pesquisadora.

Moradia e áreas de risco

Um aspecto visível desse entrelaçamento de fatores apontado por Chacon é a ocupação desigual do solo e a questão da moradia. A presença de pessoas residindo em áreas de risco é uma máxima em capitais brasileiras e a situação não destoa da realidade em Fortaleza. Nesses locais, famílias sobrevivem sob a ameaça de deslizamentos, inundações e alagamentos. Dados da gestão municipal, divulgados no ano passado, indicam que a cidade tem 66 áreas enquadradas nessa classificação.

Na visão da também docente do Deinter e doutora em Sociedade, Território e Meio Ambiente pela Universidade das Ilhas Baleares, Helena Stela Sampaio, o desenvolvimento de políticas públicas pelo Município pode sanar a ocupação irregular em áreas de risco. 

“As políticas públicas devem ter fundamento socioambiental e atuação transversal, visto que, ao tempo em que promovem a proteção dos recursos naturais, devem regularizar urbanisticamente as ocupações, favorecendo-as de equipamentos e serviços urbanos”, discorre a especialista, dando conta da capacidade da gestão produzir um planejamento capaz de garantir o pleno direito à moradia e habitação.

Enquanto cada pasta governamental estiver apenas observando isoladamente suas pífias metas, não teremos nem população com melhores índices de desenvolvimento humano, nem proteção ambiental, um de seus pilares.
Helena Stela Sampaio
Professora do Deinter-UFC e doutora em Sociedade, Território e Meio Ambiente

"Orçamento climático"

Indagada sobre quais prioridades enxerga para Fortaleza no decorrer dos próximos quatro anos, Chacon indica que existem ações do Poder Público — tanto na legislação quanto no planejamento — para enfrentar as mudanças climáticas. “Contudo, é necessário a comunicação adequada à população, a fiscalização e o foco nas periferias, a parte mais vulnerável de nosso território”, destaca.

A pesquisadora enumerou uma listagem de políticas que podem ser propostas ou fortalecidas nas dimensões do Desenvolvimento Social. As medidas vão desde a revisão no uso e ocupação do solo, passando pelo monitoramento do avanço do nível do mar e das ondas de calor, chegando até a realocação de comunidades periféricas e o fortalecimento de um “Orçamento Climático”.

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Também estão no calhamaço proposto por Chacon, dentre outras proposições, estímulos para a participação social na construção de políticas públicas, iniciativas de comunicação institucional e transparência das ações, investimentos na ampliação do transporte público de qualidade (em especial para bairros periféricos) e ações de educação para sustentabilidade e cidadania nas escolas municipais. 

Sampaio, por sua vez, sugere uma articulação entre o pensamento e a ação. “Como as políticas ambientais remontam educação, mudança de postura, reorganização de valores culturais, elas não acontecem necessariamente em uma gestão de 4 anos, por isso os planejamentos plurianuais devem se fundamentar em sistemas mais amplos, em planejamento de longo prazo, todos já existentes no município de Fortaleza”, conclui.

Democratização da valoração ambiental

Hugo Fernandes-Ferreira, que é professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e doutor em Ciências Biológicas pela UFC, opina que a adequação às exigências para o controle e mitigação das mudanças climáticas é um grande desafio para Fortaleza. Visando oferecer uma solução para tal problemática, ele sugere ao menos quatro frentes de ação.

Para isso existe uma receita fácil, que é o reflorestamento, o plantio de novas árvores. Se evitar ao máximo a retirada de árvores e promover esse reflorestamento, que não pode ser de qualquer forma, precisa garantir a presença de espécies nativas.
Hugo Fernandes-Ferreira
Professor da UECE e doutor e Ciências Biológicas

Outra solução, na visão do professor, é uma administração quanto à destinação do que é descartado pelas residências: “Fortaleza precisa de uma política de gestão de resíduos sólidos, um aumento de áreas de compostagem na cidade, por exemplo, e promover um melhor controle desses resíduos. Ainda temos uma forte dependência ao uso de aterros”. A gestão eficiente das áreas de risco e uma ampliação do saneamento básico na municipalidade fecham a lista apontada pelo especialista.

De acordo com Fernandes-Ferreira, é necessário qualificar as áreas verdes e os parques urbanos da capital cearense. “A gente precisa de um programa de democratização da valoração ambiental da cidade de Fortaleza”, salienta. E continua: “Preciso levar essa qualidade que temos, em termos de limpeza e de proteção, que vemos na parte mais turística do Parque do Cocó, por exemplo, para todo o perímetro da cidade”.

Por fim, o docente alerta para um cuidado com o saneamento, que pode impactar negativamente na saúde e também na economia. “Preciso lembrar que estamos numa zona fortemente dependente do mar, no turismo e na economia pesqueira. Então, se não tenho um controle adequado (dos efluentes), também vou prejudicar esses setores tão importantes”, finaliza.

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