Proporção de professores concursados nas redes municipais do CE é a menor da última década, mostra Censo Escolar

Os dados do Censo Escolar 2024 foram divulgados pelo Governo Federal na última quarta-feira (9)

Escrito por
Gabriela Custódio gabriela.custodio@svm.com.br
(Atualizado às 14:20)
Sala de aula da rede municipal de ensino de Fortaleza. Crianças sentadas nas carteiras e uma mulher em pé, falando para a turma
Legenda: Censo Escolar 2024 mostra que houve aumento de professores nas redes municipais de ensino do Ceará, com redução de docentes concursados e crescimento de contratos temporários
Foto: JL ROSA

A proporção de professores concursados nas redes municipais no Ceará atingiu o menor índice, em 2024, na comparação com os anos da última década. Em 2015, os efetivos representavam 61,5% do quadro de docentes nos estabelecimentos de ensino geridos pelas cidades cearenses. Dez anos depois, essa parcela passou a 51,6% de todos os profissionais.

Dados do Censo Escolar 2024, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) na última quarta-feira (7), mostram que o total de professores nas redes municipais do Estado teve aumento de quase 15% nesse período, passando de pouco mais de 63,9 mil em 2015 para 73,2 mil em 2024.

Porém, ao observar o tipo de contrato desses professores com a gestão pública, percebe-se que houve redução de quase 4% dos profissionais com vínculo efetivo — com 1.525 professores a menos —, enquanto o total de educadores com contrato temporário cresceu quase 45%, com aumento de mais de 10,8 mil professores na comparação entre 2015 e 2024.

A série histórica de 2015 a 2024 mostra que a primeira vez que a proporção de concursados esteve abaixo de 60% foi em 2022, quando atingiu 56,1%. Desde então, esses profissionais representam uma parcela cada vez menor do quadro de funcionários das escolas municipais, passando para 54,4% em 2023 e 51,6% em 2024.

Nesse mesmo período, a proporção de contratos temporários ultrapassou os 40% pela primeira vez, em 2022, e atualmente já representa quase metade dos docentes (48,1%).

Com esses resultados, o Ceará ocupa a 16ª posição no ranking nacional da proporção de concursados nas redes de ensino municipais e a 6ª no Nordeste.

Em todo o País, Alagoas tem a rede municipal com a menor proporção de concursados, representando apenas 37,6%, enquanto os temporários são 60% dos professores.

Já o Paraná está na posição contrária, com os professores concursados representando 86% dos docentes das escolas municipais. Lá, os temporários não chegam a 10%.

Vínculos de trabalho na rede estadual

De forma geral, o mesmo movimento ocorreu na rede estadual do Ceará, mas em menor intensidade. Entre 2015 e 2024, houve aumento de 2,7% no número total de professores contratados — passando de 19,6 mil para 20,2 mil —, com redução de 2% entre os concursados e aumento de 8,6% dos temporários.

Diferentemente das redes municipais, em que os efetivos são maioria — apesar da redução ao longo dos últimos anos —, os temporários seguem sendo mais da metade dos professores contratados nas escolas estaduais desde o início da série histórica analisada. Em 2024, eram 60%. Essa é a 8ª maior proporção em todo o País e a maior do Nordeste.

No Acre, quase 80% da rede estadual é composta por docentes temporários. Em seguida, vêm Santa Catarina (76%), Mato Grosso (74,9%), Espírito Santo (73,2%) e Mato Grosso do Sul (69,2%).

Por outro lado, quase todos os professores das escolas estaduais do Rio de Janeiro são concursados (98,9%). Em seguida estão Bahia (95,3%), Amazonas (84,6%), Rio Grande do Norte (77,9%) e Pará (68,8%).

Impactos negativos para a Educação

Os dados do Censo Escolar 2024 mostram que os professores temporários são mais da metade dos docentes da rede estadual em 14 dos 27 estados brasileiros. Essa também é a realidade das redes municipais de oito estados.

Esse tipo de contrato prejudica os próprios alunos das redes de ensino, segundo a avaliação de Catarina de Almeida Santos, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Um dos motivos é porque o constante processo de formação do profissional na rede de ensino é interrompido.

“Qualquer sistema de ensino que pensa em qualidade precisa ter em mente que tem que ter política de formação permanente, voltadas pra a realidade da escola, da rede, dos sujeitos que trabalham. E quando estamos falando em professor temporário, isso não existe. Porque, quando você terminar o processo, se terminar, ele não está mais na rede”, afirma Santos, que é professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

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A criação de vínculo entre o profissional e o território em que trabalha, os estudantes e a comunidade também fica mais difícil. Com isso, compromete-se a realização de uma série de atividades que requerem um grau de confiança entre alunos e professores — além de boa formação e condições de trabalho adequadas.

É o caso do debate sobre temas como racismo, educação sexual, capacitismo e outros assuntos “que atravessam a sociedade brasileira e que nos fazem sermos quem somos”.

“Sempre digo que, no fundo, quando o País trata os professores dessa forma, está negando o direito à Educação. Quando você não garante as condições de trabalho de um professor, você está prejudicando majoritariamente os estudantes”, avalia Catarina de Almeida Santos.

Ela também argumenta que o contrato efetivo permite que esses profissionais estejam presentes ao longo de todo o ano letivo, participem do planejamento e discutam o currículo e o projeto pedagógico.

“Quando estamos falando de temporários, os contratos são sempre encerrados. Eles começam, geralmente, quando está começando o ano letivo ou muito depois. Então, é muito comum a escola ficar dois ou três meses faltando professores”, complementa.

A falta de estabilidade do contrato temporário também gera insegurança e torna mais difícil exigir melhorias nas condições de trabalho. “Tem uma lógica de mando e de ameaça sobre a sua permanência naquele espaço, então você vai fragilizando esse processo como um todo”, afirma.

Não tem como discutir qualidade de educação da forma que nós estamos. Não estamos falando de um percentual pequeno ou de um ou outro (temporário). Estamos falando em redes, no geral, (com) mais de 50% de professores e professoras temporárias. Qual o diretor ou diretora que começa o ano letivo com a certeza de que vai ter o seu corpo doente completo, que fez planejamento, que conhece os estudantes? (...) Queremos que as escolas entreguem melhores resultados nas avaliações, mas qualidade depende de condições.
Catarina de Almeida Santos
Doutora em Educação pela USP, integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e professora da Faculdade de Educação da UnB

A proposta do Governo Federal para o novo Plano Nacional de Educação (PNE), enviada para a Câmara em junho de 2024, flexibiliza a proporção permitida de contratação de professores temporários na Educação Básica. O texto em tramitação estabelece a margem de até 30% desse tipo de contrato. No plano anterior — que deveria ter vigorado de 2014 a 2024, mas foi prorrogado até 2025 —, a meta era de 10%. Na prática, ela já não era cumprida.

Na coletiva de divulgação dos dados do Censo Escolar 2024, na quarta-feira (9), o diretor de estatística do Inep, Carlos Eduardo Moreno, comentou esse ponto das contratações e ressaltou que “ainda há uma proporção bastante expressiva de professores temporários nos estados brasileiros”, mas ponderou que “os estados definem as estratégias de contratação de seu corpo técnico”.

Ele também disse que fez uma análise desses dados de modo geral e viu que, no Brasil, a carga horária dos temporários e concursados não tem grandes diferenças.

Sobre a rede estadual do Ceará, a Secretaria de Educação (Seduc) informou, em nota, que o professor temporário é contratado para suprir carências de professores efetivos que precisam se ausentar da sala de aula por motivo de afastamentos previstos em legislação para servidores. Com isso, a Pasta pontua que o número relativo a esses profissionais é variável e pondera que a coleta de dados do Censo Escolar é feita sempre nos primeiros meses do ano.

“O afastamento de um professor efetivo pode ser suprido por mais de um professor contratado por tempo determinado, algo que implicaria nessa diferença entre o número de professores efetivos e contratados”, complementou. A Secretaria ainda destaca que o professor temporário tem um contrato administrativo, precedido de uma seleção pública.

“O profissional de 40 horas recebe remuneração, auxílio alimentação, 13º salário, plano de saúde dos servidores do estado (Issec), e os benefícios do Regime Geral de Previdência (aposentadoria, auxílio doença direito às licenças de saúde, maternidade, paternidade)”, detalha o comunicado.

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O último concurso público para a rede estadual foi feito em 2018. Segundo a Pasta, todos os 3.793 aprovados foram convocados e os empossados estão atuando nas 13 disciplinas do Ensino Médio, além da Língua Brasileira de Sinais (Libras).  Eles também exercem atividades relacionadas à base diversificada do currículo, como Projeto Professor Diretor de Turma e Núcleo Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTTPS).

“O Governo do Ceará também realizou o primeiro concurso de professores para escolas indígenas em 2023. Constituído de três etapas, abrangendo prova objetiva, prova prática e avaliação de títulos, o certame aprovou os classificados pelas três fases e com a devida habilitação em licenciatura em curso de nível superior”, finaliza a nota.

Crianças em sala de aula de uma escola municipal de Fortaleza, de costas para a câmera e sentadas de frente para a lousa, escrevendo. Censo Escolar aponta aumento da proporção de professores temporários
Legenda: A proporção de professores temporários nas redes municipais do Ceará ultrapassou os 40% pela primeira vez em 2022. Atualmente, esses contratos já representam quase metade dos docentes (48,1%)
Foto: Camila Lima

Para que serve o Censo Escolar?

O Censo Escolar é o principal levantamento estatístico sobre a educação básica e, neste ano, foi divulgado pelo Governo Federal com dois meses de atraso. A previsão do próprio Inep era que todos os dados tivessem sido publicizados no dia 31 de janeiro.

A coleta e tratamento dos dados é coordenado pelo Inep e realizado em colaboração com as secretarias estaduais e municipais de educação do País. O Censo Escolar é realizado anualmente e todas as escolas públicas e privadas devem participar.

A  pesquisa estatística tem caráter declaratório — sendo respondida pelas próprias escolas — e é dividida em duas etapas. Na primeira, são coletadas informações sobre as creches e escolas, gestores, turmas, alunos e profissionais escolares em sala de aula. Na segunda, coleta-se informações sobre o movimento e o rendimento escolar dos alunos, ao final do ano letivo.

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