No Dia dos Povos Indígenas, saiba como funcionam escolas que mantêm cultura e costumes no Ceará
São 39 instituições de ensino específicas para os povos originários com atividades para garantir a autodeterminação: o direito de manter o modelo social indígena
Além dos números e das regras gramaticais, o cotidiano dos estudantes das escolas indígenas do Ceará envolve aprendizado sobre cultura, costumes tradicionais e garantias constitucionais. Ensino diferenciado que ganha visibilidade no Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado nesta quarta-feira, 9 de agosto.
São 39 escolas de educação específica para os povos indígenas no Estado, conforme dados da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc). Nestes espaços acontecem debates sobre identidade, a reivindicação por demarcação de terras e a busca por autodeterminação, que é o direito de se organizar socialmente conforme as crenças tradicionais.
"As escolas indígenas, de Norte a Sul do Brasil, têm buscado formas autônomas de poder efetivar o direito à educação escolar indígena diferenciada e intercultural, às vezes multilíngue", explica Cristine Takuá, parte do povo Maxakali e autora do material didático de arte e cultura da BEĨ Educação.
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No Ceará, o primeiro espaço para o ensino específico de crianças indígenas surgiu no início da década de 1990 com a Escola Indigena Índios Tapeba, na Caucaia, como destaca Naara Tapeba, coordenadora pedagógica da instituição.
“Foi criada no intuito de que as crianças pudessem ter uma educação diferenciada e para combater o preconceito racial, porque muitas crianças iam para escolas convencionais e sofriam por serem indígenas”, reflete.
Assim, a própria comunidade se organizou para fundar a unidade de ensino que recebeu os primeiros estudantes na sombra de uma árvore. Desde então, os membros da escola conseguiram estrutura adequada e buscam ampliar o ensino específico.
“A escola iniciou as atividades embaixo de um cajueiro, os alunos sentavam no chão e assim começou o processo de alfabetização. Depois, fomos para um galpão de taipa, passou por algumas casas até que a gente conseguiu esse prédio”, lembra.
As escolas indígenas funcionam com aulas da grade tradicional, como português, matemática e ciências, mas com espaço relevante para os aprendizados sobre a cultura dos povos originários.
Com isso, as histórias e rituais conhecidos entre avós e pais são apresentados às crianças durante as atividades. “Dentro das formações culturais, elas são ensinadas desde a educação infantil, a importância da cultura, da música e do toré”, exemplifica o indígena Fábio Alves.
Fábio é vice-coordenador da Organização dos Professores Indígenas do Ceará (Oprince) e ensina na Escola Indígena Jenipapo Kanindé, onde um exemplo de expressão cultural e espiritual acontece no ritual do toré.
"Nós dançamos o toré no momento de festa do povo, de manifestações (culturais), também é conduzido por nossos pajés em momentos de espiritualidade nos seus terreiros sagrados", descreve.
Outro aspecto desempenhado pelas escolas acontece com o ensino de línguas indígenas, que passa a ser feito com maior força. Em 2019, por exemplo, houve uma formação para os professores, contextualiza Fábio.
“A questão da língua é mais forte nos povos de Monsenhor Tabosa com o nheengatu tupi, um professor indígena do Amazonas veio para o Ceará dar essa formação e temos professores que já dominam bem”, analisa. O tema vem crescendo nas escolas da região metropolitana.
Compreender os estudantes a partir da identidade, aliado ao ensino das disciplinas da base curricular nacional, proporciona uma formação completa para os alunos indígenas.
"De fato, as escolas têm o poder de orientar, de colocar para os estudantes esse entendimento da autonomia, da autogestão e de se determinar sobre os caminhos de organização interna na busca do bem viver", completa Cristine Takuá.
Essa é a forma como Layla Costa Alves, de 13 anos, aprende na Escola Indígena Jenipapo Kanindé. "Eu estudei em escolas convencionais, mas hoje estou numa indígena e lá a gente vivencia a cultura do nosso povo", resume.
No 8º ano do ensino fundamental, a menina destaca que na unidade de ensino passou a ter contato com o tupi. "Tem o resgate da linguagem, eu não sabia o tupi, e hoje estamos resgatando essas linguagens", frisa.
Mudanças na grade
Os estudantes da educação infantil recebem aulas de arte, cultura, espiritualidade e expressão cultural já na grade do ensino indígena. Além disso, são feitas atividades para aprendizado do toré e do artesanato.
O debate sobre a relevância da luta histórica pela garantia das terras indígenas perpassa todos os ensinamentos nas instituições. “Costumamos dizer que a escola indígena é o pilar da nossa luta maior: a demarcação das terras, porque não temos escolas ou postos de saúde se não tivermos terras”, frisa Naara.
Ela também explica que nos dois últimos anos do ensino médio são repassados conhecimentos sobre os direitos garantidos na Constituição Federal e na Convenção sobre os Povos Indígenas 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Nós procuramos ensinar isso para os nossos alunos de modo que eles entendam que essa nossa luta não vem de hoje e não vai terminar hoje. É algo que meu avô já fez e eu herdei.
Novos conteúdos devem fazer parte das turmas com as mudanças a serem implementadas na grade. “Com o novo ensino médio, temos as disciplinas eletivas em que nós vamos conseguir colocar no nosso currículo aquilo criado por nós para dentro da escola indígena, porque hoje usamos um catálogo que já existia”, completa.
Celebração da data
O Dia Internacional dos Povos Indígenas foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e leva informações sobre o direito dos povos indígenas para se organizarem conforme os costumes tradicionais.
“Antes dessa data ser aprovada, tivemos bastante tempo e a autodeterminação vem da nossa resistência nas nossas práticas, vivências e costumes tradicionais”, pondera Fábio Alves.
(Ainda precisamos da) demarcação dos nossos territórios, porque sem isso não teremos educação, saúde de qualidade ou moradia. Vivemos sempre com essa pressão e os territórios determinam a segurança de tudo isso.
Apoio
A Seduc informou, por meio da Coordenadoria da Diversidade e Inclusão Educacional/Educação Escolar Indígena, que desenvolve ações de apoio à implementação da educação escolar para as diversas etnias presentes no Estado, contribuindo para a afirmação dos povos indígenas do Ceará.
A Pasta destacou a garantia do direito inalienável à escola, aprendizagem, aos conhecimentos universais e àqueles que fortaleçam suas identidades étnicas e de sua pluralidade cultural.
O órgão disse ainda que "contribui para a formação dos profissionais e lideranças das comunidades em que essas escolas se localizam, com foco na transformação de suas realidades, valorizando dimensões sociais, culturais, ambientais e econômicas, que vão interferir na formação dos estudantes".
POVOS INDÍGENAS NO CEARÁ
- Anacé (Caucaia)
- Gavião (Monsenhor Tabosa)
- Jenipapo-Kanindé (Aquiraz)
- Kalabaça (Poranga e Crateús)
- Kanindé (Canindé e Aratuba)
- Kariri (Crateús)
- Pitaguary (Pacatuba e Maracanaú)
- Potiguara (Novo Oriente, Cratéus, Tamboril, Mosenhor Tabosa e Boa Viagem)
- Tapeba (Caucaia)
- Tabajara (Quiterianópolis, Crateús e Monsenhor Tabosa)
- Tapuia-Kariri (São Benedito e Carnaubal)
- Tremembé (Acaraú, Itarema e Itapipoca)
- Tubiba-Tapuia (Monsenhor Tabosa)
- Tupinambá (Crateús)