Luana Génot defende educação antirracista: ‘estamos perdendo talentos’
Empresária especialista em igualdade racial reforça importância de maior inclusão de negros e indígenas nos quadros de empresas
Quebrar o longo ciclo do racismo enraizado na sociedade brasileira - que violentou e marginalizou indígenas e negros por séculos - exige estratégias diferentes para crianças, jovens e adultos. Porém, todas elas passam pela educação e letramento racial a fim de criar novas perspectivas de inclusão tanto em escolas como no mercado de trabalho.
A reflexão foi compartilhada por Luana Génot, mestre em Relações Étnico-Raciais e fundadora do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), durante participação em mesa redonda no X Congresso Nacional de Educação (Conedu), que ocorre em Fortaleza entre esta quarta-feira (19) e sábado (21).
Lutar contra o racismo passa pelo entendimento do problema. O despertar da carioca, que foi bolsista do programa federal Ciência Sem Fronteiras, ocorreu durante um intercâmbio na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos. Lá, em 2012, ela pode participar como voluntária da campanha do ex-presidente Barack Obama.
“Esse momento de voluntariado de um político negro fora do país me abriu portas internas. Entendi mais sobre consciência racial porque existem lideranças incríveis no Brasil, negros, mulheres e indígenas, que precisam ser valorizadas”, relata.
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Mais do que dizer não ao racismo, Luana percebeu que era importante dizer sim à igualdade racial - afinal, desde 1989, a Lei 7.716 prevê punição para os crimes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Ela lembra que todo mundo, independente da cor da pele, pode lutar por uma sociedade com mais igualdade e oportunidades.
Por isso, ela decidiu criar o ID_BR: “entendi que poderia ter intencionalidade do meu agir no mundo, para abrir portas para outras pessoas que estavam ficando para trás”.
É muito importante ter um diploma, mas há outras formas de educação que também são necessárias para um processo que te abre portas internas, te faz dar nome ao que você está passando, te faz entender que você não está sozinho e que pode ser mais intencional nas suas escolhas de vida.
Sensibilização das empresas
Nessa temática, Luana passou a trabalhar com assessoria de empresas na criação de ações afirmativas. “Queria fazer com que outras empresas conseguissem incluir mais pessoas negras e indígenas no mercado de trabalho a partir da educação desses tomadores de decisão que, em sua maioria, são homens brancos”, descreve.
Ela entende que a maioria das organizações ainda não dá a devida atenção à causa, mas entraram em contato maior com o tema após as mortes de George Floyd, nos Estados Unidos, e João Alberto Freitas, no Rio Grande do Sul, e a emergência do movimento Black Lives Matter. Ainda assim, a ocupação dessas pessoas permanece em cargos mal remunerados.
“Só tem profissões de base para pessoas negras e indígenas?”, critica a ativista. “É um desserviço para o nosso país. A gente está perdendo talentos que poderiam estar ali na mesa de decisão, ganhando mais, podendo ter suas vozes ouvidas”.
No entanto, ela reforça que incluir essas pessoas - não só negros e indígenas, mas também mulheres, pessoas com deficiência, idosos e LGBTQIAPN+s no quadro profissional não significa tirar vagas de outras.
“É sobre dividir espaços. O Brasil tem dimensões continentais, tem recursos à beça, eles só não chegam para quem deveria chegar. Falamos aqui de soma, não de redução. Precisamos levar isso pra dentro da sala de aula: não é excluir, mas acrescentar quem não estava sendo chamado”, garante.
Educação antirracista
Na prática, a educação antirracista combate ativamente toda e qualquer forma de racismo na escola e fora dela, ao valorizar as diversas contribuições passadas e atuais de povos africanos e afro-brasileiros para o Brasil e o mundo.
Contudo, Luana alerta que “não é porque você é negro que tem consciência antirracista”. “Essa precisa ser uma questão geral, pública, de todas as pessoas”, defende.
Nessa empreitada, ela destaca a necessidade de romper com o modelo básico de educação e trazer para a sala de aula referências também negras e indígenas - de preferência locais, como foi o Dragão do Mar para a historiografia do Ceará.
Essas figuras são referências para a gente entender nosso tempo, nosso território, nossa história, justamente para poder atrair alunos e evitar a evasão, porque muitas vezes a gente tem muito mais tempo de sala aprendendo sobre a Revolução Francesa do que sobre o Dragão do Mar.
Inteligência artificial
Para contribuir com esse processo, em maio deste ano, o ID_BR lançou a Deb, primeira inteligência artificial antirracista do Brasil. “Ela está em aprendizado constante, mas traz propositalmente as referências locais para a gente promover um processo de aprendizagem a partir de histórias que muitas vezes não estão nos nossos livros”, afirma Luana.
Ela acredita que esse tipo de inteligência artificial pode ajudar a promover a educação e ser uma aliada de professores, gestores, organizações e empresas.
A ferramenta está disponível no perfil do Instagram @chamaadeb. Para utilizá-la, basta iniciar uma conversa privada com o perfil. É possível fazer perguntas sobre inclusão e diversidade no ambiente de trabalho e outros temas dos âmbitos racial, social e de gênero.
A mesa-redonda do Conedu contou ainda com participação de João Luiz Pedrosa, professor, apresentador e escritor, e mediação de Tais Lopes, apresentadora e jornalista do Sistema Verdes Mares. A discussão teve apoio do Movimento LED, iniciativa da Globo e da Fundação Roberto Marinho para celebrar e reconhecer práticas inovadoras que estão revolucionando a educação no Brasil.