O cearense Dragão do Mar tem uma lição para o Brasil

Legenda: Chico da Matilde, o Dragão do Mar, em ilustração de 1884 da publicação carioca "Revista Ilustrada", uma cortesia da Biblioteca do Senado Federal
Foto: Reprodução

Hoje é feriado no Ceará. Deveria ser no Brasil inteiro, quiçá no planeta, nos sete mares, em todas as galáxias. Data magna, bote relevância e magnitude nisso. Porque a liberdade é um Dragão no mar de Aracati, como louvou o samba da Mangueira (2019), no enredo "História para ninar gente grande", uma homenagem à vereadora Marielle Franco e outros Brasis que não costumam figurar no retrato.

Em um dia como hoje, em 1884, o Ceará se antecipava a todo o país e decretava oficialmente o fim da escravidão, quatro anos antes da dita Lei Áurea. Lá estava, na vanguarda, na dianteira, Francisco José do Nascimento (1839-1914), o negro Dragão do Mar, também conhecido como Chico da Matilde — no bom modo nordestino de incluir a origem materna no batismo.

Menino nascido e criado em Canoa Quebrada, ele se fez jangadeiro e prático da Capitania dos Portos, em Fortaleza. Desde 1881, mobilizava os trabalhadores do litoral nesse embate, ao lado de políticos e intelectuais abolicionistas. “No Ceará não se embarcam mais escravos”, o grito do Dragão do Mar troou, finalmente, Mucuripe afora, para acabar com a vergonha histórica.

Seguimos carecendo dos dragões diários em todo o país, legiões atentas às manifestações racistas que ainda ocorrem no campo e até nos mais modernos cenários de shopping. Que o exemplo antigo da Terra da Luz nos cubra de graça e justas revoltas cotidianas.

O feriado de hoje me leva também a outros jangadeiros. Como são importantes os trabalhadores do mar cearense para a história do Brasil. Agora seguimos com Jacaré, Tatá, Jerônimo e Mané Preto, em uma viagem de dois meses entre Fortaleza e o Rio de Janeiro, em 1941. A missão era reivindicar, diante de Getúlio Vargas, uma vida de gente — naquele momento se falava da reforma e havia um clamor pelo direito à aposentadoria, o que era ainda um sonho distante.

O protesto, por mais que tenha sido amaciado pela máquina de propaganda do governo, é um marco na luta trabalhista do país. A saga dos jangadeiros despertou a atenção do cineasta americano Orson Welles, célebre pelo “Cidadão Kane”. O diretor incluiu a turma de Jacaré no filme “It’s all true”(É tudo verdade). Mas aí é outro mar de história.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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