A vida precisa de festa
Quando expressão genuína e autêntica do vivido, da conexão com a existência, é um dos momentos mais potentes e fortalecedores da existência.

Muitas vezes a alegria é erroneamente vista somente como forma de alienação, mas o medo e a tristeza também podem sê-lo. Quando a alegria é sustentada com manipulação, continuamente experimentada somente sob o uso de substâncias, possível apenas submetida à influência externa atrelada ao consumo de objetos mercantilizados, precisa ser questionada.
Quando expressão genuína e autêntica do vivido, da conexão com a existência, da relação de comunhão e partilha com o próximo, da celebração dos encontros e das descobertas de si, da integração ritualística com a cultura, é um dos momentos mais potentes e fortalecedores da existência.
Comemorar a vida, os vínculos, as conquistas, elaborar as perdas, os lutos, as superações, os ciclos, integrar rituais é forma de consolidar as experiências, os saberes, os afetos.
A festa é espaço do inesperado, das emoções, do não planejado, da sexualidade, dos mistérios; existe festa para o sagrado, para o profano, existe festa onde há um pouco do múltiplo que nos habita, mostrando que ambivalências nos compõem; existe festa na abundância e na precariedade, festa aleatória e com cerimonial; existe festa consigo, festa a dois, festa com multidão.
Todos os povos fazem festa. Todas as culturas possuem rituais para integrar o vivido, o sentido, o partilhado e sustentar a história.
A festa é uma oração à esperança e ao desejo. É desejo de mudança, de gratidão. Faz-se festa para unir, para separar, para nascer, para deixar ir, para conhecer, para concluir, para quebrar a rotina, para celebrar a rotina, para fazer fissuras na realidade, para colocar os pés no chão, para levitar.
Festa pode ser fuga da realidade e imersão e apropriação profunda da identidade, da vida, das tradições, da cultura, da subjetividade. A festa é necessária para suportar a realidade. Precisamos de sonhos, ilusões, fantasias.
A festa ajuda a continuar, a seguir com a vida, a perceber a poesia, a aquecer o coração. A festa pode integrar novos membros, criar espaço de pertença ao grupo, mudar de lugar nos rituais, passear pelos espaços internos e externos, oferecer e receber. Existem momentos em que somos participantes, outros em que somos os promotores da celebração, noutros, os convidados de honra; em algumas somos penetras e noutras somos indesejáveis.
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Quais festas nos pertencem? Onde somos incluídos e quais as festas que pagamos, que são oferecidas com nosso dinheiro, mas não somos convidados? O que lhe incomoda na festa alheia? O que a alegria mobiliza de inveja? Quando a festa invade e vira desrespeito e falta de empatia? O que projeto nas fantasias da pele que me falta na prática da vida? Eu já recebi alegria dos outros por mim? Já fui celebrado, comemorado, festejado?
Festa tem início, meio e fim, para lembrar do ritmo, do tempo que organiza a vida e necessita de intervalos e capacidade de operar frustrações. Depois do fim, nem sempre o vivido na fantasia da festa se sustenta, nem sempre as palavras, os sonhos, as promessas mantém consistência. Infelizmente alguns querem o prazer interminável, mas aí não é festa, vira dor, agonia e morte.
- Qual a fantasia que você precisa?
- Que desejo você celebra?
- Para qual esperança seu corpo sustenta e espera em oração?
- Pelo que você agradece?
- Quem são os amigos de depois da festa?
- Quais os amores para dançar junto?
- Quem continua na sua vida depois que o baile acabar?
- Com quem desejará celebrar?
- Para quais bênçãos agradecer?
- Qual fantasia você precisa retirar?
- Qual fantasia será preciso vestir após a festa?
- Será que consigo respeitar os limites do outros na festa?
- Será que respeito os meus limites no meio da euforia?
Quando a festa fortalece o grupo e a identidade, aumentamos o senso de pertença e de conforto consigo. Quando fazemos rupturas na realidade é maravilhoso quando retornamos a ela com ampliações do mundo interno.
Quando a festa nos permite ampliar o pensar, o sentir, o criar, o brincar, o amar voltamos imensos, fortalecidos. Quando a festa é angústia disfarçada de alegria, retornamos como de um pesadelo, onde as fantasias revelam o destrutivo em nós que continuam a nos ameaçar, mesmo quando a festa acaba.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.