Escola pública no interior do Ceará teve 80% dos alunos inscritos no Enem com nota acima de 900 na redação

A unidade, localizada em Acaraú, é da rede estadual e oferta educação profissionalizante conectada ao ensino médio

Escrito por
Thatiany Nascimento thatiany.nascimento@svm.com.br
Legenda: Oficinas de redação na Escola de Educação Profissional Marta Maria Giffoni de Sousa
Foto: Divulgação Escola

O dia de divulgação das notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é, para os estudantes, um momento de diversas reações: alegria, entusiasmo, preocupação e até frustração. No Ceará, em uma escola pública da rede estadual, localizada no interior do Estado, desde segunda-feira (13) predominam as boas sensações. Contentamento, entusiasmo e gratidão são algumas delas. Isso porque, na Escola de Educação Profissional Marta Maria Giffoni de Sousa, em Acaraú, no litoral norte, 80% dos alunos inscritos no Enem, ou seja, 140 estudantes, obtiveram nota acima de 900 na redação.

O fato de 8 a cada 10 alunos da unidade que fizeram a redação do Enem terem tido alto rendimento é motivo de comemoração coletiva. Mais que isso: todos os alunos dos três terceiros anos fizeram o Enem, do total de 175 estudantes, 170 tiveram nota acima de 800. Nenhum estudante zerou. Resultados expressivos que apontam ainda outra dimensão necessária na educação: equilíbrio no desempenho conjunto.

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Há algum tempo, a escola profissionalizante localizada a cerca de 240 km de Fortaleza tem construído estratégias para alcançar bons resultados no processo do Enem. 

Na edição passada, em 2023, 129 alunos atingiram 900 pontos ou mais na redação. Naquele ano, 15 chegaram muito perto da nota máxima, com 980 pontos. Agora, 2 alunos atingiram esse patamar — o mais próximo dos 1.000 pontos — e outros 33 chegaram perto, com 960 pontos.

Na redação do Enem 2024, o desempenho dos alunos da escola foi o seguinte: 

  • 980 pontos: 2 alunos
  • 960 pontos: 33 alunos
  • 940 pontos: 41 alunos
  • 920 pontos: 47 alunos
  • 900 pontos: 18 alunos
  • 800 a 899 pontos: 29 alunos
  • 700 a 799 pontos: 3 alunos
  • Abaixo de 700 pontos: 2 alunos

A escola funciona desde 2011 com ensino médio integral conectado à educação profissionalizante. Na unidade, cujo perfil apresenta uma certa diversidade, com alunos mais pobres, outros de melhores condições financeiras, moradores da sede, de comunidades mais distantes dentro da própria cidade e até de municípios vizinhos, há oferta de 4 cursos técnicos: administração, eletromecânica, massoterapia e rede de computadores.

O que gerou os bons resultados?

Uma série de iniciativas, na avaliação da gestão da escola e dos alunos, ajudam a explicar a conquista dos bons resultados. Para a estudante Lane Duarte de Almeida, que fez 980 pontos na redação, o rendimento é fruto do “esforço contínuo da prática de redação, incentivado bastante pelos professores da escola”.

“Na Marta Giffoni, eles (professores) fazem com que se torne mais fácil fazer uma redação. Os professores passam por aulas para aprenderem a corrigir as redações e prestam o apoio necessário para que o máximo de alunos se saia bem no Enem”.
Lane Duarte de Almeida
Estudante

Ela é moradora de Marco, município vizinho a Acaraú, e todos os dias levava pouco mais de uma hora para chegar de transporte à escola. Como estratégia para escrever uma boa redação, Lane diz que apostou em ações simples e combinadas: prestar atenção nas aulas, anotar elementos que poderiam ser usados na redação, solicitar ajuda dos monitores e até acompanhar nas redes sociais vídeos de produção textual.

Legenda: Mutirão de redação na escola com devolutivas dos simulados
Foto: Divulgação Escola

O desejo é cursar Fisioterapia. “A minha nota poderia me ajudar se eu fosse fazer em uma faculdade de Sobral, mas (pela distância) eu preferi fazer uma particular mais próxima.”

Já a estudante Raissa Ferreira, que é moradora de Acaraú e tirou 960 na redação, relata que, na escola, “não somente os professores de língua portuguesa ensinam redação, mas sim todos os professores, seja de matemática, inglês ou mesmo geografia”.

Outro aspecto, segundo ela, é que, desde o primeiro ano do Ensino Médio, os alunos já têm aulas preparatórias de redação. “Passamos os três anos de Ensino Médio tendo diversas aulas e palestras sobre redação. Alunos que passaram pela escola sempre dão palestras e relatam suas experiências, fazendo com que haja essa troca de conhecimento.”

"Não tem como você aprender a escrever, sem escrever, sem praticar, sem tentar, sentar na cadeira e passar horas e horas lendo e buscando conhecimento. Fácil não é. Exige muita determinação e, principalmente, renúncia, mas todo esforço vale a pena no final.”
Raissa Ferreira
Estudante

Os planos individuais de Raíssa incluem cursar a faculdade de Fonoaudiologia, e a nota da redação pode impulsionar esse acesso, avalia.

“Em 2024, concluí o Ensino Médio e só tenho a dizer que sou extremamente grata e realizada por ter passado por essa instituição, pois não formam somente profissionais aptos a atuarem no mundo do trabalho, mas também cidadãos com uma visão completamente diferente, ensinando sobre como lidar com pessoas, no dia a dia, com nossas emoções e sempre pensando no futuro.”, completa.

Legenda: Simulados mensais de redação nas salas de aula
Foto: Divulgação Escola

A estudante Glória Lima, moradora de Jijoca de Jericoacoara, cidade vizinha a Acaraú, também obteve 960 pontos na redação. Ela relata que um diferencial da Escola Marta Giffoni são as práticas de escrita.

“Na Marta Giffoni, é quase impossível você não fazer redações. Às vezes, até quem não se interessava inicialmente por fazê-las aprende a gostar. Eu sempre gostei de escrever, sempre tive uma boa base nesse quesito, então não foi um problema muito grande, a não ser a autocobrança. Me cobrei muito e por muito tempo, fiz e refiz várias e várias vezes, até tornar o meu texto o melhor possível.”
Glória Lima
Estudante

Glória relembra, inclusive, um caso de um colega de sala que chegou a ter diversas dificuldades de escrita, mas, no decorrer do processo, foi melhorando e atingiu 960 pontos.

O estudante Caio Nicolas Fontineles que também alcançou 960 pontos na redação reitera o peso do Laboratório de Redação na conquista das notas. 

"Com certeza destaco a persistência e metodologia de ensino, mesmo com a minha turma apresentando diversas carências em relação à redação, o núcleo gestor sempre uniu forças para conseguir reverter o quadro, sempre incentivando, entregando devolutivas e se preocupando com a evolução de cada aluno, dando atenção aos casos mais críticos".
Caio Nicolas Fontineles
Estudante

No dia a dia, explica, treinar a escrita buscando "corrigir os erros que eram explorados na devolutiva e colocar em prática os apontamentos" foram os recursos utilizados para aprimorar a produção textual. "Não adianta fingir que você não está cometendo erros no texto, por isso é fundamental utilizar dos treinos para evoluir e corrigí-los", completa.

Caio conta que deseja ingressar em uma universidade pública, no curso de Educação Física e acredita que o resultado da redação tem peso significativo para a realização do objetivo.

Laboratório de redação e 'padrinhos'

Entre os diferenciais apontados pelos alunos, dois se repetem: o Redlab e os padrinhos de redação, estudantes de maior destaque que atuavam como 'monitores' e ajudavam os colegas a sanar dúvidas. Os estudantes também destacam o trabalho das professoras nesse percurso. 

A coordenadora da escola, Rosilane Costa, ressalta que houve investimentos em formação continuada dos professores “para correção e devolutiva das redações aos estudantes e preparação de alunos mentores, que também realizam o acompanhamento das produções textuais de seus pares.”

Legenda: Atividade de devolutivas de redação
Foto: Divulgação da Escola

Ela também reforça que o Redlab, formado pelas professoras de Língua Portuguesa e pela coordenadora de Linguagens, “foi fundamental para a obtenção dos excelentes resultados.”

Já o coordenador, Oscar Moura, analisa que “o trabalho interdisciplinar com a área de Ciências Humanas foi crucial para o fortalecimento da competência 3 da redação do Enem, que trata da argumentação e repertório sociocultural.”

Outra ênfase, segundo ele, é a parceria dos professores da Base Técnica. “Dentro de suas matrizes curriculares, souberam explorar as temáticas emergentes e necessárias à tipologia textual solicitada pelo Enem,” acrescenta.

Para a diretora da unidade, Mirele Rodrigues, o alcance dos bons resultados no Enem, especialmente na redação, “é fruto de um trabalho coletivo e estruturado.” No diferencial apontado por ela, está a “combinação de uma gestão democrática em um projeto pedagógico inovador e consistente.”

Como a redação do Enem é corrigida?

A redação, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), é corrigida por 2 corretores de forma independente e cada um deles atribui uma nota entre 0 e 200 pontos para cada uma das cinco competências. Assim, a nota total de cada corretor é a somatória das notas atribuídas a cada uma das competências.

As competências avaliadas são:

  • Domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa.
  • Compreensão da proposta de redação e aplicação de conceitos das diversas áreas de conhecimento.
  • Seleção, organização e interpretação de informações e argumentos para defender um ponto de vista.
  • Uso adequado dos mecanismos linguísticos na construção da argumentação.
  • Proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.

Se houver uma discrepância superior a 100 pontos na nota total ou mais de 80 pontos em qualquer competência, uma terceira correção é realizada. Caso o terceiro corretor concorde com um dos primeiros, a nota final será a média das duas mais próximas. Caso contrário, a média das duas primeiras notas será considerada.

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