De asma a infarto: quais as doenças e agravos de saúde que podem crescer com as mudanças climáticas
Impactos do aumento das temperaturas podem ir além do calor e das catástrofes ambientais
“Morrer de calor” virou, no dia a dia, uma expressão exagerada de incômodo com a temperatura. Em um futuro não tão distante, porém, ela pode ser literal. De dengue e problemas respiratórios até infarto, estudos indicam que diversas doenças devem se intensificar ou até surgir diante das mudanças climáticas. E o Ceará não está isento.
O Diário do Nordeste conversou com pesquisadores de instituições do Ceará para entender de que forma as mudanças climáticas já afetam a saúde da população, quais serão os efeitos a curto, médio e longo prazos e o que precisa ser feito para frear esses impactos.
Veja também
O que clima tem a ver com saúde?
Não é questão de futuro, mas de presente: “as mudanças climáticas já impactam a saúde das pessoas”, como sentencia Rafaella Moreira, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).
A especialista cita a baixíssima umidade do ar em São Paulo, que chegou a 12% nessa segunda (19), e as próprias enchentes no Rio Grande do Sul, em maio e junho deste ano, como exemplos práticos de que o desequilíbrio no clima já nos é danoso em várias esferas.
Quando se fala em mudança climática, “o efeito mais óbvio de se notar é o aumento da temperatura”, como reconhece Alexandre Costa, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Energia e Ambiente da Unilab.
“No interior do Nordeste, o número de dias com temperaturas perigosas, com máximas acima de 35°C, produzem o risco de hipertermia, com desidratação, quando o corpo perde a capacidade de regulação da temperatura”, cita.
Mas, conforme o professor alerta, “a relação entre a emergência climática e a saúde é multidimensional”.
“A área de proliferação de determinados vetores e doenças se amplia com o aquecimento global. Como a dengue, que passa a afetar áreas em que ela não se manifestava. Há também os eventos extremos, que podem comprometer a infraestrutura de saúde, de água potável, e favorecer a transmissão de doenças associadas a enchentes”, completa Alexandre.
Doenças sensíveis ao clima
Essa relação entre saúde pública e clima, aliás, não é nova. Ainda nos anos 1990, um documento do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que reúne organismos internacionais, confirmou que “o conhecimento sobre as mudanças climáticas e a saúde humana se expandiu”.
“Há uma compreensão mais profunda dos possíveis deslocamentos nos habitats dos vetores de doenças com o aquecimento global. Doenças como malária, esquistossomose, leishmaniose e dengue podem aumentar ou ser reintroduzidas em muitos países”, cita o relatório, com trecho traduzido pelo Diário do Nordeste.
“Em relação ao impacto da radiação UV-B na saúde, estudos recentes mostram que ela afeta o sistema imunológico humano e a visão”, complementa o documento, assinado pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
No Brasil, o Observatório de Clima e Saúde, que integra o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (ICICT) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), lista as doenças que podem ser relacionadas às mudanças climáticas.
Ar
- Acidente vascular cerebral (AVC)
- Asma
- Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
- Doenças cardiovasculares
- Hipertensão
- Infarto agudo do miocárdio
- Infecção respiratória aguda
- Influenza
Água
- Doenças diarreicas
- Esquistossomose
- Hepatite A
- Leptospirose
Vetores
- Dengue
- Febre amarela
- Leishmaniose tegumentar americana
- Malária
Os chamados “eventos climáticos extremos”, aos quais pelo menos 74 cidades do Ceará estão mais vulneráveis, também têm consequências a curto, médio e longo prazos, como reforça o Observatório com base em dados do IPCC.
Entre os danos às saúdes física, mental e social desses sinistros, os especialistas citam:
- Diarreias e gastroenterites;
- Doenças de veiculação hídrica;
- Desnutrição;
- Insegurança alimentar;
- Estados de estresse pós-traumático;
- Depressão;
- Alergias;
- Intoxicações e envenenamentos;
- Choques elétricos;
- Quedas;
- Descontinuidade temporária ou permanente de programas de acompanhamento de hipertensos, diabéticos e diálises;
- Problemas de moradia.
Rafaella Moreira explica que, diante de desastres, “várias pessoas podem ter aumento da pressão arterial, infarto, descontrole da glicemia, por exemplo, piorando a situação de doenças já existentes e deixando de fazer seus tratamentos de doenças crônicas”.
“As doenças crônicas cardiovasculares, cerebrovasculares, renais e o próprio câncer são doenças sensíveis ao clima, que podem tanto surgir como serem intensificadas pelas alterações climáticas”, analisa a pesquisadora da Unilab.
No Ceará, estado que convive com a seca, surgem ainda outras questões. “Águas de rios e açudes, se não forem tratadas de forma correta, podem estar contaminadas e desenvolver diarreias. Existem muitas internações por isso, o que é inadmissível nos dias de hoje”, pondera.
“Como o Brasil pode enfrentar as mudanças climáticas e reduzir seus impactos?”
O Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), integrado por representantes de 22 ministérios, pela Rede Clima e pelo Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, deve elaborar, nos próximos anos, o “Plano Clima”, com medidas para prevenir e lidar com danos causados pela mudança climática até 2035.
Até o dia 26 de agosto, o Governo Federal recebe propostas de qualquer cidadão que deseje contribuir com o plano, que é “participativo”. A contribuição deve responder à pergunta: “Como o Brasil pode enfrentar as mudanças climáticas e reduzir seus impactos?”
A partir dela, o Plano Clima vai traçar estratégias para os próximos 10 anos, em 18 eixos como:
- Biodiversidade e proteção e restauração florestal;
- Energia;
- Indústria e mineração;
- Cidades e turismo;
- Oceano e zonas costeiras;
- Gestão de riscos e desastres;
- Temas específicos para mulheres, comunidades tradicionais e povos indígenas, e combate ao racismo.
Iniciativas do Poder Público são estruturais para mitigar os danos das mudanças climáticas, mas é preciso agir “ontem e antes de ontem” para proteger a população das doenças e dos efeitos que já a afetam, como frisa a professora Rafaella Moreira.
“Precisamos de equipes multiprofissionais, que sejam preparadas e treinadas para lidar com pessoas com situação de saúde agravada ou novos problemas de saúde devido a questões climáticas, e também de profissionais de outras áreas que atuem para amenizar as consequências das mudanças climáticas”, lista.
“Tem ações que podem ser feitas desde dentro de casa, com orientações por equipes de saúde da família sobre o uso de repelentes, proteção solar, beber mais água, limpar bem os alimentos. E também no nível mais meso e macro, com uso de energias renováveis e sistemas de alerta precoce pra gente identificar riscos de desastres”, acrescenta.
O professor Alexandre Costa é firme ao alertar que “é preciso enfrentar o problema, e não estamos fazendo isso”. “Já deveríamos estar com desmatamento zero no planeta inteiro, e no meio de uma transição rápida, profunda e justa que nos permita abandonar os combustíveis fósseis como fontes de energia”, destaca.
“É preciso se preparar para o que já é inevitável: melhorar a infraestrutura das cidades, os avisos contra extremos; pensar mecanismos de proteção das pessoas contra o calor, eventualmente até mudança de horário de trabalho. E preparar o sistema de saúde.”
O pesquisador pontua que a preparação deve ser desde a base. “As universidades precisam capacitar os profissionais de saúde: não podemos continuar formando médicos, enfermeiros e outros trabalhadores sem terem disciplina que falem da crise climática.”
Planos de governos locais
Em reportagem publicada em maio deste ano, o Diário do Nordeste analisou o programa Fortaleza 2040, da Prefeitura de Fortaleza; e o Plano Estratégico Estadual de Longo Prazo (PLP) do Governo do Ceará, cuja base é o programa Ceará 2050; para saber qual o planejamento feito para adaptar o Estado e a capital às mudanças climáticas.
Nos planos a longo prazo feitos pelos governos locais, a principal preocupação é a garantia da segurança hídrica. Assim, são pensadas alternativas para o abastecimento de cidades, como a dessalinização da água do mar, o aproveitamento da água da chuva e o reuso dos recursos hídricos. Confira o detalhamento aqui.