O que você precisa dizer a quem é importante para você

O silêncio, muitas vezes alimentado pelo medo do dizer a coisa errada, começa a criar barreiras antirruído dentro da gente

Escrito por
Alessandra Silva Xavier producaodiario@svm.com.br
Legenda: É preciso dizer para quem importa, o que se passa conosco, o que se passa em relação ao outro
Foto: Ron Lach/Pexels

Muitos fomos educados para o silêncio, para engolir o choro, para não desrespeitar, para não falar sobre coisas dolorosas, para calar diante da morte, dos absurdos da vida, para ser cúmplice dos segredos familiares, para não contestar, para não perguntar, para não duvidar, para consentir.

Esse silêncio, muitas vezes alimentado pelo medo do dizer a coisa errada, como se existisse o reino das coisas certas do falar e do sentir, começa a criar barreiras antirruído dentro da gente, como uma cápsula para onde vão todos os gritos, todos os ruídos do que ainda não tem palavras, todas as coisas indecifráveis, todas as palavras que nos assustam e que ficam reverberando dentro da gente, trancadas em isolamento acústico e afetivo.

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Aprendemos o que deve ser dito, como deve ser dito e guardamos silenciadas boa parte da verdade sobre o que gostaríamos e precisaríamos realmente dizer. Mantemos conversas formais que muitas vezes muito falam e pouco dizem. Nesse silenciar, corremos o risco de distanciar e criarmos abismos, posto que as palavras-pontes ficaram em ruínas ou inacabadas. 

É preciso dizer para quem importa, o que se passa conosco, o que se passa em relação ao outro. Quantas perguntas precisamos fazer para saber o que aconteceu entre nós, quantos mal-entendidos ficaram endurecidos pelo tempo gastando um possível querer bem ou perdão? Quantos porquês ficaram feito faca cortando a alma e o tempo, sem resposta, paralisando a vida?

Quantas conversas inacabadas sobre temas importantes? Quanto medo daquilo que precisava ser dito ficou entalando uma aproximação, confiança ou vínculo? Quantas perguntas nos habitam desde criança e que não conseguimos fazer aos nossos pais? Quantas palavras nos distanciam dos irmãos? Quantas palavras silenciaram nos processos educativos? Quantos porquês achamos que deveríamos guardar somente para nós e como isso construiu desertos de curiosidades aborrecidas? 

Quantas declarações de amor ou desejos de aproximações estancaram no espaço. Quantas palavras que poderiam ter construído vínculos, paralisaram nas fantasias que constroem os silêncios. 

Aprendemos que só podemos falar sobre o bonito e o feio é geralmente atrelado à sexualidade, busca por direitos, sentimentos difíceis, questionamentos sobre o poder e a pretensa naturalidade das opressões,  o complexo da nossa história e desejos.

O que está silenciado que precisa ser dito no ambiente familiar, de trabalho, entre amigos, parceiros, amores, vizinhos, na cena pública? O que preciso dizer para mim? O que preciso de ajuda para dizer e encontrar as palavras que se perderam ou nunca foram nascidas em mim?

Pode parecer que de tanto silenciadas, as palavras desapareceram, não existem, estão perdidas, confusas. Pode ser necessário reaprender a encontrar a própria voz, a falar sem o suporte do controle e da segurança, correndo os riscos dos desentendidos e do diálogo autêntico. 

Quando o desejo pode encontrar palavras, é possível a liberdade do estar junto e do conviver. Quando o convívio é baseado no silêncio, no uso das palavras do outros, no medo de dizer, quando não digo do valor do outro, do que amo no outro, do que me assusta, do que me magoa,  do quanto o outro é importante, especial, do quanto o outro me ajuda, do que aprendi, do que o outro me desenvolve, do quanto o outro me fere, do quanto o outro é o outro, vou silenciando minha voz e consequentemente a segurança na minha existência. 

Dizer para o outro é também dizer para si, e dizer para si pode ser o primeiro passo para dizer ao outro. Muitas vezes achamos que temos tempo, podemos ficar esperando os sinais de saber a hora certa, e arrastar o silêncio até as palavras perderem a alegria e o sentido. É preciso resgatar o tempo da conversa, das trocas e da autoria da capacidade de ser falar com as próprias palavras, com o próprio sentimento e com a força que as palavras alicerçadas na história e na verdade possuem.

*Esse texto reflete, exclusivamente, o texto da autora.