9 bairros de Fortaleza já estão com índices mais altos de riscos para mudanças climáticas
Não será apenas daqui a 100 anos. Ou em lugares distantes. Quem vive em Fortaleza pode ser prejudicado pelas mudanças do clima de 4 formas: aumento da temperatura, secas prolongadas, chuvas extremas e elevação do nível do mar. Em 9 bairros, a situação já é considerada de alto índice de risco e as pessoas mais pobres serão as principais afetadas.
Esse cenário, que pode ser agravado até 2040, foi avaliado no Plano Local de Ação Climática, elaborado pela Prefeitura de Fortaleza, em 2020, por meio de parceria com a instituição americana Governos Locais pela Sustentabilidade (Iclei). Por isso, foram definidas metas de controle da situação.
Todos os que habitam a capital cearense serão prejudicados por esse destino. Para entender as causas, os impactos e as possibilidades de intervenção, o Diário do Nordeste produziu o especial Fortaleza e a Emergência do Clima.
Antes de avançar no tema, uma pergunta: você sabe o que são as mudanças climáticas? Esse é o termo dado para as transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima. Elas podem acontecer de forma natural, mas a principal causa é a queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás – típica dos veículos que circulam na cidade.
O resultado disso é a retenção do calor do Sol, que acaba por aumentar as temperaturas e causar um efeito dominó de prejuízos. Os efeitos são nocivos para a saúde humana, a qualidade de vida e a sobrevivência de bichos e plantas.
Ao analisar o mapa de Fortaleza, 9 bairros já estão no grau mais alto do Índice de Risco Climático Atual. Isso significa que a população e a infraestrutura dessas áreas podem sofrer com mais intensidade os efeitos das mudanças climáticas. Nos próximos 20 anos, essas áreas podem afetar mais espaços da cidade.
- Cristo Redentor
- Pirambu
- Jacarecanga
- Moura Brasil
- Cais do Porto
- Edson Queiroz
- Aeroporto
- Demócrito Rocha
- Bonsucesso
A capital cearense tem uma temperatura média de 27°C e 1.600 milímetros de chuvas por ano, conforme monitoramento do conforme registros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Mas a cidade pode ficar 4°C mais quente e ter 40% mais chuvas até 2100, de acordo com um estudo científico internacional do portal Climate Information.
Os moradores de áreas próximas ao mar estão mais vulneráveis nesse cenário, como aponta Paulo Sousa, professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), que pesquisa sobre os desgastes no litoral.
“As áreas próximas às desembocaduras e com terrenos mais rebaixados, ou quanto mais perto do nível da água, e as comunidades mais pobres serão as mais afetadas”, resume o especialista.
Não é que o nível do mar vai subir da noite para o dia, é algo gradual. Existem locais que isso acontece de forma mais acelerada pela relação do nível do mar com a geologia da região
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O Diário do Nordeste percorreu as ruas e becos do Pirambu, um dos bairros mais vulneráveis da cidade, onde a população já sente as dores das chuvas intensas e da elevação do nível do mar.
É o caso de Ana Iris Gadelha, 21, que passou a ouvir o som da chuva com apreensão desde que parte da casa veio abaixo há 4 anos. “Numa chuva muito forte de julho, minha mãe chegou na rua, viu um buraco abrindo e gritou para a gente sair de casa", lembra a mulher que trabalha como atendente de caixa.
Um buraco entre a casa da família que abrigava 5 pessoas e um comércio começou a se ampliar no período. A mãe de Iris, inclusive, media constantemente e temia que o pior acontecesse. Na época, todos tiveram de morar com uma parente até a reconstrução da casa, feita após recebimento de indenização.
A dona de casa Aldeci Gadelha, 65, chegou ao bairro ainda criança e é enfática: “a chuva deixa a gente com medo".
Marcos Alexandre, líder comunitário, reforça a questão histórica no bairro. "Essa estrutura é para escoar águas pluviais, na década de 1990, essa rua inteira abriu da praia até uns 5 quarteirões. Desde então são feitos paliativos dessa situação", completa.
A comunidade se formou em cima de dunas, e atualmente muitas das casas ainda estão em situação de precariedade. Por lá, há ações de remoção de moradias coladas com a faixa de areia do mar e construção de calçadão vinculado ao Projeto Vila do Mar.
Já o porteiro Evandro Rodrigues, 49, viveu por muitos anos numa moradia feita de tábua colada às areias da praia.
"Alguns anos foram de muita preocupação, o que agora é menos. Mas ainda temos dificuldade com alguns esgotos que correm para a praia. E o mar avançou depois que mexeram na Praia de Iracema", observa.
A gente vai perdendo espaço, antes a gente podia jogar bola na praia que era mais larga, mas diminuiu. Os moradores mais antigos dizem que tinham casas a mais de 100 metros daqui
Evandro acompanhou a requalificação de moradias e um maior afastamento do mar, mas a possibilidade da continuidade do avanço desperta o receio. "A gente tem medo, já vimos isso acontecer, temos medo do mar avançar mais e destruir as nossas habitações", conclui.
A elaboração do Plano Local de Ação Climática usou o estudo Índice de vulnerabilidade climática e estratégia de adaptação para a cidade de Fortaleza, com apoio do Banco de Desenvolvimento da América Latina.
O documento detalha os possíveis impactos para os bairros de Fortaleza com a intensificação das mudanças climáticas. Entenda os principais pontos e os mapas.
Aumento da temperatura
O cotidiano de Fortaleza tem uma temperatura média que oscila entre 22°C e 32°C, sendo o calor um motivo de reclamação constante entre a população. Além do desconforto térmico, com o aumento desse índice, há prejuízos para a saúde.
O calorão pode causar o aumento da demanda por atendimento nas unidades de saúde devido à incidência de doenças respiratórias, mal-estar súbito e quadros de insolação de modo geral.
Também é provável a sobrecarga dos sistemas de abastecimento de água e energia elétrica.
O Plano Local detalha que os bairros mais próximos à costa são os mais expostos ao aumento da temperatura, “devido à intensa ocupação da área litorânea que substituiu as áreas naturais por infraestrutura e edificações, diminuindo a quantidade de áreas verdes que melhoram o conforto térmico”.
Secas prolongadas
Com a alteração na dinâmica do clima, pode haver períodos maiores sem chuvas (apesar de outros períodos com chuvas intensas). Durante a estiagem, normalmente entre setembro e novembro, os estudos apontam uma redução de 9% da precipitação até 2040 e de até 29%, em 2100.
Isso pode ter uma implicação direta na oferta de água, porque os açudes no Estado podem perder a reserva. Rios e lagoas urbanas podem ser ameaçadas pela retirada de água para consumo humano, em um cenário de colapso.
Quem também pode sofrer com isso são os animais e plantas, mesmo adaptados ao contexto do semiárido. As áreas verdes, que ajudam a regular a temperatura, serão afetadas no mesmo sentido.
Chuvas extremas
Muita chuva em pouco tempo causa inundações, alagamentos e deslizamentos, acompanhados pela Defesa Civil. Esses eventos extremos podem acontecer com uma frequência maior na cidade, principalmente de março a maio.
Como identificado nos estudos, alguns fatores agravam os problemas, como a impermeabilização da cidade devido à urbanização que intensifica inundações e alagamentos.
Os bairros com alta densidade populacional e de baixo IDH são os que apresentam maior sensibilidade à ameaça de chuvas extremas por terem construções menos resistentes.
Elevação do nível do mar
Os eventos de ressaca do mar são mais frequentes em Fortaleza de maio a setembro devido a uma sobre-elevação dinâmica que tem como força indutora as ondas, marés e ventos atuando de forma concomitante.
Os principais riscos identificados nos bairros costeiros, destacam-se: erosão de dunas e praias, danos à infraestrutura urbana, impactos nos ecossistemas costeiros (como
manguezais) e potenciais inundações das áreas de influências de grandes rios, como detalha o plano.
O que é feito para evitar uma situação extrema
A reportagem conversou com Luciana Lobo, secretária do Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (Seuma), para entender como o Plano Local de Ação Climática de Fortaleza norteia as ações do Poder Público.
"O que se busca é a neutralidade da emissão de carbono no município", pontua sobre o documento que estabelece metas para o acompanhamento e as estratégias para diminuição dos emissão dos gases de efeito estufa na capital cearense.
"A nossa geração é que está sendo mais impactada por emissões que estão acontecendo desde sempre e que, de 25 a 30 anos para cá, temos um foco mais intenso no debate climático", analisa a secretária.
Na prática, existem 4 eixos de atuação: energia, saneamento básico, mobilidade urbana e resiliência (relacionados à estrutura da cidade).
Em relação à energia, um edital de Fortaleza busca contratar uma parceria público-privada para implantação e manutenção de projetos de eficiência energética para escolas e creches com investimento de R$ 52 milhões. A ideia é usar a energia limpa para manter esses espaços.
“Fortaleza tem um comitê de energias renováveis e eficiência energética e nós trabalhamos em parceria com esse comitê para que a cidade se utilize tanto quanto possível de energias renováveis”, acrescenta Luciana Lobo.
Entre as ações de saneamento, os esforços são para o aumento da coleta com iniciativas diferentes. "Temos trabalhado com políticas muito objetivas como o reciclo, ações do Proinfra, Se Liga na Rede, que ligou mais de 2.500 casas à rede de esgoto, estamos fazendo a video inspeção de mais de 180 km de galerias pluviais”, lista.
Temos uma dimensão imediata caso a gente tenha uma chuva intensa e rápida, essa água escoa para as bocas de lobo e galerias pluviais que estarão desimpedidas e a água flui para rios, riachos e oceano, prevenindo alagamento
A possibilidade de uma frota com 19 ônibus elétricos é uma das ações mais recentes com relação à mobilidade e redução dos gases poluentes.
"Nós temos mais de 400 km de ciclovias e ciclofaixas que ajudam na troca da energia do carro pelas bicicletas, temos o plano de arborização de Fortaleza que tem trazido um número significativo de árvores desde 2021”, completa Luciana.
Luciana considera que todas as ações se complementam no sentido de ajudar a cidade a ter maior resistência. “As questões relacionadas às mudanças climáticas estão totalmente conectadas ao aumento da temperatura global”, conclui.