Ônibus elétrico em Fortaleza: de gastos a meio ambiente, o que dizem especialistas sobre o modal

Câmara de Fortaleza aprovou empréstimo de até R$ 50 milhões para aquisição de 19 veículos, e o projeto de lei já cita as duas linhas iniciais que devem receber os veículos

Escrito por Gabriela Custódio , gabriela.custodio@svm.com.br
Ônibus no trânsito de Fortaleza
Legenda: Ainda não há prazos definidos para que a Prefeitura compre os ônibus elétricos
Foto: FABIANE DE PAULA

Fortaleza poderá ter 19 ônibus elétricos integrados à sua frota. Neste mês, a Câmara Municipal aprovou um projeto de lei que autoriza a contratação de R$ 50 milhões junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o financiamento da iniciativa. Especialistas consultadas pelo Diário do Nordeste avaliam a medida de forma positiva, apontam o potencial desses veículos para gerar mais conforto para os usuários, mas alertam sobre os custos e a manutenção de outras iniciativas de mobilidade.

Os primeiro veículos, conforme o projeto aprovado, devem ser direcionados para as linhas 026 – Antônio Bezerra/Messejana e 222 – Antônio Bezerra/Papicu/Antônio Sales. A reportagem tentou contato com a Prefeitura de Fortaleza para buscar mais detalhes sobre a implantação, mas a assessoria de comunicação da pasta responsável, Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), informou que ainda não há mais informações. 

O projeto de lei ordinária nº 328/2023 tramitou em regime de urgência e foi analisado pela comissão conjunta de Constituição e Justiça (CCJ), de Orçamento, Fiscalização e Administração Pública (Cofap), e de Política Urbana e Meio Ambiente (CPUMA). Ainda não há prazos definidos para a compra dos veículos e para o início da operação.

O QUE DIZEM ESPECIALISTAS

Durante três anos, Fortaleza já teve ônibus elétricos (trólebus) em operação. Criada em 1964 e com as atividades iniciadas em fevereiro de 1967, a Companhia de Transporte Coletivo (CTC) foi criada para operacionalizar o sistema de ônibus elétricos e regulamentar o serviço de transportes coletivos da Capital. Os veículos operaram entre o Centro e a Parangaba até 1969 quando foram vendidos para a Prefeitura de São Paulo por problemas operacionais e de manutenção.

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A arquiteta e doutora em Engenharia de Transportes Camila Bandeira, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), avalia de forma positiva o investimento e a adoção de ônibus elétricos pela Prefeitura. Ela destaca como vantagens desses veículos o aspecto mais sustentável e o conforto gerado para o passageiro, além da menor poluição sonora.

A professora também avalia que, ao oferecer veículos de qualidade, silenciosos e menos poluentes, há o potencial para conquistar novos usuários para o transporte público e resgatar aqueles que deixaram de utilizá-lo. Porém, ela alerta que apenas mudar os veículos não resolve questões da mobilidade e outras medidas devem continuar sendo adotadas, como a implantação de corredores e de faixas exclusivas para ônibus.

Para Virginia Tavares, coordenadora de Eletromobilidade do WRI Brasil, os ônibus elétricos devem ser uma prioridade nas cidades, “tanto nas questões climáticas quanto nas questões de qualidade do transporte”. “Acho que essa liderança de Fortaleza é um exemplo para que outras cidades iniciem e avancem na transição”, afirma.

Entre outras cidades que também têm adotado ônibus elétricos em sua frota, a coordenadora destaca São José dos Campos (SP), Salvador (BA) e Cascavel (PR). “Todo esse movimento das cidades é fundamental. (...) E buscar novos arranjos é muito importante principalmente como forma de incentivar a eletrificação e procurar sanar uma crise de saúde financeira que o sistema de transporte estava sofrendo nos últimos anos, que foi muito agravada pela pandemia.”, afirma.

De acordo com a plataforma E-bus Radar, que monitora frotas de ônibus elétricos no transporte público das cidades latino-americanas, há 398 ônibus desse tipo em circulação no Brasil.

DESAFIOS PARA A TRANSIÇÃO

Entre os desafios para a adoção desses ônibus, Camila Bandeira cita o alto custo dos veículos e as questões relacionadas à própria implantação da tecnologia. Há, por exemplo, a necessidade de se ter estações de recarga, o tempo de carregamento e se os ônibus vão conseguir realizar todo o trajeto das viagens com a carga.

Apesar do alto investimento inicial, Virginia Tavares pontua que esse custo tende a ser reduzido ao longo da vida útil dos veículos. Isso porque os ônibus elétricos são “mais eficientes”, o custo da energia é mais baixo que o do combustível e os veículos têm uma mecânica mais simplificada em relação aos ônibus a diesel.

O documento Guia de Eletromobilidade - Orientações para estruturação de projetos no transporte coletivo por ônibus divide os desafios para essa política em três eixos:

  • Tecnológicos: vinculados principalmente à falta de informações para subsidiar decisões e às limitações relacionadas aos veículos e às infraestruturas de recarga. Entre eles estão: desconhecimento das vantagens e desvantagens da tecnologia, mercado restrito e falta de padrões e regulações para a infraestrutura de recarga;
  • Financeiros: incluem desde o alto custo dos veículos e das infraestruturas necessárias até questões relacionadas ao financiamento, entre outras;
  • Institucionais: incluem a ausência de políticas públicas facilitadoras e de planos específicos para orientar a adoção de ônibus elétricos.

A professora da Unifor também aponta o tempo para que a população perceba os benefícios. “Até termos toda a frota elétrica, vamos sempre achar que aquilo não está completo, mas precisamos dar o primeiro passo. Sei que vai ser um longo caminho para a conversão da frota toda, mas Fortaleza está no caminho certo”, avalia.

Entre os desafios institucionais, a coordenadora de Eletromobilidade do WRI Brasil aponta a carência de uma política nacional na qual o governo federal poderia adotar “mais protagonismo”. “Do lado da indústria, eles também conseguem se organizar para garantir que essa demanda que vai ser gerada por metas de cidades seja entregue, pela capacidade de produção”, pontua.

ENTENDA O PROJETO DE LEI DOS ÔNIBUS ELÉTRICOS

O projeto de lei foi enviado à Câmara Municipal de Fortaleza no dia 6 de setembro. Na mensagem, o prefeito José Sarto pediu autorização para o empréstimo junto ao BNDES, que possui um programa de financiamento exclusivo para iniciativas de energia limpa, para financiamento do projeto de inserção de ônibus elétricos na frota de transporte público de Fortaleza.

A proposta foi desenvolvida pela Coordenadoria de Mobilidade Urbana da Secretaria Municipal da Conservação e Serviços Públicos (SCSP) e faz parte da nova Política Municipal de Mobilidade Urbana Sustentável de Fortaleza, regulamentada pelo projeto de Lei nº 47/2023. O objetivo é atingir uma redução anual de aproximadamente 3.600 toneladas de CO2 e 15 toneladas de NOx, com base nas linhas selecionadas.

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Com a iniciativa, a Prefeitura também busca reduzir os custos operacionais do transporte público de Fortaleza. “Estimativas mostram que, em um período de 10 anos, o Custo Total de Propriedade (TCO, do inglês Total Cost of Ownenhip) de um veículo desse tipo pode chegar a ser 10% menor que o de um veículo tradicional movido a diesel”, diz a mensagem.

Com o valor do financiamento de R$ 50 milhões devem ser adquiridos 19 veículos do tipo Padrón 12m, com bateria embarcada, além da infraestrutura de recarga, composta por 10 carregadores distribuídos entre três terminais de integração: Antônio Bezerra, Papicu e Messejana.

No texto, o prefeito de Fortaleza cita a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), que foi definida pelo projeto de Lei nº 47/2023 e tem entre suas diretrizes o incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias renováveis e menos poluentes.

 

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