Fortaleza, há 40 anos minha história te atravessa

Hoje, quando Fortaleza celebra 299 anos, fico imaginando quantas pessoas também têm nos espaços da cidade marcos referenciais de suas histórias

Escrito por
Dahiana Araújo producaodiario@svm.com.br
(Atualizado às 08:39)
Legenda: Os muitos marcos de minha memória estão sempre ligados aos tantos caminhos aqui já percorridos
Foto: Fabiane de Paula

É noite de lua cheia. Fortaleza se entrega, e eu me espanto com a mistura de cenários que me deixam inquieta, mas também fazem eu me sentir em casa. Chão firme, traçados de ruas que conheço muito bem, de tanto que as experimento. Um céu que me acompanhou com o pôr do sol a caminho de casa. Me sinto livre. Então, começo a pensar sobre a minha história nessa cidade-desafio.

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Eu — que tanto gosto das metáforas construídas em nós quando nos encontramos “no meio do caminho”, de rotas ou de vidas — sei exatamente onde estou. E quero ficar. Dentro de mim, desperta a doce sensação de pertença que tenho quando penso-me como parte dessa cidade-presente. 

Nem tudo aqui é alívio, às vezes é olhar em volta e sentir vontade de chorar com as injustiças entre um e outro semáforo. Há caminhos que doem, deixam marcas, viram referências geográficas que desequilibram as nossas memórias. Mas cá estou, a pensar que por aqui há muitas travessias.   

De tantos bairros onde morei, escolas nas quais estudei, ônibus que peguei, rotas de carro, trem, bicicleta. Minhas andanças já foram muitas por aqui. Penso (e sinto) que conheço um tanto essa cidade, então sinto-me parte de sua história — e vice-versa —, pois aqui já tenho legados (bem guardados) em minhas memórias. Eu sou Fortaleza; Fortaleza sou eu. 

“Das lembranças que eu trago na vida", feito diz Roberto Carlos, Fortaleza “é a saudade que eu gosto de ter”. Porque os muitos marcos de minha memória estão sempre ligados aos tantos caminhos aqui já percorridos.

Ruas, calçadas, escolas, praças, mercados. Casarões, prédios. A quadra onde eu dançava quadrilha; o bairro da primeira casa própria da família e o condomínio onde conheci uma das melhores amigas-irmã de vida. Os muros que fotografei durante a pesquisa de campo da tese de doutorado.  

Os muitos fragmentos de Fortaleza atravessam a minha história porque são cenários de minha infância bonita, quando eu corria pelas ruas no entorno da casa mãezinha e paizinho, entre as procissões e novenas de bairro; ou na época em que caminhava entre as vias de bodega em bodega atrás de ovo e leite para os melhores bolos da vida.

São muitas as travessias que ajudam a contar a minha história em Fortaleza, como a linha do trem, que sempre me encantou, e eu cruzava, mesmo sendo proibida, pra chegar até à igreja da adolescência ou como o canal da “casa das tias”, que sempre me fazia imaginá-lo sendo a piscina coletiva do bairro. 

Rio Cocó, em meio à vegetação, em Fortaleza
Legenda: “Das lembranças que eu trago na vida", feito diz Roberto Carlos, Fortaleza “é a saudade que eu gosto de ter”
Foto: Dahiana Araújo

Muitas das minhas tantas memórias de vida estão entrelaçadas aos caminhos que há algumas décadas tenho feito nessa cidade, que me apaixona, mas também me assusta — dessa parte hoje não quero falar, mas elas existem em mim. 

Hoje, quando Fortaleza celebra, segundo uma versão histórica, 299 anos, fico imaginando quantas pessoas, assim como eu, têm nos espaços da cidade marcos referenciais de suas histórias, lugares capazes de nos ajudarem a nos reconhecermos, protagonistas ou cenários da nossa história. Espaços de autoconhecimento e existência. E muito mais.   

Fortaleza, a tua história é nossa. E ela todos os dias nos atravessa. Não sem amor, não sem dor. De tudo um tanto. E vice-versa.