Meu lugar preferido em Fortaleza? É estar em movimento, mas dinâmica não apenas de andanças concretas, e sim de passeios que me levam a quem hoje eu sou, estou. Lugares onde existo e resisto em memória, porque a minha história é a que melhor sei expressar. E como me contar sem falar do meu território-abrigo, minha terra-raiz, minha cidade-promessa?
Hoje, quando reviso minha trajetória, também penso que há formatos infinitos pelos quais eu poderia narrar-me. Mas um deles, vez ou outra, se sobressai: a memória de mim ante ao que vivo e revivo entre os incontáveis espaços desta Fortaleza, que, embora seja terra firme há muitos outros tempos, dentro dessa lógica oficial e burocrática de vida, hoje chega aos seus 297 anos.
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Meus trinta e tantos anos de existência são infinitos, mas também ínfimos pro tamanho dessa história sem fim que Fortaleza abrange e abriga. Ora sou habitante, ora Fortaleza vive em mim. Não há ordens nem cronologias para nós, porque, assim como dizia Machado de Assis, estamos “feito a fruta dentro da casca”. Há tempos em que sou que sou fruta, há tempos em que viro a casca.
Talvez por ter visitado territórios tantos, entre as mais de 10 mudanças de casa e bairros por Fortaleza, só consigo contar-me, de forma rigorosa, quando lembro-me onde eu morava nessa ou naquela época da vida. Por onde eu passava e quais caminhos me levavam e traziam, por dentro e fora de mim. O que eu sentia quando atravessava meus caminhos?
O que ainda pulsa em mim enquanto conto essa história ?
Sobrevivo e rememoro-me entre as paisagens pelas quais passei quando atravessava o Centro da Cidade para ir à primeira “grande” escola que passei a frequentar aos 9 anos, longe do reduto do meu pequeno bairro Ellery. Muita emoção naquele trajeto que aprendi a fazer sozinha só decorando as cores e formatos de muros e janelas até o fim da viagem de ônibus.
Refaço minhas risadas quando relembro os milhares de cochilos de meus irmãos, até em ombros alheios, no quase infinito trajeto Mondubim-Parangaba-Centro entre um terminal e outro, em busca da parada perfeita nos dias de chuva e preguiças.
Também aprendi a cortar caminhos, ainda que a cidade me atravesse com suas paisagens complexas, paradoxais. Cenários que me bagunçam, e também me refazem enquanto gente, entre idos pelas linhas de trem da cidade esquecida ou calçadões às escuras porque não estão nos cartões postais. Tanto de tudo aqui não é paisagem, eu sei.
Tenho alívios só de cruzar alguns caminhos, entre territórios e existências, e também tenho saudades. De memórias, de percursos, da Praça do Liceu - onde tinha um “parque de graça” - dos casarões do Jacarecanga que eu contava um por um e ainda decorava a cor pra saber se eu iria lembrar no dia seguinte quando seguisse novamente de ônibus no trajeto casa-escola.
Listar os meus tantos percursos na minha terra-raiz seria inviável, até porque muitos dos caminhos que ainda hoje tomo, desde criança, se ressignificam para mim a cada mudança, seja no território, seja no coração. Tanto é que, em Fortaleza, tenho muitos lugares preferidos, pois é a latência da sua história que está acesa em mim, porque a cidade me preenche, enquanto resiste para sempre em mim.