Muito além da última casa da Beira-Mar

Em meio às reverberações deste assunto, lembro-me de alguns lugares que, embora já não mais existam, ainda me marcam enquanto vago pelas superfícies da cidade-abrigo

Legenda: Penso ainda na quantidade de memórias que guardam aquelas paredes, seus cômodos, suas estruturas banhadas por um tempo que não volta entre relógios, mas permanece entre lembranças
Foto: Thiago Gadelha

Muito além da última casa da Beira-Mar, Fortaleza tem desses lugares que se desfazem, mas permanecem em nós. Aqui nesta coluna já falei muitas vezes sobre saudades, espaços da cidade e as nossas memórias, pessoais e coletivas. Mas cada vez que me vejo editando uma matéria sobre espaços que se desfazem – ou são desfeitos –, pessoas que se vão, saudades que se erguem, me vejo revirada entre lembranças, tanto as minhas quanto as da cidade – lugar de experiências históricas e sociais.  

Aqui também muito falo de infância e do passado que permanece vivo na pele, na mente e atravessa nossos dias como se nunca tivesse "passado" por nós.

Mas não tenho como não retornar a essa mistura de temas quando paro e penso: como será que tem sido a despedida de quem mora na última casa da beira-mar? O que deve permanecer nas memórias e o que, dentro de caixas, será levado para outros espaços? Quanto cabe de lembranças no espaço que vai da mente ao coração?

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E mais: qual cidade veremos daqui uns 10 anos, quando nenhum fragmento físico daquela casa estará de pé? De que maneira olharemos a Avenida Beira-Mar, que há tempos tem perdido suas residências, e que histórias serão contadas a nós, às próximas gerações sobre o aspecto histórico, social e cultural daquele lado da cidade, um patrimônio coletivo. 

Penso ainda na quantidade de memórias que guardam aquelas paredes, seus cômodos, suas estruturas banhadas por um tempo que não volta entre relógios, mas permanece entre lembranças.

Talvez porque muitas vezes na vida eu tenha mudado de casa e tenha reduzido a algumas caixas as memórias sem tamanho de cada lar, de muitas das experiências vividas entre espaços, pessoas e devaneios. Também por tudo isso me pego pensando onde ficarão as memórias de quem habitou aquele lugar e seu entorno.

E em meio às reverberações deste assunto, lembro-me de alguns lugares que, embora já não mais existam, ainda me marcam enquanto vago pelas superfícies da cidade-abrigo.

Desde a casa com ares de tempos atrás que virou loja nos arredores da Aldeota; à vila amarela engolida por um centro comercial nos arredores da Bezerra de Menezes; à casa-padaria, de grades brancas e varanda coletiva, que em breve dará lugar ao um pedaço da Av. Sargento Hermínio; à casa de veraneio que se tornou apenas resquícios no meio da Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. 

São muitas as memórias pessoais que saltaram de lugares físicos e hoje estão entre caixas de recordações, fotografias – algumas já desgastadas –, diários de amores vividos, assim como também são inúmeras as histórias do nosso território, nosso povo, nossa cultura que não podemos contar, ou as narramos de forma fragmentada, porque seus vestígios foram apagados muito antes de existirem essas nossas gerações. A saudade que hoje vivemos, muitas vezes, é aquela do que nem tivemos a chance de experimentar.