Em meados dos anos de 1990, morei, com dois irmãos e minha mãe, em uma miúda casa no primeiro andar, acima de uma padaria que ficava na Av. Sargento Hermínio, via que, há quase 20 anos, passa por um processo de alargamento.
Hoje, o local que um dia abrigou meu lar é apenas um terreno vazio, aguardando um novo trecho do asfalto que irá cobrir o espaço deixado pelas paredes agora rompidas. Memórias nunca esquecidas.
Ao mesmo tempo em que via textos, imagens e informações sobre a “última casa da Beira-Mar” também rememorava, quase que de forma involuntária, como eram os cômodos de minha antiga residência.
Um diferencial sempre me chamou atenção: tinha uma varanda na frente, e outra que era uma espécie de “varanda alternativa”, a qual saía dos fundos da cozinha e, assim como a outra, tinha vista para o meio do mundo. Meu mundo inteiro.
Não foi uma residência onde morei por muito tempo, mas um lar é sempre uma referência de vida, de nossa história. De um tempo que é tanto individual quanto partilhado. Pois somos quem somos por carregarmos marcas de tantos sujeitos na mente, coração e também na memória da pele. Risos, abraços, sonhos, lanche de fim de tarde na varanda aberta.
“Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas”, já cantava, desde então, Gonzaguinha.
Paredes claras, grades nas portas e janelas, piso de madeira, cozinha grande de mesa imponente. Um guarda-roupa embutido a tomar toda uma parede e apenas um quarto, onde nos amontoávamos - eu, irmãos e mãe - entre cama e redes, e cultivávamos, além de laços, nossos planos de dia, nossos sonhos de noite. A TV da sala sempre exibia um dos contos de fadas de um programa da época. Lá, a vida era mais lenta, e nossa rotina com ares de para sempre.
Hoje, quando passo pelo local que ainda guarda os ares de uma de minhas casas, ou deparo-me com experiências que me fazem daquilo lembrar, penso na quantidade de lugares que são memória em nós, atravessaram a nossa história de vida, são e serão heranças na mente e nas gerações vindouras, mas que muitas outras pessoas nem sabem que existiram feito paredes e telhados a abrigarem nossas verdades.
A “última casa da Beira-Mar” nos revela que muitos comércios, edifícios e bares um dia foram residências a abrigarem almoços em família aos domingos, máquinas de costura de vestidos eternos, gavetas com cartas de amor, sonhos de avanços e liberdades tantas. Que colunas já foram paredes de quartos de filhos, banheiros de avós, varandas de namorados, jardins de netos e ninhos de vidas inteiras que poderiam ser contadas apenas por olhares, e hoje perduram feito marcas do tempo em nossos corações.